Na primeira entrevista depois da sua reeleição como presidente da Câmara Municipal de Leiria, Raul Castro fala dos projetos para os próximos anos e das relações com o Poder Central.
Com um orçamento de 66 milhões de euros, a Câmara tem dinheiro para fazer o quê?
Temos a necessidade, primeiro que tudo, de tentar repor as contas. Houve essa luta da parte do executivo para tentar reduzir os prazos médios de pagamentos e temo-lo conseguido. Para além disso, havia que definir prioridades e socorremo-nos daquilo que é passível de ser financiado pela União Europeia porque é mais fácil fazer uma obra onde há 80 a 85% de comparticipação do que estar a suportar 100%. Definimos metas que se enquadravam nos quadros comunitários, como seja aumentar a taxa de cobertura do saneamento básico. Com uma vantagem dupla: garantir qualidade de vida às populações e possibilitar a reabilitação da rede viária.
E quanto a outros projetos?
Por coincidência esta semana foi importante por duas situações e que têm a ver com projetos importantes. Andámos há muito tempo a tentar estabelecer um acordo com a Estradas de Portugal (EP) tendente a um jogo de permuta que passe pelo recebimento de algumas estradas que são desclassificadas e o terreno onde estão os estaleiros da EP à saída da cidade, na EN 109.
E para que servirá esse terreno?
Uma hipótese é servir para a construção do novo quartel da GNR. Esta semana recebemos o protocolo que vai ser presente à reunião de Câmara para decisão. Dois dias depois recebemos a visita de um avaliador da Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) que veio avaliar, entre outros, o edifício do Departamento de Recrutamento Militar (DRM), que gostaríamos muito de consolidar para instalar o Museu de Arte Sacra da Diocese de Leiria e Fátima, o antigo convento dos Capuchos, e uma parcela de terreno junto à Rotunda D. Dinis para a criação de mais uma bolsa de estacionamento gratuito.
Em que consiste essa permuta?
A nossa ideia é que esse conjunto de espaços seja compatível com o valor do estaleiro da EP e que este passe para o património do Estado. Não sendo esse o caso, uma fatia do topo Norte do estádio, que foi também objeto de abordagem, poderá ser destinado à instalação do Centro de Formação Profissional de Leiria.
Mas estas negociações vão ser demoradas…
Espero bem que não, apesar de noutras vezes terem surgido obstáculos que inviabilizaram a sua concretização. Neste caso, ou por uma via ou pró outra, poderá estar aqui uma excelente oportunidade.
Estamos a falar de um terço do topo Norte?
Não é tanto porque estamos a pensar na primeira fatia do lado do estacionamento.
E quanto ao restante do topo Norte?
Não é por falta de tentativas diversas que as coisas não resultaram. Aparecem ideias pontuais para um espaçozinho mas isto tem que ser analisado de uma forma global. Em tempos houve uma perspetiva de alienação do topo Norte, praticamente a maioria do espaço, porque gostaríamos que na frente virada a Sul houvesse um espaço de alto a baixo para fazer um novo centro associativo municipal com melhores condições, mas o projeto não avançou. Tentámos sensibilizar investidores nacionais e estrangeiros, temos tido frequentes visitas mas, em concreto, estamos a zero.
O que a Câmara vai fazer com o estádio?
A primeira razão por que não fazemos grandes concertos é financeira. Para fazer um concerto deste género é preciso ter à cabeça um milhão de euros. Não temos. E temos tido dificuldade em arranjar um patrocinador. Depois teria que ser um grupo internacional que viesse exclusivamente para Leiria. Já tivemos artistas que encheram o Pavilhão Atlântico e quando atuaram em Leiria tivemos milhares de espectadores mas não na dimensão esperada. Vamos ter em Leiria no âmbito da Feira de Maio os Silence 4 e os Xutos & Pontapés. Gostaríamos de encher o estádio mas não é fácil. Temos o futebol e o atletismo e algumas atividades que se vão desenvolvendo… há pouco tempo tivemos o jogo da seleção com os Camarões, vamos ter o final da Taça da Liga, enfim estamos sempre no mercado.
Parque industrial de Monte Redondo “ foi mal gerido”
Defendia a criação de zonas industriais em várias freguesias. Mas nem a de Monte Redondo avançou. O projeto ficou na gaveta?
