É doutorado em Física Computacional, foi investigador e trabalhou na consultora McKinsey & Company, recebeu o prémio científico da IBM em 2010 e está agora como diretor-adjunto de estratégia, planeamento e gestão na Fundação Bill & Melinda Gates. O que é que o move Samuel?
Primeiro, é a vontade de aprender, daí ter mudado da Física para a Consultoria e para a área da Saúde. Mesmo aqui na Fundação já mudei três vezes de posição, porque as coisas correram bem e consegui fazer isso. Segundo, é ter impacto na vida das pessoas e daí querer estar numa non-profit. Tendo trabalhado um ano em Angola quando estava na McKinsey fiquei mais sensibilizado e interessado em apoiar as pessoas mais desfavorecidas que é o que fazemos aqui. É difícil trabalhar num sítio com uma motivação e com uma visão mais nobre do que esta, portanto levanto-me sempre com muita vontade de manhã.
Sente que já chegou ao topo?
Nem sei bem o que isso é. Não, de todo. Somos tão pequeninos, sou bom a fazer algumas coisas, mas olho à minha volta e tenho sempre muito para aprender. Nem sei bem o que significa o topo. Significa poder ou dinheiro? Para mim o topo é ser feliz. Agora estou feliz. Tenho dois filhos – tivemos uma filha há dois meses – portanto estou no topo, mas há sempre muitas montanhas. Agora estou aqui na fundação, nesta posição, continuo a subir e a tentar encontrar novas coisas.
Dentro da fundação?
Sim, para já estou aqui. Gosto bastante do que estou a fazer e estou feliz, portanto acho que estou no topo desta montanha.
Houve um momento na McKinsey em que era suposto fazer um MBA e, nessa altura, decidiu regressar à Física. Entre Gestão e Física escolheu a Física, mas hoje é em Gestão que trabalha. O seu destino escreve-se direito por linhas tortas?
Nunca tive um grande plano. Primeiro queria ser médico, depois apercebi-me que gostava de matemática e de física e resolvi ir para física. Mais tarde havia este desafio da gestão. A cada momento explorei as diferentes opções e tomei uma decisão. Quando acabei o curso havia a opção de ir diretamente para doutoramento ou ir para a McKinsey. Nessa altura achei que a McKinsey era uma coisa totalmente diferente na área da gestão e da economia e que seria um desafio mais interessante e em que iria aprender mais.
Hoje sente-se bem nessa área de estratégia, planeamento e gestão?
A grande decisão que eu tomei depois do doutoramento é se seguia uma carreira mais académica ou mais no mundo empresarial e foi óbvio que eu preferia uma coisa com horizonte mais alargado, menos focada numa área. Mais tarde ou mais cedo, vamos ter de fazer gestão, gerir pessoas, gerir projetos, mesmo que estejamos a fazer trabalho técnico. Um investigador num laboratório também tem de gerir e por isso achei que essas competências iam ser úteis para qualquer coisa. Foi por essas competências que a Fundação me contratou. Não foi por eu saber física dos plasmas. Comecei há quatro anos a trabalhar mais no desenvolvimento de produtos, vacinas e medicamentos e, em maio, comecei numa área mais ligada à tecnologia. Eu diria que, quase pela primeira vez, o meu percurso académico, a física e a tecnologia se estão a juntar. E dá-me jeito o que aprendi no doutoramento.
Nesse papel de gestor qual é o seu maior desafio?
Temos vários. Há um papel de gerir equipas e um papel de gerir os projetos, mais de nível técnico. Temos dificuldades em ambas. Penso que, de facto, o mais difícil é conseguir atrair o talento de que precisamos, colocar as pessoas numa equipa e num ambiente de forma a que elas façam o seu melhor e tenham o mais alto rendimento. Todas as pessoas têm os seus pontos fortes e fracos e talvez essa seja parte mais complicada. Na Fundação felizmente conseguimos atrair pessoas, mas pessoas são pessoas. Diria que conseguir desenhar a solução ideal é relativamente fácil, conseguir implementar com as pessoas certas é mais complicado.
Na Fundação há a preocupação de recrutar pessoas de proveniências e perfis diferentes. O que é que se ganha com isso, na sua opinião?
Principalmente ganha-se visibilidade e experiências em ambientes diferentes. Se só contratarmos pessoas dos Estados Unidos, provavelmente essas pessoas só conhecem a realidade dos Estados Unidos. Mesmo que tenham trabalhado fora, nasceram, cresceram e estudaram aqui. Se trouxermos pessoas da Europa, de África, da Ásia, da América do Sul vamos ter experiências muito mais diversas. Podemos dividir o nosso trabalho em duas áreas. Estamos a desenvolver novas soluções medicamentos, vacinas, diagnósticos, instrumentos, ferramentas e para isso precisamos de saber como é que funcionam as coisas no terreno. Depois temos toda a outra componente que é não vale a pena desenvolver isso aqui em Seattle se depois não for entregue ou usado no terreno. Precisamos de muitas pessoas que venham do terreno que não só saibam ajudar as pessoas que estão a desenvolver novas coisas, mas que também consigam agarrar nessas novas coisas e as coloquem a funcionar no terreno. Se só tivermos pessoas dos países desenvolvidos não sabemos como as coisas são feitas nesses países mais pobres.
