Chegou a Leiria em 2003 para estudar no Seminário mas por cá descobriu que o futuro lhe reservava outra vocação. Hoje, perto de completar 40 anos, faz por encontrar na música uma forma de vida. Enquanto o sonho amadurece, trabalha numa fábrica de plásticos para alimentar o desejo de, um dia, viver dos discos e concertos.
De sonho em sonho, Judepina cumpre este sábado mais um: tocar numa sala de espectáculos como o Teatro Miguel Franco, onde apresenta logo à noite o disco “Pé na txon”, lançado no verão passado, recheado e inspirado em ritmos africanos e afro-americanos.
“Já toquei n’O Nariz e na Fnac mas este é um concerto com outra dimensão. É o realizar de um sonho de infância. É uma casa acolhedora, para mim vai ser um dia que não vou esquecer”.
Pela primeira vez, Judepina atua com banda. Vítor Copa na bateria, Nuno Veríssimo no baixo e dois convidados especiais de Cabo Verde: “Um grande guitarrista caboverdiano, Renato Monteiro, que vem do Porto, e um grande teclista, Edson Sanches, que chega de Aveiro”.
Os bilhetes para o concerto deste dia 26 de março custam 6 euros e Judepina gostava de ter a sala cheia. “Ia ser a ‘cereja no topo do bolo'”. Mas “vai haver festa sempre com os que lá estiverem”.
No final de 2021, Judepina voltou à terra natal para mostrar a música que fez em Portugal. Atuou no Quintal da Música, um espaço famoso de música ao vivo na cidade da Praia. “Toquei com músicos que via sempre na televisão, como o Theka ou a Mayra Andrade. Foi cinco estrelas”.
Mas nem só em Cabo Verde ou Portugal se ouve a música do artista radicado em Portugal. Através das plataformas online, “Pé na txon” tem passado fronteiras, numa projeção que Judepina descreve como “espectacular e surpreendente”.
“Quando vejo que a minha música está a ser escutada na Holanda, na Inglaterra, na Bélgica, em Israel… Fico muito surpreendido. Não tem a ver só as comunidades caboverdianas nesses países, mas também porque o meu estilo é world music e tem muita aceitação nesses países, até na Alemanha. Várias pessoas têm entrado em contacto comigo para poderem adquirir o CD”, conta.
Longe vão os tempos em que, quando chegou a Portugal, frequentou o Orfeão de Leiria. “Estudei guitarra clássica no Orfeão de Leiria, mas senti que não era para mim. Gosto de improviso, de fusão e a guitarra clássica é uma disciplina muito grande”.
O gosto pela música começara antes, aos 15 anos, mas não ficou por aí. “Comecei a ver como tocar bossa nova e jazz. No Youtube está lá tudo. Não tem diploma, mas o resto está tudo [risos]”, conta, divertido.
De forma autodidata, cruzou esse conhecimento adquirido na internet com os vários estilos da sua preferência, do blues ao funk – “o do Seu Jorge, não da favela” -, do jazz ao afrobeat, do funaná ao batuque e à coladera, sem esquecer os sons da África profunda.
Assim, começou a passar para música e letra os sentimentos. “As minhas músicas têm a ver com o que passei quando cheguei a Portugal. A saudade e a lembrança de tudo o que vivi ou das histórias que me contaram em Cabo Verde”.
No Seminário, o tempo livre fê-lo pensar e escrever sobre assuntos da sua terra, como “o pessoal que vai trabalhar, o marido que bate na mulher, o marido que tem muitos filhos e não há comer para todos. As minhas músicas contam o dia-a-dia do povo de Cabo Verde, sobretudo do interior da ilha de Santiago, onde a vida é mais dura”, conta Judepina, que é de São Domingos, uma cidade a 10 quilómetros da capital.
Não esconde que tem saudades de casa, mas Leiria é já “como uma segunda casa”. “Dá para fazer a pé, é calmo. Faz-me lembrar a minha terra”. Já a atitude das pessoas é diferente: “Aqui as pessoas estão sempre a queixar muito e a reclamar. Se tivessem vindo de um lado onde tivessem passado dificuldades, pensavam diferente”.
Entretanto, depois do disco de estreia, Judepina já pensa no próximo. “É como quem faz uma tatuagem: faz-se uma e já se pensa no próximo. Já estou a compor novas músicas”. Até lá, vai sair entretanto uma morna, conta o músico, que está a estudar a hipótese de ir tocar “à Holanda, França e Luxemburgo. Vou ver se vou lá no verão!”.