Numa edição histórica para o festival Cistermúsica, bateram-se recordes: maior número de concertos (50), maior número de concelhos alcançados (13) e mais do dobro dos espectadores de 2018 (8.500). O festival que já não é só de Alcobaça projeta-se como o maior do género em Portugal. Após a 27ª edição, “muito conseguida e muito especial”, o diretor executivo Rui Morais faz o balanço e antecipa o que será o futuro do Cistermúsica.
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Pela primeira vez o festival chegou a Porto de Mós e a um cenário natural, com concerto de Mário Marques e Gonçalo Pescada na Fórnea
Fotografias: Cistermúsica
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O diretor executivo do Cistermúsica fala da 27ª edição, a maior e mais abrangente de sempre do festival organizado pela Banda de Alcobaça e Câmara Municipal de Alcobaça e produzido pela Associação de Música de Alcobaça. Rui Morais antecipa ainda o futuro do Cistermúsica, que prepara a internacionalização e que deixará de contar, 17 anos depois, com Alexandre Delgado na direção artística.
Como foi organizar 50 espetáculos em 13 concelhos do país?
O balanço é muito positivo e, não sendo talvez o mais importante, quase duplicámos o público face à edição anterior. De 4.493 pessoas em 2018, passámos para cerca de 8.500. É um número significativo, mas mais importante do que isso é o reconhecimento que, quer artistas quer o público, nos transmitiram, pela qualidade da organização a todos os níveis. O feedback global é muito positivo, tanto pela excelência da programação principal, mas também pela diversidade programática que este ano apresentámosEstamos muito satisfeitos e já a trabalhar para a próxima edição.
O alargamento da programação Off com nomes fortes resultou.
Sim, o facto de termos tido a Madeleine Peyroux, na área do jazz, o Camané e o Mário Laginha, e mesmo o Kronos Quartet, na programação principal – um marco histórico para qualquer festival -, fez com que a percepção que o festival teve junto do público, e até mesmo da crítica, fosse muito, muito positiva. Mas, ao contrário de outros festivais, mantemos uma linha programática que vai da música clássica ao jazz e ao fado, e também à dança contemporânea, o teatro e o cinema, sem ser à conta da programação principal. Não desistimos de ser um festival de referência na área da música erudita não nacional, mas internacional. Reconhecemos, que o festival, Alcobaça e a região têm muito a ganhar se, em cima do tradicional público que temos para a música clássica, e aproveitando a ligação ao património, aproveitarmos este momento em que fazemos um grande evento para apresentarmos outras tipologias artísticas. E os números dão-nos razão.
De onde vem o público do Cistermúsica?
Este foi um ano para ter condições de produção, quer do ponto de vista técnico, quer do acolhimento dos artistas e público. Para o ano, esse será um objetivo estratégico: quantificar qual o tipo de público que temos. Tivemos muito público estrangeiro, que podem ser residentes ou pessoas que estão de visita ao nosso país. Outro objetivo é medir com rigor todo o impacto económico que um festival desta dimensão tem, com centenas de dormidas, milhares de refeições e todas as sinergias criadas com a economia local. É muito importante para a nossa estratégia e para a negociação com os nossos financiadores e patrocinadores.
Foi a edição que chegou mais longe, a 13 concelhos…
Foi o corolário de um trabalho de muitos anos, na tentativa de sensibilizar até mesmo concelhos vizinhos – e às vezes os vizinhos são os mais difíceis, porque têm a sua estratégia e não veem com bons olhos ter programação musical que traz a marca de outro concelho. Mas foi possível demonstrar que podemos trabalhar em rede e em conjunto e que isso é bom para todos. O trabalho que temos feito a este nível penso que é pioneiro: não há mais nenhum festival que tenha tantos parceiros quanto o Cistermúsica.
A ligação aos municípios da região é para continuar?
É para continuar, assim os parceiros façam a mesma reflexão e tirem as mesmas conclusões que nós estamos a tirar.
O Cistermúsica é um trunfo para a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura?
O facto de Leiria ser candidata a Capital Europeia da Cultura e essa candidatura implicar todo um vasto território, foi a cereja em cima do bolo para que o nosso trabalho de sapa tivesse concretização. Quer Leiria, onde fomos pela primeira vez, ou a Batalha, onde fomos pela primeira vez ao Mosteiro, e outros, perceberam, a propósito dessa candidatura conjunta, que o Cistermúsica, como outros festivais, merecem uma programação em rede que seja inteligente e ter espaço não apenas em Alcobaça. Todos esses responsáveis políticos estarão muito satisfeito e isso permitiu-nos fazer coisas bastante diferentes: concertos de música sacra em igreja, como em Peniche, concertos ao ar livre numa comunhão muito interessante com a natureza, na Fórnea, em Porto de Mós, também fizemos coisas na praia, em S. Pedro de Moel, um concerto bem diferente… O Cistermúsica tem essa capacidade, com uma programação tão eclética, de adaptação aos públicos-alvo que cada município quer ir buscar. Apesar de ser um festival que tem a marca de Alcobaça, é inteligente trabalharmos em conjunto e umas coisas não têm de ser inimigas das outras.
Entre 50 concertos, qual o mais especial?
