O director do serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria-Pombal, Bilhota Xavier, alerta os pais para o perigo da tirania dos filhos. E diz que recorrer às urgências deve ser o último recurso.
Como é que um serviço de Pediatria de uma cidade média como Leiria se torna no melhor do país?
Para além dos aspectos referentes à preocupação da manutenção permanente de cuidados de qualidade e de inovação, há um aspecto fundamental que é a formação permanente de todos os profissionais que trabalham em Pediatria, de todas as categorias profissionais. A ciência em Medicina muda todos os dias de uma forma vertiginosa e nós temos de estar organizados para que permanentemente seja assegurada a formação contínua. Há momentos formais de reflexão e de discussão para que com cada criança procuremos fazer aquilo que de melhor está recomendado em todo o mundo. O serviço de Pediatria foi considerado o melhor porque em termos de mortalidade, em termos de reinternamentos, em termos da complexidade dos diagnósticos e relação com o tempo médio de internamento estivemos acima dos outros. E como é que isto se consegue? Consegue-se com boas práticas em termos de saúde, em termos científicos, num processo de melhoria permanente. Em saúde, perdermos um minuto é corrermos o risco de ser ultrapassados em relação à evolução dos saberes.
Quais os efeitos, nas unidades de saúde, da subida da idade pediátrica para os 18 anos?
Um dos direitos da criança hospitalizada é, independentemente da sua patologia, estar em ambiente pediátrico, com profissionais com formação própria. O grande desafio é adequarmos a formação dos profissionais, porque trabalhar com adolescentes é diferente de trabalhar com crianças pequenas. O tipo de relação que se estabelece com eles, em relação à privacidade, à confidencialidade, ao consentimento, ao envolvimento nas decisões. As patologias também levantam algum problema porque neste grupo etário algumas das grandes patologias são do foro comportamental e mental.
Acidentes e intoxicações ainda são uma causa frequente de afluxo ao hospital?
Têm vindo a reduzir progressivamente. Vítimas graves de acidentes de viação, que ocorriam todos os dias, tornaram-se felizmente uma raridade, agora passam-se semanas sem termos aqui uma criança. As intoxicações também diminuíram. Os pais têm hoje uma maior consciência de que a casa é também uma grande fonte de perigo. As crianças devem ter tempo para brincar, que hoje têm cada vez menos, é um dos problemas, devem correr os seus riscos, mas devem ser riscos medidos, não podemos voltar àquilo que era há 40 anos em que as crianças estavam condenadas à sua sorte.
Houve uma grande evolução neste aspecto?
A mortalidade dos um aos quatro anos, que tem como principal causa os acidentes de todo o tipo, baixou de forma significativa a nível nacional, passou de 2004 para 2009 de 30.2 para 20.8 por 100.000 crianças deste grupo etário. Esta melhoria deve-se ao esforço de muitos. A alta segura, que implementámos já há alguns anos, e as sessões feitas no serviço de Pediatria por professores da Escola Afonso Lopes Vieira, não serão alheios a esta evolução. Também na mortalidade infantil houve uma quebra vertiginosa. Quando se questiona tanto os serviços de saúde em Portugal é bom que se saiba que em 1970 morriam por ano cerca de 12 mil bebés no primeiro ano de vida e hoje morrem cerca de 370. E nestes estão todos os bebés que nasceram com 500 ou mais gramas. Em Portugal, se houve alguma área que tenha feito progressos estrondosos foi a área da saúde. Somos o quarto ou quinto país do mundo com melhor taxa de mortalidade infantil. Para sermos o primeiro, temos que tratar e acompanhar as franjas da população que estão fora do sistema. Se quisermos baixar estes valores temos que apostar muito no acompanhamento das famílias e das crianças de risco quando elas vão para casa, em termos de visitas e apoio domiciliário.
Percorrido esse caminho, qual é a mensagem mais importante que um pediatra pode enviar aos pais na actualidade?
