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Covid-19: Primeiro lar vacinado na região já tinha o vírus dentro de portas sem saber

Dos 31 utentes afetados, dois faleceram e um terceiro persiste hospitalizado. “Por azar, estas pessoas, quando foram vacinadas, estavam infetadas” explica Ana Silva, médica especialista em Saúde Pública

A Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós, a primeira instituição desta região a receber as vacinas contra a Covid-19, não escapou à ação do vírus.

O lar da instituição esteve na linha da frente da vacinação, na fase que marcou a chegada da vacina a instituições que acolhem idosos na região.

No entanto, poucos dias depois da primeira dose da vacina ter sido administrada, os casos positivos de Covid-19 começaram a manifestar-se. Cerca de três semanas depois do momento em que o SARS-CoV-2 mostrou a sua face, no lar a situação está em fase de resolução.

Não sem um preço: dos 31 utentes afetados, dois faleceram e um terceiro persiste hospitalizado. No total, a esmagadora maioria dos infetados, quatro dezenas entre utentes e funcionários, está assintomática.

“Foi uma mera coincidência, por azar, estas pessoas, quando foram vacinadas, estavam infetadas”, explica Ana Silva, médica especialista em Saúde Pública no ACES Pinhal Litoral e coordenadora do processo de vacinação.

A vitória que se chegou a adivinhar no primeiro lar da zona do ACeS Pinhal Litoral (que engloba os concelhos de Leiria, Batalha, Porto de Mós, Marinha Grande e Pombal), a receber a vacina contra a Covid-19, afinal não se confirmou. Pelo menos, não em pleno. 

Quando, ao décimo segundo dia do ano, a vacina finalmente chegou, sem surpresas, entre utentes e funcionários do lar, o momento foi agarrado com esperança e satisfação.

Por lá, dez meses de pandemia bem que até poderão ter ameaçado um ou outro susto, mas nunca conseguiram fazer germinar surtos e a vacina permitia alimentar a esperança e respirar com algum alívio.

No dia da vacinação, Paulo Carreira, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós, não poupou elogios à equipa que manteve o lar seguro. Agora, depois de um surto se ter revelado, não só mantém os elogios, como os reforça. A forma como o surto foi combatido, explica, demonstrou o melhor da equipa que aplaude.

Há três semanas, apesar das notícias que davam conta de alguns focos no concelho de Porto de Mós e com a pandemia a mostrar-se crescentemente feroz, chegara finalmente o momento para receber a vacina e começar a contagem decrescente para uma nova fase no lar da Misericórdia de Porto de Mós.

A realidade veio, todavia, a demonstrar que quando a vacinação chegou ao lar, e sem que ninguém ainda o soubesse, uma sorrateira e involuntária emboscada do vírus tinha ajudado deitar por terra dez meses de constante resistência.

Porque invisível, o vírus leva vantagem. E não são tão raros assim os casos em que, embora presente, permanece silencioso. “Isso não aconteceu só em Porto de Mós, tem acontecido em vários lares: um ou outro utente ter revelado a doença de que já era portador quando fez a vacina”, explica Ana Silva, responsável pela atividade de vacinação neste agrupamento de centros de saúde.

Vacinação no lar ocorreu dia 12 de janeiro Foto: Joaquim Dâmaso

Só a testagem permanente permitiria ter uma imagem aproximada da situação de cada utente perante a doença. Mas não é viável do ponto de vista prático, nem mesmo financeiro, estar a fazer testes diários aos utentes, explica a responsável.

Além do mais, já se registaram casos de testes que revelam utentes que estão negativos, mas que afinal manifestam a doença depois da vacina. Esses “idosos podem estar negativos no dia em que fazem o teste, e dois dias depois, quando vão fazer a vacina, só porque estavam a incubar [a doença], já estão positivos, e a positividade vem a revelar-se três ou quatro dias depois da vacina”, detalha.

Ana Silva desfaz qualquer mito em torno desta questão. Estes casos não têm qualquer relação com a vacina: “A vacina pode dar febre, um bocadinho de febre, mas não origina um teste positivo”, garante.

Quando estes casos sucedem, a vacinação não prossegue. Ou seja, nas situações de utentes que manifestaram a doença já depois de receber a primeira dose da vacina, pelo menos para já, não há previsão de uma segunda toma.

“Não sabemos como vai ser no futuro, mas com as normas atuais, o indivíduo que infete depois da primeira dose, por agora não vai fazer a segunda dose”. A situação pode alterar-se, mediante a evolução da evidência científica nesta matéria: “vamos ver, no futuro, o que vão revelar os estudos”, reforça a coordenadora da vacinação.

Uma brecha silenciosa numa batalha de dez meses

“Durante dez meses, a instituição, na pessoa dos seus funcionários, conseguiu evitar a entrada do vírus no lar através de rígidas medidas preventivas e proativas envolvendo todos os intervenientes, dos seus vários níveis, no processo de manter protegidos os nossos idosos”, sublinha Paulo Carreira, provedor da instituição.