Chegou a trabalhar em Portugal e com empresas portuguesas. Identifica grandes diferenças entre o mundo empresarial português e o mundo empresarial dos Estados Unidos?
Sim, muitas. Algumas são boas e outras menos boas, mas acho que também depende um bocadinho do tipo de empresa de que estamos a falar. Aqui as pessoas são um bocadinho mais estruturadas e têm acesso a capital e financiamento de uma forma mais fácil do que em Portugal, principalmente para quem esteja a iniciar uma empresa. Apesar de agora Portugal ser o Silicon Valley da Europa (risos) e estar a promover muito esse ambiente, aqui nos Estados Unidos continua a ser mais fácil por várias razões. Se eu tiver aqui uma ideia de negócio no Estado de Washington, onde estou em Seattle, rapidamente posso vender para toda a América que são 320 milhões de pessoas. Se eu tiver uma ideia em Portugal posso imediatamente vender para 10 milhões, mas para conseguir aceder a toda a Europa é mais complicado. Na minha opinião, isso tem impacto no tipo de negócios que se consegue começar. Aqui, de facto, o crescimento de uma empresa pode ser muito mais rápido porque tem um mercado muito aberto de 320 milhões de pessoas, mais o Canadá que são mais umas dezenas de milhões. É um mercado muito mais dinâmico.
E na forma de trabalhar?
Quando diz que as pessoas aí são um bocadinho mais estruturadas está a falar de método, de organização de tempo, está a falar de quê exatamente? A principal diferença que eu notei quando cheguei foi a organização do tempo. Mas, mais uma vez, eu estou numa grande empresa e as coisas são mais estruturadas. Aqui, a maior parte dos almoços são reuniões e a pessoa agarra qualquer coisa para comer, senta-se e tem uma reunião. Ninguém pára na máquina de café durante 15 minutos. As pessoas agarram no café, têm uma conversa de um minuto e voltam para a secretária. Se eu quiser ter uma conversa com alguém um bocadinho mais de tempo, mesmo que seja informal, agendamos 30 minutos nessa semana ou na semana a seguir. É tudo mais organizado. Tem vantagens e desvantagens. É menos espontâneo, mas acaba por ser mais eficiente. Outro ponto em que há diferenças é que as pessoas estão mais focadas em chegar às 8 e sair às 5. Têm muito mais consciência do tempo que perdem com as diferentes reuniões e interações, porque se demorar mais meia hora a almoçar é menos meia hora que está com a família ao final do dia. Aqui sinto que as pessoas têm mais consciência disso e quem está a coordenar a reunião tem de ter uma agenda, envia essa agenda com alguns dias de antecedência e envia materiais para as pessoas lerem para quando chegarmos à reunião sermos mais eficientes.
É responsável pela gestão de um orçamento de quanto?
A nossa equipa neste momento tem um orçamento de 37 milhões de dólares por ano. É uma equipa que acabou de ser criada e estamos em período de expansão.
É uma equipa de quantas pessoas?
De 15 pessoas. Eu sou o diretor-adjunto estratégico de gestão. Sou aquilo que em Portugal se chama o braço direito do diretor da equipa.
Convive de perto com o Bill Gates ou cruza-se com ele frequentemente?
Pode-se descrever uma pessoa de várias maneiras. É fácil de facto dizer que ele é bastante inteligente. Antes de se conhecer o Bill Gates acha-se que ele é a pessoa mais rica do mundo.Depois de o vermos algumas vezes achamos que, se calhar, até é uma pessoa normal. Desde rever 30 páginas de uma bolsa, até estar numa reunião e reagir a conteúdos, ele tem de facto capacidades bastante surpreendentes de ver rapidamente, perceber os problemas e ter outro ângulo de visão. As questões que ele coloca são sempre aquelas que nós não pensámos. A inteligência e a capacidade de como ele vê tanta coisa, a capacidade de nos ajudar é bastante surpreendente. O Bill não deu o dinheiro à Fundação e está à espera que as coisas aconteçam. Ele tem learning sessions quase semanalmente em que as equipas ensinam alguma coisa, temos discussões, trazemos os experts mundiais nos diferentes tópicos. Ele está sempre a aprender para conseguir ajudar mais. Outra coisa surpreendente é o incentivo que ele dá às equipas de arriscarem. Uma das formas como ele incentiva as equipas é que quando elas falham ele reage de uma forma bastante construtiva.
Como assim? Pode especificar?
