Se o seu filho disser mulțumesc [obrigado, em romeno] quando lhe entregar o casaco, perguntar porque não se comemora o Natal a 6 de janeiro ou quiser comer cachupa, não se preocupe. Está tudo bem com ele. O diagnóstico é fácil de fazer: está a conviver com os colegas de escola.
Nos oito agrupamentos de escolas do concelho de Leiria estudam 530 alunos estrangeiros ou filhos de pais estrangeiros, entre o pré-escolar e o 3º ciclo do ensino básico. Portanto, se o seu filho estuda em Leiria, é muito provável que tenha um aluno de nacionalidade estrangeira na turma, ou que ele próprio seja um desses alunos.
Muitas vezes, a diferença, que não é diferente, passa despercebida. Estão plenamente integrados na comunidade escolar e na sociedade e só perante situações mais burocráticas, como o preenchimento de formulários, é que é recordada a sua origem. Contudo, a riqueza cultural que lhes é inerente está sempre lá e preenche cada vez mais o dia a dia dos estabelecimentos de ensino.
“A diversidade cultural é uma tendência que se vai manter nas escolas, nos próximos anos, e que conhece picos de acordo com os fluxos migratórios. Neste momento, estamos a receber muitos alunos brasileiros. Já aconteceu há uns anos, depois diminuiu e vieram os ucranianos e agora novamente os brasileiros”, refere Jorge Brites, diretor do Agrupamento de Escolas de Marrazes.
Só neste agrupamento existem 221 alunos estrangeiros ou filhos de pais estrangeiros, dos quais 41 estudam na Escola de 1º Ciclo da Quinta do Alçada, em Marrazes.
Brasil, Marrocos e Ucrânia são os países de origem predominante, mas também há naturais da Moldávia, Uzbequistão, Roménia ou Bielorrússia.
“O principal desafio passa sempre pela humanização. O trabalho de entreajuda, de professores e alunos, e a necessidade de adequar o programa educativo à especificidade das turmas são os principais ajustes”, explica Maria Esteves. A professora coordenadora da escola da Quinta do Alçada reforça que “a escola tem que se adaptar à cultura da família” e dá como exemplo a mudança que a ementa escolar sofreu quando as funcionárias perceberam que alguns alunos muçulmanos não comiam comiam carne suína, por motivos religiosos. Atualmente, na ementa escolar destes alunos, constam apenas pratos de peixe. A alteração deveu-se à importância de atender às especificidades da cultura muçulmana, relativamente à preparação e confeção de pratos de carne, explica a docente. “Percebemos porquê e alteramos para o peixe”, diz.
Valorizar origem
No arranque do segundo período, o estabelecimento recebeu mais quatro alunos estrangeiros. Com um domínio ainda muito reduzido da língua portuguesa, os estudantes integram o projeto Tutorias para aulas de Português como Língua Não Materna, em horário extra sala de aula e com recurso a computador, onde podem associar as imagens às palavras que acrescentam ao seu novo canal de comunicação.
No Agrupamento de Escolas da Batalha, estudam 71 alunos estrangeiros, a maioria proveniente da Europa de Leste e também aqui o apoio no domínio da língua portuguesa é uma prioridade. “É talvez a maior dificuldade. Seja para falar, seja para perceber os exercício de matemática, entender a língua é fundamental ter esse apoio”, afirma Tiphaine Reis, cidadã de naturalidade francesa a viver há vários anos na Batalha e membro da associação de pais da Batalha.
Consciente da diversidade existente nas escolas, Tiphaine Reis está a desenvolver um projeto para e com encarregados de educação onde se possa valorizar as culturas e saberes das várias nacionalidades e abordar a integração dos imigrantes na sociedade. “Muitos não partilham a sua cultura, é preciso não esquecer de onde vieram e a riqueza que a sua origem tem”, entende.