Há aqui duas situações distintas: uma é defender polos para a indústria em várias freguesias. O novo PDM contempla essa possibilidade. Já Monte Redondo foi um processo que nunca deveria ter acontecido da forma que aconteceu. É preciso saber quem são os proprietários, avaliar os terrenos para haver um valor comum, chamar os proprietários, informá-los do que queremos e das hipóteses que têm: vender pelo valor X à sociedade a constituir, ser sócio no valor do terreno ocupado, ou avançar para a expropriação. Perdeu-se uma grande oportunidade. O projeto tem cerca de 12 ano. Foi mal gerido.
Como vai ser a época balnear na praia do Pedrógão?
Temos um problema grave e esperamos que em maio as obras de defesa da praia avancem. É evidente que o problema é muito mais amplo mas o que é necessário fazer depende muito daquilo que um grupo de trabalho nomeado pelo Ministério do Ambiente e liderado por Filipe Santos possa vir a produzir. Fala-se muito num esporão submarino mas tem custos e só com fundos comunitários poderia ser feito. No imediato, vai avançar a obra de defesa junto à rotunda Norte e junto ao Centro Azul. Vamos ter, se calhar, algumas complicações na próxima época balnear mas temos que as fazer neste bom tempo e não podemos deixar diluir no tempo.
Alguns concursos têm corrido mal para a Câmara, como o do lixo e dos quartéis da GNR de Monte Real e de Monte Redondo, entre outros. A Câmara esqueceu-se de cumprir algumas regras ou existe alguma força de bloqueio?
Vamos situar isto em dois tempos. Um deles tem a ver com a requalificação dos quartéis que tinham financiamento garantido até determinada altura. O problema foi levantado por membros do executivo que entenderam que a classificação dos concorrentes não estaria correta. Tivemos o cuidado de pedir à Direção-Geral das Infraestruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna um técnico experiente para analisar o dossiê para saber se haveria razão ou não para isso. A resposta é que estava de acordo com a legislação e podia avançar. Formou-se uma maioria contra a aprovação daquelas adjudicações e passou o prazo que tínhamos. Perdemos a hipótese de reabilitar os quartéis e com isso perdeu o concelho. Eu penso que houve aqui alguma leviandade da parte de quem tomou essas atitudes.
Acusa a oposição?
Os bastidores às vezes são complicados. A verdade é que nós queremos que em tudo haja essa transparência. É um direito que nos é exigido por todos e temos que assumir esse papel.
O concurso dos lixos também não correu bem.
Seguiu os seus trâmites. Houve da parte do júri uma primeira classificação. Houve reclamações, alterou para outra classificação, que suscitou novas reclamações e o prazo começou a resvalar. Às páginas tantas corríamos o risco de terminar o prazo do acordo que estava em vigor e de termos um problema grave de saúde pública, o que aliás seria aproveitado politicamente até porque já alguém da oposição batia palmas perante essa possibilidade. Entretanto o processo evoluiu na sua análise. Houve juristas que se pronunciaram no sentido de que o concurso estava em vigor por mais cinco anos. Cá estaremos à espera das decisões, seja do Tribunal de Contas seja do Ministério Público, quanto a esta matéria.
No que toca ao Convento de Santo Agostinho, tem esperança que fique concluído em breve?
Esperamos que no final do ano desta vez fique concluído. Depois da empresa que fez uma parte da obra e com as contas em dia nos ter comunicado da sua incapacidade financeira de dar seguimento, não tivemos outra alternativa senão fazer um acordo de rescisão e abrir um novo concurso. Só que aqui perdeu-se um ano. O processo está ultrapassado. Já se fez um segundo procedimento, a obra foi adjudicada e está em curso.
“Temos que saber vender as acessibilidades que Leiria tem”
O final do seu primeiro mandato ficou marcado pela ponte pedonal sob o rio Lis. Que obra gostava agora de deixar?
O conjunto de obras que temos vindo a trabalhar passa necessariamente por reabilitar o edifício do DRM para instalar o museu de arte sacra. Se avançar também a reabilitação da igreja da Misericórdia para espaço interculturas para integrar na rota judaica, penso que valerá a pena fazer uma promoção nacional e internacional do núcleo museológico de Leiria. Gostaria também que a variante dos Capuchos e a requalificação das avenidas Heróis de Angola e da Humberto Delgado pudessem ser uma realidade. Mas acima de tudo que Leiria pudesse consolidar toda a sua dinâmica e que isto tivesse correspondência na vertente económica, nomeadamente pelo investimento. E não é por falta de tentativas da nossa parte que o problema se põe. É efetivamente porque há uma grande concorrência em todo o país para captar investimento, nomeadamente estrangeiro.
