Na Garcia, Marinha Grande, prepara-se uma reabertura contra a corrente: a Império Romano não baixa os braços e, 26 anos após a inauguração, promete a inspiração de sempre já para este Carnaval e novo conceito a descobrir ao longo de 2019
Manuel Leiria
Jornalista
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt
Joaquim Dâmaso (com arquivo Império Romano)
Fotojornalista
joaquim.damaso@regiaodeleiria.pt
Abandonar a Império Romano, como tantas discotecas da região, ou reabilitá-la? A degradação crescente do espaço obrigou o proprietário e responsáveis pela gestão a tomar uma decisão em agosto passado. Escolheram dar vida à histórica discoteca da Garcia, na Marinha Grande e a remodelação avançou.
“Isto é não desistir do sonho e tentar que volte ao antigamente, o mais parecido possível”, diz a gerente ao REGIÃO DE LEIRIA.
Sofia Ferreira sabe que “os tempos são outros”. Dificilmente este “templo da noite” voltará ao fulgor dos anos 90 e 2000. “Mas desde que se viu a coisa a mexer, temos sido contactados por muita gente. O feedback é extraordinário”.
A discoteca habita muitas memórias: encerrada desde 2014, só tem aberto no Carnaval, atraindo “multidões”: “Vem gente de todo o lado. Todos dizem que é uma pena estar fechada”.
Propriedade de José Antunes, empresário do ramo da construção que foi dono de discotecas em França e, em Leiria, da Sushi, a Império Romano adapta-se à realidade atual. “A discoteca é muito grande e é difícil tê-la aberta regularmente, porque o custo é muito elevado”.
Além disso, “o público já não sai como antigamente”, reconhece Sofia Ferreira, que geriu o espaço (e também a Sushi) e que acompanha diariamente as obras.
Atualmente com capacidade para cinco mil pessoas, a Império Romano prepara-se para reduzir a lotação a metade. Mas só na segunda fase da intervenção.
Para já, com o Carnaval à vista, reabilita-se o edifício, que já tem nova cobertura e isolamento. A par das mais recentes tecnologias de som, iluminação e projeção, a pista também será novidade, apresentando-se agora nivelada “para a circulação ser mais fluída”.
Após o Carnaval, as portas fecham para a tal segunda etapa da intervenção. Vão nascer novas zonas de lazer e um bar hidráulico no centro da pista. “Não é fácil gerir tanto espaço. O objetivo é que, com 500, 700 pessoas, a casa fique minimamente composta”, sublinha a gerente. O ideal será “ter festas com mil a duas mil pessoas”. “Se conseguirmos, viabilizamos a discoteca”.
As portas reabrirão oficialmente no último fim de semana de junho, data simbólica: é o aniversário da discoteca que nasceu em 1993.
“Queremos fazer diferente e voltar aos anos antigos, das festas temáticas, em que se vinha à discoteca pela decoração, pelos temas, pelos convidados, pelos bailarianos… Vamos tentar apostar na festa em si e não no dj”. De França vão chegar as festas American Borderline, a pensar nos muitos emigrantes que fazem férias na região.
Sofia sabe que “vai custar” a Império Romano reentrar na rota da noite. “No primeiro ano vamos patinar, mas queremos reconquistar pessoas com a regularidade e eventos marcantes”.
Eventos com discoteca
Mais tarde, quando chegar a autorização camarária, avança a terceira fase: o jardim, dance pub e restaurante vão dar lugar a um anfiteatro coberto para mais de cem pessoas e sala compartimentável, com cozinha industrial, capaz de servir casamentos, batizados, jantares e conferências.
A intenção é combinar esses serviços com a discoteca. “Há muita procura. Nos jantares de Natal e casamentos, as quintas querem encerrar às 2 da manhã e a festa acaba. Com esta proposta será possível continuar”, promete.
O novo conceito é versátil, contempla um jardim com acesso ao ribeiro e “pisca o olho” ao tecido industrial da Marinha Grande. “As fábricas de moldes podem apresentar um produto, fazer um jantar e, se houver convidados estrangeiros, ficam aqui a dormir”. O novo complexo prevê cerca de 30 camas no primeiro andar, a pensar, também, nas festas de casamento.
Um Carnaval e um queijo da Serra
O primeiro relance da nova Império Romano – que mantém decoração e conceito tal e qual – é revelado no Carnaval. A discoteca abre a 2 e 4 de março, com a tradicional Festa dos Zeros no primeiro dia e o Grande Prémio na segunda de Carnaval.
“Fazemos o desfile e damos prémios em numerário – mais de 4 mil euros”, entregues ao maior grupo, ao melhor grupo, ao melhor casal e ao melhor individual.
“Há grupos que vêm da Guarda, Vila Nova de Poiares, Torres Vedras, Lisboa… Isto mexe a nível nacional e dá um gozo tremendo. Por isso tínhamos de fazer alguma coisa aqui, senão a discoteca caía”.
São esperados 5 mil visitantes e Sofia já sabe que os foliões da Guarda “trazem sempre um queijinho da Serra”. “Já é uma família!”, que, agora, volta a ter encontro marcado na Garcia.
(Reportagem originalmente publicada na edição de 31 de janeiro de 2019)
Memórias de uma “época dourada” na Marinha Grande
Abriu em 1993 e colocou Leiria no roteiro nacional da noite. Império Romano não foi a primeira grande discoteca a abrir na região, mas “veio com as armas todas”, conta Pedro da Lepe, um dos djs que passou pela casa.
