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Alien Squad. “Existe uma enorme pressão sobre o indivíduo”

Catorze anos depois, os Alien Squad lançam um novo álbum. “Stand your ground” celebra 30 anos do grupo punk de Leiria. Sábado à noite, 30 de novembro, o disco é apresentado com concerto e festa na Stereogun

Catorze anos depois, os Alien Squad lançam um novo álbum. “Stand your ground” celebra 30 anos do grupo punk de Leiria, que mantém o mesmo objetivo: usar a música para lutar pela liberdade. Sábado à noite, 30 de novembro, o disco é apresentado com concerto e festa na Stereogun

Manuel Leiria
Jornalista
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt

O que representa para os Alien Squad ainda estarem no ativo, de volta aos palcos e com um novo disco, 30 anos depois?
Representa que quem entra pelas razões certas seja no que for tem muito mais probabilidade de se manter no ativo por muito mais tempo. Sem estar à procura de dinheiro ou fama fácil e continuar a utilizar o espírito original do punk do-it-yourself (faz tu próprio e pensa pela tua cabeça). Continua a ser o nosso escape ao quotidiano, a nossa forma de expressar o que cá vai dentro e é um orgulho termos mantido a identidade, sem apoios de ninguém para além de um restrito público que gosta do que fazemos.

Como está o punk em Portugal? E no mundo? E, já agora, em Leiria.
Continua igual a si mesmo. O punk sempre foi sinónimo de rebeldia. É um movimento de revolta e expressão artística à margem do sistema por excelência (com muitas vertentes), com raízes mais antigas que o próprio termo em si. Em Portugal continua sempre. Talvez com uma sonoridade mais melódica e audível para o público em geral, comparando com as bandas dos 80s e 90s. Mas há sempre aqueles da linha dura, maioritariamente da linha crust e crossover mais politizados, agressivos e de cariz puramente anarquistas que felizmente não baixam os braços. No mundo passa-se basicamente o mesmo mas a uma escala bem maior, com mais variedade e quantidade. Em relação ao espírito da malta já houve melhores dias, mas tudo isto é cíclico… Na nossa cidade, para nosso gáudio, apareceram outros projetos que têm dado seguimento à cena punk leiriense: Sarna, Nihilistic Bastard e Manferior, apesar dos dois primeiros estarem mais ou menos parados. O que falta agora e que nos 90s existia, é tudo o resto que acompanhava a música: as rádios alternativas, as fanzines, os “jornalistas” punk, os coletivos de ação direta envolvidos em variadas áreas, etc. Tudo isso em Portugal parece ter-se desvanecido ou, no mínimo, enfraquecido.

Mas, pelos vistos, o punk não morreu mesmo… Trinta anos depois do vosso nascimento, o que mudou?
O punk tornou-se muito mais político. A ideia que os Sex Pistols, The Clash, The Damned, etc, eram a única coisa que havia em 1977 é, a nosso ver, errada. Nessa altura, germinava e surgia em força uma outra linha do punk, muito mais rica, prolífera e com muito mais conteúdo, abordando um leque mais vasto de temas sociais, de forma mais profunda, visceral e incisiva. São autênticos manifestos. Os próprios The Clash, mais interventivos com o seu “rock de combate”, foram bastante criativos do ponto de vista musical e lírico, mas mesmo assim, levaram uns açoites deste coletivo de senhoras e senhores, por se terem envolvido com editoras multinacionais. O coletivo a que nos referimos chamava-se Crass, um grupo de pessoas de várias artes, que para nós são os responsáveis pelo melhor que o punk teve para oferecer ao longo de décadas, tendo o seu legado mudado muito mais do que o que se possa pensar. Aconselhamos a todos os que desconhecem este coletivo anarcho/punk a pesquisar sobre o mesmo. Valerá a pena pela sua riqueza. Posteriormente, muitos nomes surgiram à volta da Crass Records, editora criada pelo próprio coletivo, projetos esses bastante distintos, considerados estranhos pelo seu envolvente experimentalismo e teatralidade obscura. Os seus “descendentes culturais” seguiram pelos anos 80s e 90s, como o exemplo do já referido crust, mais metaleiro do ponto de vista sonoro, mas com a atitude que caracteriza os coletivos de ideologia acrata. O resto é história que ainda estamos a viver e presenciar.

No quadro político e social atual, o punk pode vir a ganhar outro protagonismo?
Na linha e espírito da máxima “Pensa globalmente, atua localmente”: o punk sempre significou fazermos nós próprios o que temos a fazer e mostrar sem impingir ou tentar doutrinar alguém. Isto não é uma seita, partido político ou religião, a tentar enganar novos seguidores. Por isso, será o que sempre foi e fará o que sempre fez. Expressar-se por vários meios, mais ou menos diretos, mostrando a quem quiser ver que há outros caminhos e meios para viver neste mundo e sociedade. É uma revolução de consciências e de espíritos longa e demorada. Escusado será dizer que sempre existiram pessoas do movimento punk ligadas a iniciativas de ação direta no terreno por variadas causas (movimentos antifascistas, ecologia, direitos humanos, etc.). No fundo não mudou grande coisa. Continua a manipulação de alguns sobre todos. As diferenças sociais continuam e vão continuar a existir e o punk sempre esteve a combater em expressão e ação direta. Mas nunca se sabe realmente se não surgirão novas formas de expressão ainda mais cativantes, pois uma coisa que o punk sempre fez, foi reinventar-se.

