Alexandra Bento diz que foi “um milagre nos Milagres”. Firmino Coutinho prefere falar na experiência e empenho de toda a equipa médico veterinária que trabalhou no caso do Caco, com uma pitada de sorte.
A história deste Podengo Português, adotado por Alexandra Bento ainda cachorro, começa poucos dias depois do Natal passado. O cão, de porte médio e muito enérgico, ficou com dores agudas e o abdómen inchado. Com algum peso extra e habituado a comer “objetos estranhos”, o animal foi assistido na Clínica Veterinária dos Milagres, em Leiria, e a equipa, em acordo com os donos, decidiu abrir o animal, para poder detetar a origem da patologia.
“Os cenários eram vários mas o que percebemos assim que abrimos a cavidade abdominal, foi que encontramos um cenário absolutamente catastrófico”, explica Firmino Coutinho, médico veterinário que coordenou a cirurgia.
O cão tinha o pâncreas aderido à parede do abdómen, uma perfuração intestinal do duodeno e morte celular de parte do intestino anexo ao pâncreas, além do líquido proveniente dessa perfuração espalhado no interior do corpo.
Perante a situação, Firmino Coutinho, e a restante equipa, passou mais de cinco horas e meia na sala de operações, para conseguir remover uma grande porção do duodeno, a maioria do pâncreas e limpar todo o interior da cavidade abdominal do animal. Ou seja, realizou uma pancreatoduodenectomia.
“Um cirurgião deve estar sempre preparado para o imprevisto e foi o que aconteceu ali. A necessidade é que nos moveu. Confiámos que estávamos a fazer o melhor com as alternativas que tínhamos”, refere
A cirurgia “rara e tecnicamente complexa” em animais tem uma taxa de insucesso elevada. Quando detetada, deve ser planeada atempadamente. No entanto, naquele dia, Firmino Coutinho não teve esse tempo. “Um cirurgião deve estar sempre preparado para o imprevisto e foi o que aconteceu ali. A necessidade é que nos moveu. Confiámos que estávamos a fazer o melhor com as alternativas que tínhamos”, refere. A outra opção seria a eutanásia do animal.
“Não somos de desistir. Avançámos cautelosamente com todos os procedimentos que nos pareceram os mais corretos”, explica o médico veterinário ao nosso jornal. A conversa com o REGIÃO DE LEIRIA aconteceu mais de um mês depois da intervenção cirúrgica. “O prognóstico, pós cirurgia era muito reservado, precisávamos de saber como iria reagir o Caco antes de tornar o caso público”, diz, para justificar o timing.
Submetido a doses elevadas de medicação, o animal só acordou a 1 de janeiro de 2018 e, entende a dona, “disposto a viver uma nova vida”. Nos primeiros dias, recebeu pequenas visitas e foi acompanhado por elementos da clínica 24 horas, depois voltou a casa por pequenos períodos, regressando sempre à clínica para ser vigiado, e só no final de janeiro foi, em definitivo, para casa.
Apesar de apresentar uma situação clínica estável, o Caco terá que ter um acompanhamento médico regular. “A disfunção pancreática é a principal consequência de uma intervenção deste género, podendo originar a diabetes ou insuficiência pancreática exócrina”, justifica o clínico.
Esta foi a primeira vez que Firmino Coutinho realizou uma pancreatoduodenectomia, apesar de contar com imensas intervenções gastrointestinais no currículo. “Voltaria a fazê-lo por necessidade, e com prognóstico reservado. Vou-me assustar de igual forma da próxima vez que a tiver que fazer, de certeza. O Caco foi muito forte e manifestou sempre vontade. Até já recuperou bastante do peso, fator que não deve ser descurado”, relata.
A cirurgia “rara e tecnicamente complexa” em animais tem uma taxa de insucesso elevada. Quando detetada, deve ser planeada atempadamente. No entanto, naquele dia, Firmino Coutinho não teve esse tempo. A outra opção seria a eutanásia do animal.
“O Caco foi estoico e lutador”, descreve Alexandra Bento ao REGIÃO DE LEIRIA. “O amor e determinação de um veterinário pela sua profissão, o amor de um cão pelos donos e pela vida e a história com um desfecho ainda reservado provam que a esperança e o amor são coisas por que valem a pena lutar”, defende.
Dada a dimensão da intervenção realizada, e a sua taxa de sucesso, a equipa documentou todo o processo cirúrgico e pondera em breve partilhar a informação com a comunidade científica.
Independentemente da sua evolução, a verdade é que se Caco já não gostava de ir ao veterinário, nem os cuidados contínuos que beneficiou nas últimas semanas, o fizeram mudar de opinião. “Não ficou convencido”, brinca Firmino Coutinho.
(Artigo publicado na edição de 15 de fevereiro de 2018)
Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt