Em Portugal continental morre acidentalmente nas redes de pesca pelo menos um golfinho por dia, segundo a investigadora Catarina Eira, da Universidade de Aveiro, que alerta para ameaça de extinção da espécie boto.
Em janeiro do ano passado foi criada uma área de conservação de cetáceos, numa faixa entre Ovar e Marinha Grande, mas não têm estado a ser aplicadas as medidas planeadas, aponta a investigadora.
“A área foi legalmente aprovada, o plano de gestão para as duas áreas foi aprovado, mas desde aí não foram aplicadas medidas de conservação que estavam definidas nos planos”, lamenta Catarina Eira, afirmando que a única ação foi a aplicação de “pingers” (equipamentos que emitem um som que afasta golfinhos) em redes de arte xávega na praia da Vieira.
Questionada pela Lusa, a investigadora disse que, pelos dados que a Universidade teve em 2019 esse número é real e até conservador, pelo menos em relação à região norte e centro, área de ação da investigação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), da Universidade de Aveiro.
Catarina Eira falava à Lusa a propósito da carta que esta semana a Comissão Europeia enviou aos ministros do mar de 22 estados, incluindo o de Portugal, a pedir solução para as capturas acidentais de golfinhos e outros animais marinhos nas águas comunitárias.
“Escrevi aos ministros […] de 22 estados-membros da UE sobre a questão das capturas acidentais de golfinhos e de outros animais marinhos nas águas da UE, especialmente no Golfo da Biscaia e no Mar Céltico, para instá-los a colaborar na busca de uma solução para esta situação”, indicou o comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, numa declaração publicada no ‘site’ do executivo comunitário.
Na declaração o comissário observou que, em toda a UE, “os níveis de capturas acidentais são inaceitáveis”, podendo levar à “extinção de populações locais de espécies protegidas”.
A especialista portuguesa diz que a Universidade recolheu no ano passado cerca de 320 golfinhos, só no Norte e Centro do país, e que a situação portuguesa nem sequer é das piores.
Esta semana, por exemplo, foi divulgado que 670 animais, a maior parte golfinhos, foram recolhidos nas costas francesas só nas seis primeiras semanas do ano, numa contabilidade da organização ambientalista Pelagis. Os ambientalistas dizem que a culpa é das redes de pesca. Em 2019, nas costas de França, foram encontrados 11 mil golfinhos mortos.
Em Portugal não há dados oficiais globais mas há números que resultam do projeto LIFE+MarPro, de conservação de espécies marinhas protegidas em Portugal, criado nomeadamente nas “importantes taxas de captura acidental registadas nas pescas portuguesas”.
Catarina Eira explica que se chama captura acidental porque o golfinho não é a espécie alvo de pesca. Mas ficar preso nas diversas artes de pesca sempre aconteceu e é “muito frequente”.
“Temos contabilizado animais que chegam já mortos às praias” e nas análises conseguimos identificar a causa de morte, que na maioria é devido a “captura acidental”, diz. E essa captura acontece em qualquer arte de pesca, seja nas redes de emalhar, de cerco ou na arte xávega.
Através do projeto LIFE a Universidade estimou taxas de captura acidental e quais as redes mais perigosas para os animais. As redes de emalhar são, concluiu a investigação, as mais perigosas.
E entre as mortes de várias espécies de golfinhos que ocorrem em Portugal o boto é a que mais a preocupa. “Se a taxa de mortalidade não diminuir prevemos a extinção na costa portuguesa nos próximos 20 anos”, diz Catarina Eira, que explica que o golfinho-comum tem a maior taxa de captura e mortalidade, muito acima de outras espécies como o golfinho riscado ou o roaz.
Também na página do projeto LIFE se fala do “caso crítico” do boto, com dados com referência a 2015 a dizerem que 8,4% da população de Portugal continental era enrolada nas redes todos os anos, “um valor inadmissível em função dos 1,7% máximos recomendados”. E estimava-se que o golfinho-comum podia ter uma mortalidade de mais ou menos 3.400 indivíduos por ano.
“É comum na pesca haver golfinhos nas redes. No ano passado, trabalhando só no Norte e Centro, recolhemos cerca de 320 golfinhos. Destes, não conseguimos determinar a causa de morte em todos (…) mas a captura acidental chega normalmente aos 70%”, afirmou.
A especialista alertou também que as redes nem sempre são utilizadas de forma legal, o que pode ser responsável por “boa parte da captura acidental”, e admitiu que soluções para o problema da captura acidental que não ponham em causa a pesca não são fáceis. E têm sempre de envolver os pescadores.
Lusa
Boto encontrado no verão passado, na praia do Olho do Samouco, concelho da Marinha Grande Foto: Autoridade Marítima Nacional