O REGIÃO DE LEIRIA distribuiu esta semana máscaras aos seus leitores, tendo a iniciativa contado com a colaboração do Agrupamento de Centros de Saúde Pinhal Litoral (ACES PL), que ajudou a escolher a máscara. Rui Passadouro, membro do conselho clínico, considera que o uso generalizado de máscaras “pode ser uma mais-valia” com a adoção de devidas regras e destaca alguns cuidados para a sua correta utilização.
Quais são as suas recomendações em relação ao uso de máscaras?
Todas as recomendações relativas à utilização de máscaras, designadamente quanto às circunstâncias e ao modo de utilização, devem seguir as normas e orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS), nomeadamente a Norma 007/2020 – “Prevenção e Controlo de Infeção por SARS-CoV-2 (Covid-19): Equipamentos de Proteção Individual (EPI)”, bem como a Orientação 019/2020 – “Utilização de Equipamentos de Proteção Individual por Pessoas Não-Profissionais de Saúde”.
Assim, de acordo com a DGS, os profissionais de saúde são prioritários para uso das máscaras e devem fazê-lo segundo o risco de exposição.
A máscara cirúrgica deve ser usada ainda por aqueles que tiverem sintomas de infeção e por todos os que estão em instituições, nomeadamente lares de idosos. Igualmente os doentes que tenham diminuição das defesas, os imunodeprimidos, o devem fazer.
Qual o seu entendimento quanto à generalização do uso de máscaras?
Face ao atual debate na comunidade científica sobre utilização de máscaras pela população geral, devemos estar atentos ao eventual surgimento de novas orientações e recomendações. Pessoalmente parece-me que o uso generalizado de máscaras, ou outro dispositivo que tape a boca e nariz, pode ser uma mais-valia contra a transmissão do vírus na comunidade. Contudo, a utilização de máscaras pressupõe a adoção de regras, nomeadamente, evitar tocar na mesma, lavar as mãos sempre que inadvertidamente lhe toque com as mãos e ter cuidado com a sua remoção de forma a evitar contaminação das mãos, boca e olhos.
Não havendo máscaras em número suficiente a utilização de uma máscara várias vezes é aconselhável? Em que condições?
As características técnicas das máscaras utilizadas mais frequentemente – as máscaras cirúrgicas – recomendam que estas sejam de utilização única. A sua utilização repetida poderá representar um risco de contágio, pois podem ficar contaminadas após a primeira utilização. Da mesma forma, estas máscaras não foram concebidas para serem lavadas/desinfetadas, pelo que não se pode garantir a sua segurança nestas circunstâncias.
Contudo, a população pode usar dispositivos para tapar a boca e nariz, máscaras de fabrico pessoal, que dependendo da qualidade do material usado, poderão ser reutilizados após descontaminação. Uma vez que a camada externa do vírus é composta por lípidos (gordura) a descontaminação pode ser feita com um detergente para gorduras, à temperatura ambiente.
A distribuição de máscaras em material lavável (…) é uma excelente iniciativa, principalmente considerando a atual situação de escassez de máscaras descartáveis e eventual especulação de preços a ela associada”
Rui Passadouro, delegado de Saúde
Como vê o alcance desta iniciativa?
A distribuição de máscaras em material lavável, considerando o pressuposto deste material possuir as características adequadas de filtragem e resistência às lavagens, é uma excelente iniciativa, principalmente considerando a atual situação de escassez de máscaras descartáveis e eventual especulação de preços a ela associada. Recomendo fortemente que, em conjunto com as máscaras, seja fornecida informação sobre a sua correta utilização, lavagem e acondicionamento. No global essas recomendações passam por:
- Ajuste da máscara ao nariz, cobrindo a boca, o nariz e o queixo;
- Não tocar na máscara e caso tal aconteça higienizar imediatamente as mãos;
- Substituir por uma nova assim que se encontre húmida;
- Remover a máscara a partir da parte de trás segurando nos atilhos ou elásticos;
- Higienizar as mãos, no final da utilização da máscara.
Qual a sua opinião sobre o modelo de máscara oferecido aos leitores?
O modelo parece ser bastante ergonómico, tendo sido desenhada com similaridade com os tradicionais modelos de máscaras cirúrgicas. A cor escolhida é discreta, o que também representa um aspeto positivo. Cumprindo as características necessárias de filtragem e resistência, parece-me bastante adequada e útil.
Continuam a faltar máscaras para os profissionais de saúde e forças de segurança e proteção civil? É possível quantificar?
Existe a necessidade de uma gestão criteriosa na utilização de máscaras, pois, devido à enorme pressão mundial sobre os fornecedores, a sua aquisição nem sempre é possível nas quantidades e tempo desejáveis. Contudo, atualmente todos os profissionais de saúde do ACES Pinhal Litoral [cuidados de saúde primários] têm disponíveis máscaras para o desempenho das suas atividades profissionais. Quanto às restantes instituições, terão de ser os seus representantes a pronunciarem-se sobre as suas reservas deste tipo de equipamento de proteção individual. Tem existido algum esforço de solidariedade entre as várias entidades no sentido de dispensar algum material em situações críticas, mas garantido sempre a disponibilidade para os profissionais de saúde. Os lares de idosos e estruturas similares poderão ser o próximo desafio, caso a transmissão da doença as atinja de forma massiva.
