Confinadas à sua casa e reféns desse espaço físico, é pelas artes que as pessoas têm possibilidade de se libertar. Essa é a convicção do maestro Paulo Lameiro, para quem “a cultura é a primeira ferramenta de viver e experienciar esta nova forma de sermos comunidade, de sermos país e sermos humanos”.
O diretor artístico da Musicalmente explica que uma das razões que levou a organização a fazer os concertos para bebés via online foi a de permitir que estes encontros de domingo continuassem a ser “um espaço familiar, de encontro com os outros, de partilha com a arte e com a cultura”.
Segundo Paulo Lameiro, que é também coordenador da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, “a forma que temos de sair das nossas casas, de onde não podemos sair fisicamente, de estarmos com os outros, a quem não podemos tocar fisicamente, passa por recriarmos outros links com o espaço exterior e com os outros”.
“Vai haver muita gente a pintar, nestes dias, vai haver mais jogos de tabuleiro, mais poesia, vão-se ouvir discos que já não se ouvia há muito tempo, e isto é uma maneira de exercermos a nossa condição de humanos sociais que querem estar uns com os outros“
Paulo Lameiro, diretor artístico da Musicalmente
A música, a literatura e a pintura são áreas que facilmente propiciam essas ligações, no seu entender. “Vai haver muita gente a pintar, nestes dias, vai haver mais jogos de tabuleiro, mais poesia, vão-se ouvir discos que já não se ouvia há muito tempo, e isto é uma maneira de exercermos a nossa condição de humanos sociais que querem estar uns com os outros”, refere.
Ao mesmo tempo que “ajuda a repor aquilo que as paredes e a legislação impedem”, a cultura tem um lado “facilitador e indutor de novas formas de estarmos com nós próprios e com os outros”. No atual contexto, esta não é uma questão menor, segundo Paulo Lameiro, “porque entramos em stresse”. “Repare no que se ouve agora de aumento da violência doméstica nos países onde houve a contingência de ficar em casa”, salienta. “As pessoas não estão habituadas a ficar fechadas tanto tempo e se não têm ferramentas para voltarem a estar juntas, é difícil e podem surgir problemas”, acrescenta.
Profissionais das artes são “elo muito frágil”
Paulo Lameiro não deixa, no entanto, de frisar que se “a cultura e as artes têm aqui um papel importante, elas são também um elo muito frágil que coloca na iminência de não ter o ovo mexido no prato, para si e para os seus filhos, todos os profissionais que têm a sua atividade na área das artes performativas”.
O diretor da Musicalmente sublinha que “é importante ter consciência que quem primeiro sofre do ponto de vista laboral e social são os artistas, principalmente os das artes performativas”.
A principal razão é o fecho de espaços culturais, como teatros, museus e salas de espetáculos, deixando sem atividade quem “já vive laboralmente de forma precária”. Os artistas em geral, mas sobretudo os do teatro, música e dança, são profissionais que Paulo Lameiro descreve como “já vivendo no limite quando têm liberdade de ação e podem atuar”, mas que perante um cenário como o atual podem ficar em situação de grande dificuldade financeira.