O canto é doce mas o semblante à janela e os versos a acompanhar revelam que os dias têm sido difíceis. Tal como o fado que tanto ouviu e que se orgulhava de apresentar pelos convívios da terra, o canto de Eulália Lavos Crespo é de saudade. “É esquisito”, resume sobre os dias que se acumulam pela quarentena. “Eu fazia tudo e mais alguma coisa e deixei de o fazer”.
Foi o período de afastamento social, longe da família e dos amigos, que fez a senhora de 82 anos colocar em melodia o que o coração já estava farto de repetir.
“A minha distração era ir à missa e a música para mim era tudo”, recorda, apoiada por lembranças da juventude, quando cantava nos carnavais de Monte Real.
“Eu ouvia hoje um fado e amanhã eu já o cantava. E tudo isso eu tive que deixar, tudo isso se perdeu e faz falta”, queixa-se, antes de dizer que em nenhum momento pensou que o vídeo de “A Música Portuguesa a Gravar-se a Ela Própria” em que pede às pessoas para terem coragem e repensarem o momento atual, teria tanta audiência.
A gravação já foi vista na plataforma Vimeo quase oito mil vezes. “Eu não soube de projeto nenhum”, garante. “Eu simplesmente quis enviar a mensagem aos meus amigos para não saírem de casa. E como eu tenho família por todo o mundo, o vídeo foi passando de uns para os outros”.
Os caminhos que percorrem a rede mundial dos computadores fizeram a canção chegar até Tiago Pereira, realizador do projeto “A Música Portuguesa a Gravar-se a Ela Própria”:
“De repente, o universo equilibra-se e eis que chega o vídeo de uma velhinha com uma mensagem”, disse, aquando da divulgação, o produtor acerca de “Mensagem para o mundo”, gravada pelo neto de Eulália, do lado de fora da casa onde a senhora resiste à pandemia sozinha.
“Eu vivo só, perto dos meus filhos e dos meus netos”, explica Eulália, sobre o território em que está, na freguesia do Souto da Carpalhosa, composto por casas da família Crespo.
Mas, devido à pandemia, os seus netos nunca mais se aproximaram dela, lamenta, evocando uma das inspirações para os dizeres que escreveu, que não foram os primeiros: “Eu já fiz vários versos para outras coisas”, salienta, antes de dar como exemplo a composição que nasceu a partir da campanha gastronómica em torno das maravilhas portuguesas:
“Leiria terra de encanto/ Toda a gente assim o diz/ Com o seu lindo castelo e as famosas Brisas do Lis/ Elas são maravilhosas/ E não fazem engordar / Provem as Brisas do Lis, provem as Brisas do Lis/ E vamos lá votar”, cantarola para o REGIÃO DE LEIRIA, ao telefone.
E anda Eulália sempre inspirada? Nem por isso. “É quando me vem a ideia”, diz, sem presunção. Mas para os dias que andam a passos lentos, a música tem servido também de consolo.