Às Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha falta desde sempre uma cobertura. Consequentemente, a inclemência da meteorologia tem impacto naquela zona do monumento, cuja construção arrancou há quase seis séculos. Para Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro, embora a instalação de uma cobertura não seja urgente, faz sentido iniciar a discussão sobre o tema. A título preventivo.
Há muitos séculos que é assim: por ali, a Via Láctea é, não raras vezes, a abóbada das Capelas. Ironicamente, ter a perfeição do universo no telhado, adjetivou-as de Imperfeitas. Mas nem sempre a Via Láctea ou o Sol, presenteiam a cúpula das Capelas. Imperfeitas porque inacabadas, inacabadas porque sem cobertura, nas Capelas a imprevisibilidade meteorológica é companheira dos dias.
O frio, a chuva, o calor, o granizo, todos entram sem pedir licença, precisamente pelo local onde, em dias de sorte, a nossa galáxia ou o Sol, sorriem. Em cima da mesa não está retomar o objetivo de concluir as Capelas. “Nem se coloca a possibilidade de cobrir as Capelas, imaginando como poderiam ter sido, caso fossem concluídas”, refere Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro. Esse exercício, considera, “contrariaria tudo o que entendemos serem as boas práticas de conservação e requalificação patrimonial, consignadas desde os anos 60 pela UNESCO, por exemplo”.
Mas esta exposição aos elementos não acarreta riscos para aquela parte do monumento? “Naturalmente, estando expostas, o grau de erosão é potenciado”, confirma Joaquim Ruivo. Será uma cobertura a solução? “É uma reflexão legítima”, considera. “Julgo que é uma hipótese que não se deve excluir e que, a meu ver, tem sentido ir sendo interiorizada e discutida”, refere.
“Falamos, naturalmente, de uma cobertura protetiva”, explicita Joaquim Ruivo, “nunca de uma intervenção que pretenda (re)fazer aquilo que pensamos possa ter sido idealizado para a cúpula das Capelas, mas da qual não temos projetos, nem documentação. Só conjeturas”. Na prática, a questão não é urgente, mas o debate é pertinente, procurando precaver o futuro.
Para Joaquim Ruivo, não faz sentido “pensar na salvaguarda do património, tendo como horizonte temporal só 20 ou 30 anos. É nossa obrigação pensar a defesa e proteção do património tendo como horizontes temporais, 100 ou 200 anos”. Ou seja, a eventual instalação de uma cobertura não é uma necessidade imediata: “no contexto das prioridades da salvaguarda, conservação e requalificação que o Monumento exige, esta ainda não será uma intervenção urgente, porque ainda não suscita grande preocupação. Mais prioritária será a sua limpeza e tratamento”, refere Joaquim Ruivo.
Professor na Universidade de Coimbra e estudioso do Mosteiro, o historiador Saul António Gomes defende que qualquer decisão de dotar as Capelas “com cobertura deverá respeitar os princípios de preservação e valorização do monumento em causa”. É que as Capelas “são um marco maior na história da engenharia e da arquitetura portuguesas”, sublinha.
Saul António Gomes admite que a hipótese da cobertura seria “uma parte da solução”. Uma solução que já foi tentada anteriormente, “nomeadamente no tempo dos arquitetos Mateus Fernandes e pelos seus sucessores, especialmente João de Castilho e Miguel de Arruda, e ainda, posteriormente, com os restauros profundos do século XIX”. A colocar-se este cenário, “é ou será uma (grande) questão patrimonial, cultural e até cívica, para a qual a engenharia portuguesa dispõe de capacidade e de ‘engenho’ próprios, como se tem demonstrado com outros monumentos intervencionados no nosso tempo”, adianta o historiador.
Inconvenientes diários
No quotidiano, há alguns inconvenientes evidentes na situação atual: para além da lenta exposição à ação do clima, a visita às Capelas está sujeita aos caprichos do estado do tempo. Uma cobertura “para além dos benefícios de proteção, possibilitaria uma visita mais cómoda”, defende Joaquim Ruivo. A título de exemplo, quando chove, “o lajedo fica tão escorregadio que impede uma visita completa às Capelas”, explica o diretor do monumento. Por outro lado, a cobertura permitiria também a realização de eventos culturais em qualquer altura do ano, sem constrangimentos de condições atmosféricas adversas, lembra ainda.