Por ali, ainda o primeiro confinamento não se tinha revelado, e a pandemia era ainda uma ameaça difusa, já existia um plano de contingência preparado, recorda o provedor que imputa à equipa liderada por Cláudia Braga, diretora de serviços, o mérito por essa atitude previdente.

O mês passado, com a chegada da primeira dose da vacina, recorda, tudo parecia correr bem e o desencadear dos procedimentos desenhados no plano para casos de infeção, parecia, cada vez mais, uma hipótese distante. “Foi administrada a primeira dose da tão esperada vacina que, felizmente não originou efeitos secundários de relevo”, conta.

A ação do vírus, que afinal já se instalara no lar antes de dia 12 de janeiro, só começou a ser percebida seis dias depois da vacina ter batido à porta. 

“A 18 de janeiro fomos informados de que uma utente nossa que tinha sido encaminhada ao hospital no dia 16”, explica o provedor, estava “positiva para a Covid-19”. A utente fora à unidade hospitalar “por motivo ortopédico e respiratório”. E dia 18 chegou a temida notícia. Bem, mas isso aconteceu depois da toma da vacina? Sim. O vírus, todavia, tinha chegado dias antes ao lar.

Como? É que essa mesma utente, recorda Paulo Carreira, já tinha estado no serviço de urgência nos dias anteriores à vacinação no lar. Nessa ocasião, o regresso do hospital para o lar, tinha sido efetuado com cuidados redobrados. Que, se percebe agora, não terão sido capazes de travar o ardiloso vírus.

“Após a permanência de mais de 24 horas naquele serviço [hospitalar], [a utente] foi readmitida na instituição, detentora de teste negativo para o vírus”. Mesmo com o teste negativo, a medida preventiva “sempre adotada, foi implementada”: a utente foi isolada, conta o provedor.

A medida profilática pretende, precisamente, despistar a possibilidade de existência de infeção, apesar do teste negativo indiciar situação diferente. Porém, “numa instituição, como na comunidade, há pequenos detalhes que não se conseguem controlar, como a interação entre indivíduos que, apesar de não recomendada, inadvertidamente pode acontecer”, reconhece o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós.

Neste trabalho de rastreio ao passado, procurando as pistas que o vírus deixou, encontrou-se o canal que se suspeita tenha sido usado para que o SARS-CoV-2 entrasse no lar em vésperas da vacina chegar.

A notícia do caso positivo, que só chegou dias depois da vacinação, fez avançar o tal plano de contingência da instituição, preparado meses antes, quando a pandemia ainda era pouco mais que uma ameaça distante.

“Em menos de 18 horas do alarme, tínhamos os nossos utentes e profissionais testados, quatro casos detetados devidamente isolados e com equipa de dedicação exclusiva com circuitos de circulação independentes na instituição para evitar contaminação cruzada”

Paulo Carreira, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós

O que se passou depois, de acordo com o relato do provedor, foi um processo que permitiu travar males maiores: “a rapidez de testagem por PCR, os critérios para correta aplicação posterior de testes rápidos a sintomáticos, permitiram a deteção precoce dos casos, seu afastamento da restante população e contenção do surto”.

A capacidade de enfrentar a pandemia, revelou-se também na tarefa de a conter dentro de portas: “apesar da infelicidade inerente à situação, tivemos um período de incubação monitorizado cuidadosamente e sem que, no final do mesmo houvesse novos casos positivos”, explica, alargando méritos pelo trabalho de combate, “praticamente em permanência no local”, à direção clínica de Mónica Barbosa.

Na fase final de um surto tão inesperado quanto ingrato, Paulo Carreira vislumbra sinais de uma equipa que se mostrou empenhada a prevenir e a combater o vírus. “A capacidade e rapidez organizativa, a adaptação do plano de contingência à realidade atual com a estrita colaboração de todos foi fulcral para a evolução que temos tido”.

Num processo de vacinação que avança em corrida contra o tempo e contra o vírus, o número de infetados desde o início da pandemia é ainda superior ao de pessoas vacinadas. O de casos ativos, todavia, já não é.

Esta sexta-feira, Portugal conta com 156.758 casos ativos de Covid-19 e com 379.378 vacinas já administradas, das quais 94.916 já o foram em segunda dose.

Em Porto de Mós, concelho onde arrancou a vacinação de lares na nossa região, havia esta sexta-feira, notícia de 283 casos ativos.

Ontem, quinta-feira, em reunião de Câmara, Jorge Vala, presidente do município, fez o ponto de situação de surtos no concelho. Para além do caso do lar da misericórdia local, em vias de resolução, adiantava que no início desta semana, eram residuais os casos em instituições concelhias. 

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