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Saúde

Medicamentos: intoxicações preocupantes entre crianças e adolescentes

Na adolescência, a ingestão voluntária de medicamentos afeta mais as raparigas. As intoxicações acidentais são mais frequentes no sexo masculino na faixa etária de 1 a 4 anos

Adolescentes do sexo feminino, com cerca de 16 anos, antecedentes pessoais de psicopatologia e uma família disfuncional. É este o perfil da maioria dos 81 jovens que deram entrada na Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar de Leiria (CHL) por ingestão voluntária de medicamentos, entre janeiro de 2009 e 30 de setembro de 2014.
saude medicamentosHá contudo registo de intoxicações em que os adolescentes tinham apenas 12 anos de idade, e de 12 reincidentes.

Entre os 96 casos contabilizados naquele período, Nina Abreu, interna de Pediatria do CHL, revela que 78% dos jovens “verbalizaram que o fizeram porque queriam morrer”.

Na maioria dos casos, o número médio de comprimidos ingeridos foi de 10, embora tenham sido registados dois casos de ingestão voluntária de 104 e 70 comprimidos, respetivamente.

Os ansiolíticos, sedativos e hipnóticos estão entre os fármacos mais usados (em 39% dos casos), seguindo-se os analgésicos e anti-inflamatórios (19%) e os antidepressivos (16%), referiu Nina Abreu, aquando da apresentação do estudo, nas Jornadas de Pediatria de Leiria e de Caldas da Rainha, que decorreram na passada semana no Hospital de Santo André.

Em 41% das intoxicações, verificou-se a toma de mais de um tipo de fármacos. De realçar ainda que em metade dos casos, a medicação era do próprio adolescente, e em 42% de familiares.

A quase totalidade das ocorrências aconteceu em casa, quando estavam sozinhos, tendo o alerta sido dado, em 58% dos casos, pelos próprios. A alteração do estado de consciência foi um dos efeitos verificados à entrada do serviço em 10% dos adolescentes, tendo “dois deles necessitado de ser entubados e ventilados”. Além do internamento de 22% dos jovens, foram registadas “13 transferências inter-hospitalares por ausência de especialidade no hospital de origem, dois delas para uma unidade de Cuidados Intensivos”.

O estudo, realizado em coautoria com Inês Dias, Patrícia Rocha e Margarida Pereira, permite ainda concluir que metade dos jovens estava a ser seguida em consulta de pedopsiquiatria e/ou adolescentes, o que denota a necessidade de “definir estratégias preventivas mais eficazes”.

Além de constituir a forma de tentativa de suicídio mais utilizada entre os adolescentes, a ingestão de medicamentos é também a mais frequente entre as intoxicações acidentais em idade pediátrica, afetando maioritariamente crianças entre 1 e 4 anos de idade.

O ano passado, em Leiria, a ingestão de uma pomada contendo cinchocaína foi fatal para uma criança de dois anos. “Existe a noção de que os cremes não são medicamentos”, afirmou com preocupação Bilhota Xavier, diretor de Pediatria doa CHL, no decorrer do debate sobre o tema.

 

Estatística

Intoxicações acidentais
Segundo dados do Centro de Informação Antivenenos (CIAV) do INEM, dos cerca de 8.200 casos de intoxicação com crianças, até aos 15 anos de idade, em 2011, cerca de 4.800 aconteceram com medicamentos, seguindo-se os detergentes (1.400), os cosméticos (500) e os pesticidas (300).

Paracetamol no topo
O paracetamol surgiu, em 2011, no topo da lista dos medicamentos que as crianças mais ingeriram (487 casos), seguindo-se os anti-inflamatórios (442), anti-histamínicos (438), ansiolíticos (413), antibióticos (270), antipsicóticos (174) antidepressivos (163) e contracetivos (162).

Cuidado com os detergentes
A lixívia foi por sua vez responsável por 349 intoxicações, seguindo-se os detergentes manuais (347), hidrocarbonetos – incluindo combustíveis – (125), corrosivos (115), detergentes para máquinas (114), álcoois, glicóis e cetonas (109) e ambientadores (92).

Causas diversas
Segundo Lia Gata, médica do serviço de Urgência do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, é durante o verão e ao final do dia, quando as crianças estão mais tempo em casa, que o risco é maior. A curiosidade, a aquisição de mais mobilidade e maior facilidade de manuseamento, embalagens atrativas, ausência da noção de perigo, acondicionamento em embalagens de uso comum, e redução de supervisão por parte dos adultos são fatores que contribuem para o número elevado de intoxicações.

Perigo versus dosagem
A toxicidade dos medicamentos varia e aumenta habitualmente com a dosagem. Mas há fármacos que “podem ser armas mortíferas” mesmo em pequenas doses, quando ingeridas indevidamente por crianças, alerta Lia Gata.

Martine Rainho

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