“O município da Batalha tem todo o interesse que esse projeto se possa desenvolver”, afirma Paulo Batista dos Santos, presidente da Câmara da Batalha. “Sou dos que acreditam que era importante criar uma estrutura que protegesse a exposição das Capelas Imperfeitas ao clima”, afirma o autarca. Afinal, “há muitos detalhes” naquela parte do monumento “que começam a ser colocados em causa”. E recorda exemplos noutros monumentos que evidenciam a possibilidade de uma intervenção: “no Louvre verifiquei a existência de soluções translúcidas que são compagináveis com o monumento”. “Seria tempo de a nossa engenharia e arquitetos ponderarem uma solução”, acrescenta.
Para Pedro Redol, técnico superior do Mosteiro e autor de diversos estudos sobre as Capelas Imperfeitas, “além de respeitar todas as exigências da conservação”, uma eventual cobertura das Capelas “deveria ter em conta o que hoje se conhece, indiretamente, do projeto para acabamento das mesmas e naturalmente possuir qualidade arquitetónica e material própria”. E aponta algumas pistas para o espírito dessa intervenção que, entende, deve seguir a linha do defendido por um dos principais nomes do restauro moderno, Cesare Brandi: a “interpretação e reinterpretação não alusiva da preexistência, isto é, integra os valores estéticos da obra conservada num novo ato criativo que, como tal, não imita a mesma”.
Pedro Redol lembra, contudo, que as Capelas Imperfeitas “possuem integridade suficiente (contrariamente ao que habitualmente designamos por ruínas) para se conservarem satisfatoriamente a céu aberto”. Na verdade, “a conservação das Capelas Imperfeitas deve ser encarada na mesma base da das fachadas exteriores, especialmente porque se encontram em condições idênticas desde o começo da sua construção, em 1437, isto é, há 580 anos”. Ainda assim, “na sua morfologia, as fachadas interiores do edifício apresentam um relevo e volume que as distingue das exteriores”. Uma circunstância que explica “a exuberante colonização biológica que tem impacte não apenas na conservação da obra mas também na sua fruição”. É por essa razão que todas as décadas, devem ser realizadas operações de “limpeza e revisão das juntas de cantaria”.
Carlos S. Almeida
Artigo publicado na edição de 10 de agosto do semanário REGIÃO DE LEIRIA
Fernando Silveira disse:
A meu ver, uma solução com intuito protector seja em acrílico, vidro, do tipo telheiro em chapa ondulada ou similar ao estilo “azeiteiro” não serve nem os que acham poéticamente que as capelas assim é que são belas, tal como estão, inacabadas, só porque se olha para o céu, aliás o mesmo conceito do Convento do Carmo. Nem os que como eu, acham, eu sei que devemos ser muito poucos, que a obra deveria ser terminada e, desculpem-me a expressão, “ontem já seria tarde” . O Mosteiro é espectacular, mas sabe a pouco. Falta ao conjunto, verticalidade, falta-lhe algo que se destaque como é usual em monumentos góticos, normalmente uma torre ou torres que no caso da batalha, dada a sua dimensão deveriam alcançar qualquer coisa entre os 90 a 100 mt de altura. Quando se analisam as dimensões do espaço inacabado e o arranque para aquilo que viria a ser a cúpula percebe-se que esta estrutura se sobreporia em altura à igreja, nunca chegando aos 100 nem sequer aos 90 mt obviamente, mas, pela sua volumetria e imponência constituiria o tal elemento diferenciador.
Qualquer solução provisória ou protectora, teria, a meu ver, de envolver completamente as capelas, arrancando a considerável distância destas e terminando também a considerável altura das mesmas muito provavelmente em aço e vidro à semelhança das pirâmides do Louvre, mas que, claramente, ocultaria o espaço assumindo esta todo o protagonismo e revelando apenas no seu interior, ao jeito de surpresa, aquilo que se pretende proteger. Uma solução apoiada na estrutura, a menos que tenha intenção de a terminar no mesmo estilo arquitectónico ou em algo que o complemente e em pedra, nunca deveria ser equacionada.
Tercius disse:
A erosão das estruturas não se deve apenas à exposição aos elementos mas à quantidade enorme de pombos que se alojam no interior e cujos excrementos corroem rápidamente a cantaria mesmo no locais aparentemente mais protegidos. Não seria de bom senso colocar pelo menos uma rede de nylon para impedir e entrada de pássaros ? E quanto à cúpula, não seria de bom senso aplicar uma cúpula de acrílico ou de vidro com uma armação removível leve sobre o espaço? Musgo há bastante e nos arranques da cúpula nascem plantas de dimensão considerável e plantas no interior de paredes são meio caminho para a sua destruição