As que usam podem ser lavadas ou desinfetadas para serem reutilizadas?
Não, as máscaras utilizadas atualmente pelos profissionais de Saúde do ACES Pinhal Litoral, as cirúrgicas e FFP2 e FFP3, não podem ser reutilizadas, já que são de uso único, devendo ser respeitadas as orientações dos fabricantes e as normas de homologação.
De quantas máscaras precisam estes profissionais por dia?
O número de máscaras necessárias por dia para cada profissional pode ser muito variável. Vejamos: as máscaras utilizadas atualmente devem ser trocadas, no máximo a cada 4-6 horas. Para além desta rotatividade, a máscara deve ser trocada sempre que se apresente húmida, ou sempre que, por algum motivo, tenha se ser removida, não deve ser novamente colocada. Na área do Pinhal Litoral (Leiria, Marinha Grande, Batalha, Porto de Mós e Pombal) estimo um consumo diário de 600 máscaras, devendo os números serem apurados com maior precisão após um período mais longo de consumo.
O secretário de Estado da Saúde anunciou que irão chegar este mês a Portugal 24 milhões de máscaras cirúrgicas e 1,8 milhões de máscaras FFP2 até final de maio. Serão suficientes?
Para responder com rigor á questão colocada, seria necessário ter conhecimento das reservas existentes de todas as instituições nacionais, das necessidades médias diárias de cada instituição, bem como o período de duração da pandemia em Portugal e da exequibilidade de novas encomendas.
Acredito que terão sido considerados todos estes fatores, não nos podendo esquecer dos constrangimentos existentes no mercado para aquisição deste equipamento. Constrangimentos estes que eventualmente poderiam não existir se a aquisição tivesse sido feita antes da pressão mundial existente sobre este produto. Relembro que a Organização Mundial da Saúde declarou a 30 de janeiro Emergência Global de Saúde Pública, tendo dado uma margem temporal significativa a Portugal para se preparar.
Contudo, os números apresentados de máscaras cirúrgicas e de respiradores FFP2 correspondem a um reforço significativo deste tipo de equipamento de proteção individual. Tudo depende da evolução da pandemia e da sua duração.
Há quem cosa máscaras de tecido em casa para se proteger. Essas máscaras têm algum beneficio em termos de proteção ou nem por isso?
A pergunta parte de um pressuposto parcialmente errado (“…para se proteger”), pois, não obstante poder conferir alguma proteção ao seu utilizador, as máscaras cirúrgicas ou similares, utilizadas pela população geral, no contexto de uma doença transmissível por gotículas, deve ter como principal intuito proteger outras pessoas de uma pessoa infetada. A máscara vai afigurar-se como uma barreira física à projeção de gotículas durante períodos de tosse, espirros, ou mesmo enquanto a pessoa fala.
Se os pressupostos supramencionados não estiverem presentes, ou se a máscara não for utilizada corretamente, poderá representar uma falsa segurança para o seu utilizador, podendo levá-lo a adotar comportamentos que podem mesmo representar um risco acrescido de infeção.
Posto isto, e tentando responder diretamente à pergunta, as máscaras produzidas de forma artesanal poderão representar algum benefício, se forem corretamente utilizadas e fabricadas em tecido que garanta uma barreira física adequada à projeção de partículas, mas é necessário uma avaliação rigorosa do risco-benefício.
A generalização do uso das máscaras não tem sido uma questão pacífica. A DGS afirma seguir as recomendações da OMS e que o uso de máscaras por si só não chega. Outros especialistas defendem que deveriam ser usadas por todos. Qual a sua posição?
Como já vimos, a utilização de máscara pela população geral visa fundamentalmente impedir a contaminação de outras pessoas por gotículas contaminadas de uma pessoa doente, não existindo estudos suficientemente robustos que contradigam este pressuposto.
Penso que é consensual que a utilização de máscaras, por si só, é insuficiente, pois a sua utilização não dispensa o cumprimento de todas as medidas preventivas amplamente divulgadas. E, como já descrito, a utilização de máscara de forma incorreta poderá representar uma falsa segurança para o seu utilizador, aumentado o risco de infeção.
Importa ainda considerar que perante um cenário de escassez de máscaras, é legítimo e mesmo recomendável que estas sejam reservadas para doentes e todos os profissionais que com eles têm de contactar.
Assim, para defender a utilização generalizada de máscaras é necessário assegurar alguns pressupostos, nomeadamente: desenvolver estudos mais robustos que avaliem o efeito protetor global da máscara; garantir uma informação/formação adequada à população no cumprimento das normas básicas da sua utilização; garantir uma disponibilidade adequada de máscaras para toda a população.
Avaliando de uma forma global os constrangimentos relacionados com a escassez deste recurso e o potencial benéficos, pessoalmente, vejo nesta medida uma mais-valia, como já referi anteriormente.
Conselhos da DGS para usar máscaras de forma correta
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