E se a personalidade do aluno e o motivo pelo qual mudou de país podem ter influência na facilidade de integração, também a capacidade e motivação para aprender a língua é um fator central que vai mediar todo o processo de adaptação ao contento escolar, adianta Tatiana Fernandes, psicóloga no Agrupamento de Escolas de Cister de Alcobaça. “Primeiro, por se tratar de um aspeto essencial para entender e se ser entendido em sala de aula; depois porque a língua medeia todo o processo social, na medida em que permite que uma criança se faça compreender junto dos seus pares”, afirma.
Jorge Brites partilha da opinião: “Os alunos estrangeiros aprendem muito mais no convívio com os próprios colegas. Potencia muito a aprendizagem e até é o mais fácil”, entende.
Há estudantes de 34 nacionalidades a estudar nos oito agrupamentos de escolas do concelho de Leiria. Onze pertencem a países da União Europeia e oito ao continente africano.
Comida aproxima culturas
Dos 530 alunos estrangeiros que estudam em Leiria, 206 são de nacionalidade brasileira, Seguem-se os ucranianos (122), marroquinos (40), angolanos (27) e russos (18). Há outros 29 estados representados nas salas de aula, em menor número: Bulgária, Senegal, Venezuela, Bélgica, Estados Unidos da América ou Iraque.
A procura de melhor qualidade de vida ou novas propostas profissionais são, na maioria dos casos, a razão da mudança de país.
“Na maioria dos casos há uma adaptação muito positiva à nova comunidade escolar. Creio que os jovens portugueses de hoje estão já ‘formatados’ para a ideia de ‘aldeia global’, acolhendo quem chega de fora com a mesma naturalidade que equacionam a possibilidade de um dia sair do país – seja para estudar seja, no futuro, para trabalhar. (…) Na generalidade, Portugal é um país que sabe acolher, é tolerante e generoso; quando se recebe bem a integração está facilitada e creio ser unânime o enriquecimento que outra cultura traz para uma turma e escola”, dá conta Tatiana Fernandes.
Por isso atividades como festivais de sopas do mundo, semanas gastronómicas ou multiculturais começam a fazer parte obrigatória dos calendários escolares.
“[Em Marrazes], a diversidade cultural que temos é uma realidade à qual o agrupamento já se habituou, porque é transversal a todo o agrupamento, e escolas. A escola sede recebe a maior parte destes alunos e as famílias são convidadas a partilhar os pratos dos seus países, nesta afirmação da sua própria cultura, valorizando a cultura e o indivíduo no seu todo. Isto traz um valor acrescentado à escola e é nesta valorização da diferença que reside grande parte do sucesso de integração destes alunos. Eles sentem que não lhes é imposta uma outra realidade e outra cultura, eles aculturam-se naquilo que querem e mantêm as ligações às suas tradições. Isso é de respeitar. Este tipo de realidade faz com que os níveis de tolerância para com outras culturas sejam muito mais elevados”, considera Jorge Brites.
A diversidade cultural nos estabelecimentos de ensino em 2018 é distinta de há dez anos e também será dentro de dez anos. As escolas têm um “árduo trabalho em mãos”, assegura Tatiana Fernandes.
“Por um lado, o de valorizar a diferença enquanto uma oportunidade de partilha e aprendizagem, por outro a tarefa hercúlea de quebrar o ciclo de perpetuação de desigualdades entre grupos e subgrupos sociais e culturais, no qual as escolas não podem estar sozinhas.
A democratização do ensino tem que ser um esforço de toda a comunidade e, sobretudo, do próprio poder político”, afirma.
Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt
Joaquim Dâmaso
Fotojornalista
joaquim.damaso@regiaodeleiria.pt
(Artigo publicado na edição de 25 de janeiro de 2018)
No Agrupamento de Escolas de Porto de Mós estudam 70 alunos estrangeiros, a maioria ucranianos (21). Há outros 18 alunos a estudar no Instituto Educativo do Juncal. Todos recebem apoio de Português Língua Não Materna, acompanhamento psicológico e apoio individualizado nas disciplinas estruturantes.