O que tem feito para captar mais investimento e empresas para o concelho?
Temos feito esse trabalho junto das câmaras de comércio e vamos através da Nerlei tentar sensibilizar investidores estrangeiros. Há um aspeto imbatível em Leiria que é a sua localização e as suas acessibilidades. E temos que saber vender as acessibilidades que Leiria tem.
O PDM vai entrar em discussão pública. Não teme que esteja desatualizado?
Não, por uma razão simples: as alterações exigidas nos últimos dois/três anos obrigaram-nos a tomar medidas que podiam ser penalizadoras. Apostámos em criar condições para legalizar a maior parte das empresas do concelho. Com o novo PDM isso vai acontecer. Aproveitámos para atualizar os dados, sem prejuízo de haver algumas falhas – não é possível que isso não venha a acontecer -, mas penso que esta revisão de PDM vai ao encontro daquilo que são os interesses das populações.
O que gostava de fazer para requalificar definitivamente o centro histórico?
Gostava que os proprietários pudessem recuperar os seus imóveis, que se unissem e criassem intervenções de quarteirão. Há grupos a trabalhar nesse sentido. Nós criámos um conjunto de benefícios para tentar sensibilizar os proprietários e temos alguma dificuldade em ir mais longe. Isentámos o pagamento do IMI e as licenças de construção, e reduzimos o IVA. O nosso papel está parcialmente feito. O que nos falta fazer é continuar a apostar no espaço público, melhorando a iluminação e algumas ruas.
Como reage às críticas de quem diz que a programação cultural da Câmara é apenas apoiar eventos organizados por outros?
Não têm sentido. O que nós queremos é que os agentes culturais do concelho andem para a frente com o apoio da autarquia porque a Câmara não pode ser a única produtora de eventos. Há que respeitar por um lado o princípio de colaboração com os agentes culturais e criar parcerias, porque sozinhos não vão a lado nenhum e a Câmara sozinha também dificilmente iria. Hoje temos um concelho cheio de vida, com centenas de eventos, fruto dessa dinâmica.
Os leirienses reclamam há muito um parque verde e mais jardins. O que tem feito a Câmara nessa área?
Um é passível de ser feito que é o da Almoinha Grande…
Já se fala nisso há tantos anos…
Houve gente que teve muito mais tempo do que eu para o fazer e não conseguiu. Penso que a zona da Almoinha Grande vai ter uma intervenção. Gostaria de fazer um parque de outra natureza noutro espaço da cidade mas é de um privado.
Está a referir-se ao campo de milho perto do parque radical?
Estou. Daria ali um parque extraordinário para a cidade…
Está a ser negociado?
Não porque imagino o valor que aquilo não terá. A morfologia da própria cidade que tem colinas acaba por ser obstáculo a que se desenvolva em determinados sentidos.
O eventual encerramento de serviços públicos à volta de Leiria é positivo ou negativo para o concelho?
Tem as duas componentes. Em relação a algumas áreas, aumenta a procura em Leiria mas tem a componente negativa de contribuir para a desertificação do interior. É sempre um fator penalizante para a população.
Está preocupado com a eventual perda de valências do hospital de Leiria?
Estamos preocupados e contamos que isso não venha a acontecer. Já assumimos que se for confirmada a fatalidade de nos retirarem alguns serviços, a população do concelho será chamada a tomar uma posição que espero que seja firme e demonstrativa da penalização que todos vamos suportar.
Privatização dos SMAS: “Não digo que é inevitável”
Leiria tem muitos projetos à espera de luz verde do Governo. Há um boicote sistemático do Poder Central em relação a Leiria ou há inoperância da Câmara?
Parece que Leiria incomoda muita gente. A pretexto de uma grande ambição que é a possibilidade de Monte Real ser utilizada pela aviação civil, patente num relatório recente, o Governo já nos tinha dito para não contarmos com isso no orçamento de Estado. Ou há um grupo que se manifeste nesse sentido e se candidate a apoio comunitário ou então nada feito. Este tem sido um trabalho de bastidores, desenvolvido com influência de muitas pessoas. Mas de um momento para o outro verificámos que temos grandes inimigos a esta solução.
Quem são estes inimigos?
