Pedro Sigalho reconhece falta de recursos nos serviços da saúde Foto de arquivo: RG
Faltam recursos em quase todas as áreas. Diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral (ACES PL) garante, em entrevista por escrito, que o levantamento está feito e tudo depende da vontade do Ministério da Saúde em suprir as lacunas.
Quais são as situações mais complexas no que toca ao funcionamento das unidades de saúde do ACES PL?
A carência de meios humanos, em particular médicos e administrativos e é transversal a quase todas as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) do ACES. As Unidades de Saúde Familiar (USF) estão estáveis no quadro de pessoal. Ao nível de psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, medicina dentária e serviço social, as carências são grandes.
Que medidas tomou o ACES PL para tentar resolver o problema da falta de profissionais em várias unidades de saúde?
O ACES faz a identificação das situações porque não tem autonomia para contratualizar. A identificação está feita e comunicada superiormente. A Administração Regional de Saúde do Centro tem estado em conversações com a tutela.
Como tem gerido as falhas existentes?
À custa dos profissionais existentes, mas com gravíssimas limitações.
Qual é a origem do problema?
Jovens médicos que são recrutados para o estrangeiro a receberem entre três a seis vezes mais do que aqui ganham. Atualmente, e contrariamente ao que está a ser (des)informado, ainda há falta de médicos especialistas em Medicina Geral Familiar (MGF) e a esmagadora maioria são colegas do norte que regressam rapidamente aos locais de origem.
Não são formados médicos em número suficiente?
Um médico especialista em MGF, um médico de família, demora onze anos a concluir a especialidade: são seis anos de curso, a que se soma um ano de internato geral e quatro de especialidade. Nesta data, estão nos últimos anos de formação várias centenas de médicos pelo que se calcula que em breve poderemos ter médicos excedentários. Até lá, estamos carenciados.
Os médicos não se interessam por esta especialidade?
Já respondi, embora muitos prefiram as especialidades hospitalares.
Não são abertas vagas em número suficiente?
As vagas são abertas, não são muitas vezes preenchidas.
Os médicos não concorrem às vagas da região? Neste caso porquê?
As notas de curso são consideravelmente mais altas no norte pelo que são sempre os primeiros a escolher nos concursos. Logo que podem, regressam às origens. As nossas vagas são maioritariamente preenchidas por colegas que não são de cá e que rapidamente se vão embora. Podem e vão!
Faltam incentivos?
Diria que sim. Os colegas mais novos são “formatados” em USF, um modelo mais sofisticado de organização dos centros de saúde e que implica regras particulares e concentradas. Os nossos centros de saúde são rurais e dispersos, o que inviabiliza a formação de USF em alguns casos. Só temos sete e funcionam bem com o quadro completo. Os restantes 54 polos deste ACES, muito dispersos, com pouca população em muitos deles, não possibilitam esse tipo de organização que se verifica essencialmente nas cidades.
A legislação tem de mudar? Em que ponto?
É uma questão para ser apresentada aos políticos. Mas sim, nomeadamente as regras dos concursos e a obrigatoriedade de fixação de profissionais por tempo determinado, por exemplo. Limita-se a ser uma opinião pessoal.
Qual a perspetiva temporal para a resolução dos problemas identificados?
A articulação entre o ACES e a ARS é excelente e estão em curso várias diligências para resolver a situação. Mas dependem essencialmente da tutela. Somos muito pequeninos.
Que medidas de fundo será necessário tomar para resolver o problema das falhas na prestação de cuidados de saúde primários?
Estamos a tentar “reconstruir” algumas unidades, mas deparam-se muitos obstáculos de ordem política, autárquica e social. Ainda existe a ideia de que cada lugar tem de ter um centro de saúde. A política de proximidade mudou radicalmente, o SNS já não funciona como na década de 70, e tem de ser mudada a mentalidade das populações, dos autarcas, das comissões de utentes e se calhar dos próprios profissionais. Até lá …
Pedro Manuel Gonçalves Sigalho nasceu em Lisboa a 16 de maio de 1956. Licenciou-se em Medicina em 1981 pela Universidade Clássica de Lisboa. Em finais de março do ano passado foi designado diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral. Sócio fundador do Hospital de S. Francisco, desempenhou diversos cargos diretivos na área da saúde em várias unidades da região. Foi ainda dirigente desportivo, chegando a presidir ao Clube de Basquetebol de Leiria e também desempenhou funções de docência na área da saúde. Atualmente é diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral (ACES PL).
Considera que o nível de qualidade e a abrangência dos cuidados de saúde primários neste agrupamento tem melhorado nos últimos anos?
Sim e não. Se por um lado houve um acentuado desenvolvimento na prestação de cuidados primários à população, a recente “crise” condicionou em muito essa prestação agravada agora pelo esvaziamento real de profissionais, pois foi uma geração inteira que entrou no SNS nos seus primórdios e que está em bloco a atingir a idade da reforma. E necessita de renovação.
O sistema de cuidados primários existente está capaz de dar resposta aos desafios que se colocam com o envelhecimento da população que se prevê continue a prazo?
Hoje não. Mas se as alterações que foram atrás faladas puderem ocorrer, vejo com otimismo o futuro dos cuidados de saúde. Relembro que já estivemos nos lugares cimeiros no ranking dos países com melhor sistema de saúde do mundo reconhecido pela própria Organização Mundial de Saúde. Será uma pena perdermos esse privilégio.
Qual é o ponto de situação no que se refere à criação de novas USF na área do ACES Pinhal Litoral?
São vários os projetos e estudos em curso, mas já referi alguns dos condicionalismos existentes. Já imaginou fechar polos e extensões? Para a formação de USF será certamente necessário encerrar alguns ou bastantes. Como vai reagir a população? Os autarcas? As comissões de utentes? Os políticos “da outra cor”? Alguns profissionais? É preciso dizer mais?
CSA/MR