Os filhos devem ser desejados, devem ser acarinhados, devem ser mimados, mas não devem ser falsamente superprotegidos, Hoje, com a pressão económica, do trabalho e a excessiva competitividade a que os pais estão sujeitos, levam a que depositem as suas crianças das oito da manhã às oito da noite em creches, infantários, etc., e depois tentam compensá-las com consumo excessivo em termos de brinquedos e em termos da sua relação com as crianças, não sendo capazes de lhes dizer não. Está cada vez a haver mais aquilo que chamamos crianças “tiranas”, que são crianças que mandam nos pais, nos avós e em toda a gente e que provocam um desequilíbrio grande na estrutura familiar. As crianças acabam por ter um acompanhamento muito diminuto por parte dos pais e este muitas vezes acabam por ser obrigados a demitir-se da sua educação. Os pais devem tentar contrariar esta situação e resistir à pressão. Qualquer dia os filhos vão sair de casa para irem às suas vidas e não deram conta que eles cresceram.
O excesso de utentes na urgência pediátrica ainda é um problema?
É um grande problema, na região de Leiria e também um pouco em todo o país, embora nos últimos anos mostre alguma tendência para estabilizar e até para melhorar um pouco. Pensamos hoje que os pais talvez estejam mais conscientes da sua obrigação em termos de cidadania, evitando sobrecarregar tanto os serviços de urgência hospitalares, dos riscos que os seus filhos correm em termos de contágio por outras crianças gravemente doentes. Têm procurado outros cuidados a nível dos cuidados primários. As unidades de saúde familiar que estão a ser implementadas a nível nacional, e também na região, também não serão alheias a esta evolução, e podem contribuir para que haja uma relação de maior proximidade entre a família e o seu médico. No entanto ainda há crianças que têm febre há uma hora e vêm para a urgência: é um erro. A urgência deve ser o último recurso. O que devem fazer é procurar o seu médico de família. Se não for possível há a Saúde 24 [linha telefónica 808242424]. E terem bem presente que os serviços de urgência hospitalar são para salvar vidas.
O serviço de pediatria do hospital de Leiria presta cuidados de saúde diferenciados às cerca de 73 mil crianças e adolescentes que residem na sua área de influência. Tem capacidade para o internamento de cinco crianças na urgência pediátrica, 26 na enfermaria, 16 na unidade de cuidados especiais pediátricos e 49 no Berçário. Da equipa constam 15 pediatras, dois pedopsiquiatras, 55 enfermeiros, dois psicólogos, um neuropediatra, cinco docentes colaboradores externos do serviço, 22 assistentes operacionais e uma assistente técnica.
O distrito de Leiria já por quatro vezes teve a menor mortalidade infantil do país (primeiro ano de vida). Em 2010, e pela terceira vez, não se verificou nenhum óbito (até aos 28 dias) entre os bebés nascidos no hospital de Leiria. Bilhota Xavier salienta a importância deste registo. “Isto é fruto da qualidade dos cuidados e da complementaridade dos cuidados entre os serviços de obstetrícia e pediatria”, comenta, frisando a necessidade de “alertar os pais que vão procurar outros serviços, outras maternidades, desconhecendo a qualidade dos cuidados que são prestados no hospital em termos obstétricos”.
Entrevista de Cláudio Garcia (claudio.garcia@regiaodeleiria.pt)
Cerzaro disse:
Pois é pois é…
Até acreditava que fosse um das dezenas de maçaricos que pululam pelo Hospital Sto André a dizer isto. Agora o Dr Bilhota…
Vai uma criança de 2 anos numa 2ªF com quadro grave (dificuldade de respirar, negação alimentar, febre altíssima 40ºC) e o “puto” que nos atende manda fazer um r-x e diz não parecer nada de grave . Vai-se na 4ªF seguinte mais um r-x (QUE FAZ TÃO BEM!!!) e ah! realmente tem pneumonia!
Esta negação em prescrever antibióticos faz com que o meu filho, no 2º inverno de vida dele já tenha colecionado 2 belas penumonias (uma delas com direito a internamento e tudo!).
é o serviço que temos! Ainda se vangloriam de ser a melhor urgência pediátrica do país! Nem quero ver o resto…