Os Alien Squad em 2019: P.A. é o guitarrista, “motorista de profissão e nas horas vagas – quais horas vagas?”; Xano, baixista, é programador/operador de CNC e “dedica-se à quinta (e a outros dias da semana)”; o baterista Hugo é analista multimédia e gosta de “viajar e de jogos de tabuleiro”; Ricardo “Doominator” Alegria, o vocalista, trabalha “na dinâmica indústria de moldes”, é apaixonado pela literatura e cinema e preza o silêncio. Em 2020, acrescenta, quer “correr uma qualquer maratona”

O que traz o novo disco, “Stand Your Ground”?
Basicamente, a evolução natural do som da banda. É o resultado lógico do tipo de som que os Alien Squad sempre gostaram. Na mesma linha de raciocínio, letras críticas e dinâmicas, com um som que resulta na fusão de punk com thrash (vulgo crossover). Este disco tem a particularidade de ter sido gravado na integra no nosso local de ensaio. Foi misturado/masterizado pelo nosso compincha Nuno “Metralha” Rua, dos nossos irmãos Simbiose. Tudo cortesia da “nova era” tecnológica que nos permite produzir em casa, sem ir a estúdio, obtendo uma melhor captação. Há três décadas atrás fazíamos o mesmo para cassete, mas obviamente que o som não ficava tão bom. O disco é composto por 12 músicas, 8 relativamente recentes e 4 um pouco mais antigas, que se encaixavam bem no álbum. Inclui ainda a participação do Johnie, dos Simbiose, na voz de um dos temas. O artwork ficou como sempre (à exceção do primeiro álbum) a cargo do João Diogo, membro honorário, grande amigo e excelente designer. É o nosso primeiro LP em vinil, sendo um pack que inclui também CD e um código de acesso para download do álbum em mp3, é um 3 em 1 [à venda na Rastilho Records].

O novo disco inclui temas desde a origem até há dois anos. Sobre que temas se debruça a vossa música?
Sim. Gravámos a “Raging Boys Transformation”, a primeira música feita pela banda. Um facto engraçado é que volvidos 30 anos, a música continua atual. Existe uma enorme pressão sobre o indivíduo. Essa pressão, seja ela de cariz familiar, social ou laboral, todas, em conjunto, contribuem para a castração do pensamento e da criatividade. Se não tivermos consciência sobre nós próprios, acabamos por sucumbir. Somos apenas mais um dado estatístico. Os temas são abrangentes, retratam algum sofrimento pessoal, algumas frustrações diárias, e de forma alegórica, a condição humana. Não esquecendo a tecnologia, a manipulação genética, o sistema de ensino e conflitos geopolíticos. A liberdade a que aspiramos é condicionada e, à nossa maneira, lutamos por ela.

Leiria foi escolhida como Cidade Criativa da Música pela UNESCO. O que representa para os Alien Squad?
É um orgulho para a nossa cidade e para os nossos músicos e artistas em geral. É uma distinção merecida que culmina numa derivação de vários acontecimentos que se sucederam ao longo dos anos. Desde a pintura à dança, do teatro à literatura, a evolução artística que aconteceu e felizmente continua e continuará a acontecer, ajudou a colocar Leiria no patamar em que se encontra. A nosso ver, muito merecido. Contribuíram ao longo do tempo variadas associações, editoras, promotores e espaços. Fade In, Entremuralhas, Extramuralhas, Clap Your Hands, A9, Preguiça, Rastilho, Omnichord, Festival a Porta, Há Música na Cidade, Alquimia, K.D.A., StormZone, Beat Club, Texas Bar, Stereogun, Alfabar, Capitão, Eco, Cinema Vadio, Casota Collective, O Nariz, G.R.A.P são alguns dos exemplos. O nosso obrigado pelo vosso trabalho e reconhecimento conseguido para a nossa cidade, não só cá como além-fronteiras.

Onde se integram os Alien Squad na história da música de Leiria?
Surgimos no fim dos anos 80, Leiria nessa altura era mais fechada e culturalmente pobre. A partilha das cassetes com mau som e dos poucos discos de importação que apareciam na “Auditu”, “Submarino Amarelo” e “Alcrima” fizeram nascer este gosto pelo punk em Leiria algures em 86, sendo as bandas que ouvíamos maioritariamente provenientes do Reino Unido e Estados Unidos da América. A nossa realidade era porém bastante diferente destes países, onde o acesso a informação e equipamento era muito mais complicado e caro. Começámos por isso do zero tecnicamente (só mesmo no punk e também não melhorámos muito) e com equipamento com baixa qualidade mas que mesmo assim era puxado para a nossa bolsa de adolescentes. Na cidade do Lis já alguns projectos tinham conhecido a luz do dia nesta altura, nomes como Jesus Morto da Cruz (Leiria), Necrophilia (Maceira), Desecration (Juncal). Cronologicamente surgimos nesta vaga (sendo a segunda banda punk) e, a partir de 1993, apareceram finalmente, entre muitas outras, bandas onde inclusive elementos dos Alien Squad participaram: Injusticed League, Kuspa, C.A.R.F, Strain, Extinction, Destructive Humanity, Sub System, Assacínicos, Carapaus do Liz. Ao contrário doutros sítios, nesses tempos em Leiria nunca houve rivalidades entre os dois estilos: punk e metal. Pelo contrário, éramos “farinha” do mesmo “saco”. O nosso som reflete bastante essa relação. Vomitory (companheiros do nosso primeiro concerto), Exomortis, Paranoia,  Malevolence, Dramafall, Sarna, 605 Forte, Meninos Ruins, Mentes Podres, Poltergeist, Xeksówisados, No More Rock n’ Roll Business entre muitos outros, fortificavam a cena pesada da nossa zona.

 

 

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