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Cultura

É sexta-feira foge comigo: “A areia”

A travessia de Tarifa em Espanha para a Tânger marroquina correu sem sobressaltos. A entrada na cidade africana foi um pouco chata, com a passagem na alfândega a ser lenta e algo confusa.

A travessia de Tarifa em Espanha para a Tânger marroquina correu sem sobressaltos. A entrada na cidade africana foi um pouco chata, com a passagem na alfândega a ser lenta e algo confusa. Era um corrupio de polícias, a entrar e sair com papéis na mão, passaportes – faltava sempre alguma coisa. Várias pessoas a perguntar a mesma coisa, várias vezes.

Rumo ao sul, as primeiras impressões de África foram perfeitamente banais. Sem parar em Tânger, local de refúgio de alguns escritores malditos, a auto-estrada e a paisagem faziam lembrar uma via litoral mesmo ao pé de sua casa.

Foi o dia todo a rolar, com engarrafamento em Casablanca, até que à noite chegaram a El Jadida, antiga Mazagão portuguesa. O anfitrião, agora director de uma instituição sob a chancela do governo marroquino, foi receber a comitiva de viajantes na sua viatura governamental, preta e solene, marca Fiat e Uno de modelo.

No dia seguinte pararam à beira da estrada para almoçar quando o calor já era algum e comeram um Tajin – carne de carneiro com vegetais – acompanhado de muito pão e algumas moscas para enxotar.

O almoço estava a saber bem, até à parte em que um gato foi lamber o pára-choques do jipe, que estava coberto de sangue dos insectos mortos, o que causou um algum mal-estar geral.

A viagem continuou até Guelmin e já era de noite quando chegaram a Tan Tan, aí sim, já às portas do deserto. Foram a uma venda comprar pistachos e o dia acabou num hotel ao fim da avenida, um vento suão forte, a arrastar alguma areia como que a anunciar a proximidade árida. Na manhã seguinte, após meia dúzia de quilómetros, a paisagem ficou muito mais inóspita e amarelada.

À hora de almoço atingiram La’Youne, capital do Sahara Ocidental, também conhecida como Sahara Ocupado, o que explica a instabilidade da zona e onde está instalada, nos melhores hotéis da cidade, toda a comitiva dos Capacetes Azuis. Estava tudo muito calmo, semi-fantasmagórico, mas sempre com a sensação de que se alguém atravessasse a rua fora da passadeira, estaria sujeito a levar um tiro de algum sniper.



Esta semana o texto de Pedro Miguel para “É sexta-feira foge comigo” é ilustrado
com uma fotogaleria
da autoria do fotógrafo Joaquim Dâmaso

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