Sim. Há quase dois anos, tivemos uma iniciativa – era de outra equipa, mas eu estava na reunião – investimos algumas dezenas de milhões de dólares e falhámos. Não conseguimos desenvolver a ferramenta e tivemos de dizer ao Bill: “olha gastámos esta quantia, mas não funcionou”. Estávamos todos um bocadinho apreensivos em como ele iria reagir. Ele disse: “tudo bem”. A única pergunta que colocou foi como é que nós garantimos que os próximos erros que vamos cometer vão ser diferentes e não os mesmos. Foi uma conversa construtiva sobre o que correu mal, o que teríamos feito diferente. Foi uma grande lição para todos, quando no fundo podia ter despedido pessoas. Pessoas que trabalharam na Microsoft nos anos 80 e 90 vão achar isto estranho, porque ele mudou bastante a abordagem.
Que tipo de apelo sente em relação a Portugal?
Nós temos vontade de voltar, isso esteve sempre nos nossos planos. Temos aí a nossa família e amigos com quem crescemos. Em termos pessoais não há dúvida de que é o sítio onde gostaríamos de estar. Em termos profissionais é uma coisa que ainda me é difícil perceber porque neste momento tenho aqui um tipo de responsabilidade e de impacto na vida das pessoas que, se for para Portugal, as coisas são um bocadinho diferentes. Tenho tido algumas conversas, mas ainda não consegui encontrar uma oportunidade, mas também não estou ativamente a procurar.
Mas vê-se a trabalhar em Portugal?
Sim, não sei se daqui a cinco anos ou a 10, mas esse é o nosso plano.
Qual é o requisito para voltar para Portugal, e não estou a falar de dinheiro?
Um trabalho desafiante onde eu possa ter um impacto bastante positivo na vida das pessoas. Isso terá de ser conjugado com o meu trabalho ficar um bocadinho mais aborrecido aqui. Vai ser muito difícil encontrar uma coisa a este nível em Portugal, mas daqui a dois, três anos não sei como é que as coisas evoluem. Para já é esse o nosso plano.
Nunca se arrependeu de ter saído de Portugal?
Não, de todo. O escritor português Gonçalo Tavares tem um livro que é “Uma viagem à India” que é bastante interessante. Ele tem uma frase bastante interessante que é “devemos chegar cansados ao sítio onde queremos ficar”. No fundo, se não estivermos cansados quando chegamos ao sítio, vamos embora mais cedo ou mais tarde e é essa a filosofia que tenho tomado.
Sente que carrega consigo uma imagem de Portugal um pouco mais positiva do que o habitual ou sente que é só mais um emigrante num conjunto indiferenciado de portugueses espalhados pelo mundo?
Há diferentes ondas de emigração, como a minha mãe que foi para França na década de 60 por uma necessidade financeira. Nós felizmente não emigrámos por essas razões, emigrámos porque queríamos ter uma experiência pessoal e profissional diferente. A maior parte dos outros portugueses aqui em Seattle, tirando uma geração antiga de pescadores que se mudou para aqui há muitos anos, a maior parte está aqui pelo desafio profissional. Sou mais um emigrante, mas sinto que conseguimos acrescentar valor de outras formas. Sou o único português na Fundação. Gostava de ter mais, mas não temos. Aqui temos muitas nacionalidades, sou simplesmente mais uma e essa diversidade é uma das razões que torna isto, do ponto de vista pessoal, uma experiência bastante interessante.
Entrevista publicada na revista Guia do Empresário, distribuída com o REGIÃO DE LEIRIA, a 23 de novembro de 2017
Patrícia Duarte
Jornalista
patricia.duarte@regiaodeleiria.pt
Natural de Porto de Mós, 35 anos, é licenciado em Engenharia Física Tecnológica e doutorado em Física Computacional pelo Instituto Superior Técnico. Em 2010 conquistou o prémio científico da IBM, corolário da sua investigação na área dos simuladores de aceleradores de partículas laser-plasma.
Trabalhou na McKinsey & Company, entre 2005 e 2013, em funções que o levaram por diversas vezes ao estrangeiro, nomeadamente Angola.
Desde 2013 que trabalha na Fundação Bill & Melinda Gates, em Seattle, no Estado de Washington. Já ocupou vários cargos. Atualmente é diretor-adjunto de Estratégia, Planeamento e Gestão na divisão de Saúde Global da Fundação.
É difícil trabalhar num sítio com uma motivação e com uma visão mais nobre do que esta, portanto levanto-me sempre com muita vontade de manhã”
Aqui, a maior parte dos almoços são reuniões e a pessoa agarra qualquer coisa para comer, senta-se e tem uma reunião. Ninguém pára na máquina de café durante 15 minutos”
Antes de se conhecer o Bill Gates acha-se que ele é a pessoa mais rica do mundo.Depois de o vermos algumas vezes achamos que, se calhar, até é uma pessoa normal. Desde rever 30 páginas de uma bolsa, até estar numa reunião e reagir a conteúdos, ele tem de facto capacidades bastante surpreendentes de ver rapidamente, perceber os problemas e ter outro ângulo de visão”