A vinda do Kronos Quartet, do ponto vista histórico, foi especial, independentemente da apreciação artística que se possa fazer. A notoriedade dos grupos conta. Todos os anos temos concertos de grande nível, muitas vezes protagonizados por grandes músicos nacionais – tão bons ou melhores que os outros -, mas termos a capacidade de ter o Kronos, como no passado o Jordi Savall e outros grandes nomes que arrastam multidões, faz com que o festival tenha uma consequência na comunicação e junto do público completamente diferentes. No dia NonStop, foi diferenciador termos o Camané e o Mário Laginha. São dois artistas de topo num concerto intimista, com a fusão do fado com o acompanhamento do Mário Laginha e foi muito especial. Também o espetáculo de dança contemporânea com videomapping no encerramento foi muito interessante. Como também termos tido, pela primeira vez, um espetáculo no Parque Verde [de Alcobaça] para muita gente. Mas tivemos cinco ou seis concertos de nível mundial, reconhecidos pela própria crítica. A diversidade da programação e a qualidade dessas apresentações fez desta uma edição muito conseguida e muito especial.
No início do festival, colocaram a fasquia nos dez mil espectadores. Apesar dos 8.500 alcançados, o que faltou para chegar lá?
Se calhar a fasquia foi demasiado ambiciosa. Não nos podemos esquecer que não é um festival de pop-rock ou de eletrónica para massas. Os grandes concertos na Cerca do Mosteiro têm lotação para 500, 600 pessoas, mas muitos outros estão limitados a cento e poucos lugares. A base do festival é ao nível da música erudita. Nessa programação tivemos quase três mil pessoas, um número muito relevante a nível nacional. Mas há sempre coisas a melhorar e já estamos a trabalhar nisso.
Por exemplo?
Conseguir ainda uma maior antecedência na divulgação do festival. Este ano começámos a divulgar e a vender bilhetes muito mais cedo. Mas é óbvio que se conseguirmos planear e, com isso, comunicar o mais rapidamente possível, em outubro, novembro, e ter alguns grandes concertos à venda no Natal, tudo isso pode potenciar a vinda de mais pessoas. Mas não nos podemos esquecer que são muitos, muitos concertos, e muitos deles esgotaram, mas não é fácil comunicar e ter público para 50 eventos diferentes. É uma grande máquina e é muito diferente do que fazer um festival que se organiza num único fim de semana. Só com grande profissionalismo, afinando estratégias e passando do bom para o excelente será possível chegar a essa barreira dos dez mil espectadores. Para isso também é importante que os apoios públicos, que são fundamentais para a realização deste tipo de festivais fora da indústria, sejam definidos a tempo, como é o caso dos apoios da DGArtes e do município, que demoram muitos meses e são decididos muito em cima dos eventos.
A sua saída da direção executiva da Banda de Alcobaça – Associação de Música de Alcobaça terá reflexos no Cistermúsica?
Vai fazer 20 anos que estou na direção da Banda de Alcobaça e todos compreendem que um Cistermúsica como o que fazemos atualmente implica uma equipa dedicada. Não é possível ser diretor executivo da Academia de Música, da Academia de Dança, do Cistermúsica, do Gravíssimo… Não é possível, se queremos continuar a melhorar. Por razões de estabilidade interna, quer do ponto de vista financeiro, quer de recursos humanos, é possível haver uma sucessão na direção executivo, muito virada para o dia a dia das escolas, e eu ficar mais liberto para as áreas estratégicas da inovação, internacionalização e, do ponto de vista executivo, ficar apenas com a direção dos grandes eventos. É um modelo que foi pensado durante muito tempo e que, penso, irá trazer mais valias para a instituição como um todo.
Alexandre Delgado continuará como diretor artístico?
Continuará de certeza ligado ao festival, muito provavelmente já não com funções de direção artística, com que está há 17 anos. Vai haver uma mudança – pedida por ele – que já foi pensada e será anunciada na próxima semana. Alcobaça deve muito ao Alexandre Delgado – ele é um dos rostos do Cistermúsica – e ficará ligado ao festival, havendo vários cenários para ele continuar a colaborar. Estamos a preparar várias mudanças, para refrescar as equipas, trazer novas ideias, novos estilos, mas estamos muito gratos a quem nos tem ajudado. A verdade é que o festival cresceu muito e precisamos de uma direção artística muito presente. A ideia não é só ficar por aqui: é ter candidaturas internacionais e fazer um Cistermúsica à escala europeia, tendo em conta a herança cisterciense que existe pela Europa fora.
A internacionalização do festival é um objetivo?
Achamos que a marca Cistermúsica e o nosso know-how podem ser suficientes para conseguir exportar este tipo de programação, que liga as artes e o património. Há que trabalhar tudo isso e que dotar a equipa de novas pessoas, para, com as que já cá estão, podermos ir mais além.
Manuel Leiria
Jornalista
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt
Ao longo de 32 dias, a programação do Cistermúsica 2019 levou 50 produções a palcos de 13 concelhos, no distrito de Leiria mas não só. O número de espectadores ultrapassou os 8.500, quase o dobro do público registado na edição de 2018. Além de Alcobaça – incluindo diversos espaços especiais do Mosteiro e do concelho, como Cós ou S. Martinho do Porto -, este ano, o festival chegou a Évora, Rio Maior, Coimbra, Arouca, Penacova, Lisboa, Batalha, Marinha Grande, Peniche, Leiria, Porto de Mós e Caldas da Rainha.