Eu posso citar aqui um porque nos foi dada essa informação pela forma como participava nas reuniões da comissão [nomeada para o efeito pelo Governo], que é o atual presidente da Câmara de Aveiro que acha que o projeto de Monte Real é uma anedota. Eu acho que isso é um insulto para as gentes de Leiria e não só. A verdade é que estamos situados entre Lisboa e Coimbra e há aqui tentativas de hegemonização do Centro/Norte…
Acredita que Monte Real vai ser uma realidade?
Acredito. Este é um dossiê sobre o qual temos mantido alguma reserva mas penso que as cartas que estão agora em cima da mesa são muito mais transparentes. Esse trabalho de bastidores, positivo até, de sensibilizar potenciais companhias para aqui operar, está a ser feito. Isto tudo para dizer que se não estivermos bem atentos, corremos o risco de sermos marginalizados.
Vai privatizar os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento?
Temos quatro soluções e estamos a finalizar este estudo para o executivo decidir: manter os SMAS como estão, transformar os SMAS numa empresa, concessionar o serviço ou criar uma parceria público-privada. Esta última hipótese não pelos maus exemplos que temos. Transformar os SMAS em empresa não fará muito sentido. Resultado: mantemos tudo como está, embora com umas alterações internas, ou avançamos para a concessão. O Governo através da Águas de Portugal está muito interessado em gerir redes em baixa dos municípios. Está programada para 14 de maio uma reunião para analisarmos a proposta que querem fazer.
A privatização é inevitável?
Não digo que é inevitável, digo é que temos um peso enorme sobre o que é público, chamado burocracia. O peso da burocracia é que impede que os resultados sejam diferentes.
Se tivesse recursos, qual seria a sua grande prioridade?
Faz falta um centro multiusos. Teria quatro valências essenciais: atividades económicas, concertos, congressos, atividades desportivas e grandes competições – temos perdido muitas. Estamos a iniciar o seu desenvolvimento, a definir o programa de conteúdo e criar condições para contactos com gabinetes de arquitetura.
O que vai fazer com o atual mercado municipal?
Já não serve para coisa alguma e estamos a pensar fazer um mercado mais pequeno no parque de estacionamento entre o rio e o mercado.
O edifício será demolido?
Não está definido. Há uma ideia importante para Leiria emergir: é o projeto do Museu Nacional de História de Portugal com figuras de cera e multimédia. Faria todo o sentido e penso que haveria condições para ser de alta rentabilidade.
Terceiro mandato? “Diria que, neste momento, não”
É mais fácil gerir a Câmara com maioria absoluta?
É sempre mais fácil. O que temos vindo a fazer é tentar demonstrar o que está em causa, os caminhos que trilhamos e porquê. Com maioria absoluta, mantemos a mesma postura, continuamos a explicar as coisas e não é por isso que tomamos decisões diferentes.
Como define a oposição PSD no executivo?
A oposição ainda está numa fase de aprendizagem. Penso que está interessada no desenvolvimento do concelho e de outra forma não se poderia entender. Muitas vezes tem que dizer algo em contrário até para justificar o seu papel ali.
E a oposição na Assembleia Municipal (AM)?
Há de tudo. Há pessoas bem formadas, que percebem as dificuldades e que sabem que nós não temos responsabilidades nesta situação financeira e porque é que não vamos mais longe. E depois há aqueles elementos que gostam muito de dar nas vistas, gostam de ir ao microfone. Estão no seu direito legítimo mas, geralmente, em termos de substância…
O orçamento participativo passou na AM. Tinha essa expectativa ou nem por isso?
Se perguntar a qualquer cidadão na rua se alguma vez foi ao site da Câmara consultar o orçamento da autarquia, estou convencido que 99% diz que não. Há um desinteresse pela gestão que diz respeito aos contribuintes e esse desinteresse também é penalizador para nós. Gostava muito de receber sugestões.
Mas a Câmara está motivada neste processo?
Estamos, não temos problemas nenhuns. Agora tenho dúvidas sobre o resultado. Tive o cuidado até de explicar que a maioria das câmaras que já tiveram este exemplo acabaram com ele ao fim de um ano.
Sim ou não a um terceiro mandato?
Diria que, neste momento, não. Mas vamos deixar evoluir o processo, e, na altura certa, tomar a decisão que for mais importante para nós.
Francisco Rebelo dos Santos
francisco.santos@regiaodeleiria.pt
Martine Rainho
martine.rainho@regiaodeleiria.pt
Fotografia de Joaquim Dâmaso
Marco disse:
Das câmaras mais corruptas do país, mas por outro lado … qual não é …