E mais de 260 anos volvidos, há um capítulo que se fecha. O último forno manual na Marinha Grande foi desligado dia 28, na Crisvidro, e com ele a tradição da cristalaria de sopro no concelho, inaugurada em 1748, na Real Fábrica de Vidros. Resta em laboração semiautomática a Crisal – do grupo norte-americano Libbey – e as indústrias de embalagem BA Vidro, Santos Barosa e Gallovidro, esta de capitais espanhóis. Empregam 1.500 pessoas e geram negócios superiores a 200 milhões de euros anuais.
Na Crisvidro, com 42 trabalhadores e peças sopradas à cana, a realidade era outra. A empresa vinha faturando 80 mil euros por mês, mas só de gás natural e oxigénio para alimentar o forno pagava 50 mil.
“Já não conseguia suportar os custos energéticos”, explica Alice Vieira, que fundou a atividade com o marido, Agostinho Pereira. Desde 2011, a fatura do gás disparou. Cerca de metade correspondia atualmente a impostos, taxas e tarifas.
A situação motivou Alice Vieira a escrever ao Governo. Respondeu-lhe o secretário de Estado da Energia, prometendo averiguar. Uma semana depois, Henrique Gomes demitia-se por não conseguir reduzir as rendas da EDP e de outros operadores.
Nos últimos meses, a quebra de encomendas facilitou o desequilíbrio de contas na Crisvidro. Especialista em tulipas para iluminação, sobretudo artigos de grandes dimensões, a empresa escoava 90% da produção em Espanha, país cuja economia atravessa também um ciclo muito negativo.
Foi justamente um sócio espanhol, entretanto desvinculado, que em 2009 apoiou o investimento nas atuais instalações, que já foram da Marividros e da Vitroibérica. Ambas cessaram atividade e esse deve ser agora o destino da Crisvidro, reconhece Alice Vieira.
“Não conseguimos competir, não temos preço”, lamenta, apontando a concorrência asiática e do leste europeu. Não há dívidas ao Estado nem pagamentos atrasados, podendo a venda do edifício, equipamentos e stock servir para suprir indemnizações e outros compromissos.
Desde 1992, fecharam 20 fábricas de cristalaria na Marinha Grande. Etelvina Rosa, do Sindicato Vidreiro, aponta “os custos energéticos” como a principal causa da desagregação do sector. Na opinião do presidente da Câmara, Álvaro Pereira, o preço da energia reflete “os monopólios que mandam neste país, com prejuízo para as PME”.
(Notícia publicada na edição de 12 de outubro de 2012)
Cláudio Garcia
claudio.garcia@regiaodeleiria.pt
paulo alfaiate disse:
Triste… perdemos aos poucos todas as tradições e o nosso "saber fazer" que devia ser uma mais valia para competir no mercado global…