A discoteca da Garcia teve um impacto sem precedentes. “As pessoas vinham de todo o lado. Se estivéssemos numa esplanada da Marinha Grande, ao sábado à tarde, era só pessoas a chegarem de Lisboa e a perguntarem onde é que era o Império Romano”.
Quase tudo era novidade e tentador. Os proprietários – emigrantes ligados ao negócio da iluminação – investiram muito na abertura do espaço. Rui Sousa, que começou como apanha copos e chegou a ser responsável pela discoteca, diz que a diferença estava, desde logo, no equipamento. “Não era comparável com nada”, afirma, dando como exemplo a cabine de som elevatória e os holofotes no exterior, que iluminavam o céu da Garcia e arredores.
A decoração também fazia a diferença. “Era mais rica dos que as outras”, conta Rui Sousa. Havia ainda os “dj fora da caixa” e “uma equipa muito boa de funcionários”, oriunda de Lisboa e do Algarve.
Com a Império vieram também os bailarinos, o que era inédito na região. “Fomos a primeira discoteca que passou a ter constantemente dançarinos”, uma parte do Casino do Estoril e outra do Coconuts, em Cascais. O resultado foi surpreendente. “Num sábado à noite podiam lá passar 2.500 pessoas”, recorda o antigo responsável. Este número já de si elevado conseguia, no entanto, ser superado nas festas de Carnaval, com uma média de 4.000 entradas.
Porém, o que ficou para a história foi a primeira atuação dos Excesso, ainda na década de 90. “A discoteca levou 5.000 pessoas”, lembra Rui. A atual gerente Sofia Ferreira confirma que foi a lotação maior que a casa teve. Lembra que “houve pessoal no varandim que desmaiou e caiu cá para baixo, com a emoção”.
Outros eventos igualmente importantes foram as festas Ferrari, o concerto dos Anjos e a presença de convidados famosos, alguns do programa Big Brother. Mas nada que se compare ao êxito da banda de João Portugal, filho da terra.
Rui Sousa acredita que o êxito da Império Romano beneficiou da mudança que se estava a registar na noite. “Mesmo a nível nacional, foi uma altura muito boa e Leiria entrou nesse roteiro”. Para isso contribuiu também, no seu entender, a situação económica favorável. “Foi uma época dourada, as pessoas tinham muito dinheiro para gastar”.
Palace Kiay é “oásis” na paisagem desoladora das discotecas
Stressless, Locopinha, Kazino, Riomar, Paradise, Central, Lello’s, Casarão, Eurosol, Dom Papagaio, Borboleta Dançante, Ferro Velho, New Princess Club, O Moinho, 22, Weekend, Bambi, Hot Rio, Caótica, Club In, Night Sound, Storm Zone, Sushi, Alibi, Extravadança, Sunset, Mina, Bonnie & Clyde, Green Hill, QR, Jardim Bar, Dreamers. É quase interminável a lista de discotecas que, nas últimas décadas, fizeram mexer e acontecer memórias que perduram até hoje no espírito de milhares de pessoas.
O mercado ditou que todas aquelas – e outras – fechassem, fossem reconvertidas ou, em casos raros, reabram sazonal ou ocasionalmente. Muitas ruínas assinalam, tristemente, o panorama desolador do património da noite da região.
Para Luís Miguel, que trabalhou na Stressless desde o primeiro dia (a discoteca da Praia do Pedrógão abriu em 1993), foi fatal a mudança nos critérios de licenciamento dos bares: “Fechavam às 2 horas e passaram a fechar às 6 horas”.
A concorrência foi tremenda. “Uma discoteca que tinha de pagar licenças, SPA, PassMúsica, seguranças, não pode fazer nada contra bares a vender minis a 1 euro. Não pudemos fazer nada… Os horários dos bares condenaram as discotecas da zona”, lamenta, apontando também “a marcação cerrada da polícia, por causa do álcool. As pessoas também deixaram de ir a discotecas”.
Reabrir a Stressless é quase impossibilidade: pela dificuldade em gerir um espaço daquela dimensão e porque a tempestade Leslie destruiu o telhado, fazendo cair a cobertura em lã de rocha.
Para Sofia Ferreira, que trabalha para reabrir a Império Romano, houve outro contributo: “antes as pessoas vinham à discoteca ouvir músicas pela primeira vez. Agora é tudo muito fácil pelo digital e internet”. Além disso, “as pessoas são mais esquisitas e saem com menos regularidade. A noite também mudou, vive-se muito à base dos djs”.
Verdadeiro caso de sobrevivência é a Palace Kiay. Em Meirinhas, Pombal, Jorge Duarte e Lara Prince mantêm aberta a discoteca cuja fama vai além fronteiras: “O que manteve a Kiay foi a persistência, a perseverança e gostarmos daquilo que fazemos. Mesmo nos momentos de fraqueza, não abandonámos o ‘barco’. Continuámos a investir para inovar”, sublinha Jorge Duarte.
Se compararmos a geração de 80 com a de agora, é tudo diferente: os gostos, a maneira das pessoas se divertirem, a música, a tecnologia… Antes ia-se à discoteca para dançar, para beber um copo e divertir; hoje metade do tempo estão ligados ao telemóvel.