Abílio Febra, Filipe Curado, Mário Lopes, Thierry Ferreira e Vítor Reis estrearam a Residência Artística de Escultura em Pedra, realizada de 6 a 19 de julho nos jardins do Centro de Artes Villa Portela. A organização foi do município de Leiria, que promete novas edições.
Após duas semanas de intenso e desafiante trabalho, de 20 toneladas de calcário da Serra de Aire nasceram cinco obras de arte que vão ser instaladas no Jardim da Almuinha.
Um alerta chamado “Abraço ao universo”
Em 2017, “Templos do nosso tempo” levou escultura de Abílio Febra ao Mosteiro da Batalha, essa joia mundial do património construído em calcário trabalhado. Em 2020, a residência artística na Villa Portela deu ao escultor oportunidade de, ele próprio, trabalhar vários blocos de calcário para criar “Abraço ao universo”, que surge alinhado com “Templos do nosso tempo” e avisar que “o que é faustoso e representa a grandiosidade nem sempre é o caminho certo”.
O trabalho desenvolvido para o Jardim da Almuinha remete para um dos problemas da sociedade atual, em que “muitos querem ganhar protagonismo em relação a outros”.
“Por isso surgem os grandes grupos económicos que vão abafando todo um comércio local – tudo o que é pequeno hoje em dia tem dificuldade em desabrochar. Felizmente, com a pandemia estamos a reaprender a olhar para a natureza”, acredita o escultor natural da Maceira.
Muito presente na obra do escultor é o meio arco que encabeça a peça. “Noutras esculturas esse elemento cimeiro representa um altar, no sentido de sacrifício. Aqui é o respeito pelo universo”.
“Abraço ao universo” é, assim, um “agradecimento por estarmos aqui” e “um alerta para o respeito que temos de ter pelo espaço onde vivemos que não é só nosso, é também dos vindouros”.
Uma montanha a crescer num vaso
Mário Lopes tirou um mestrado em escultura no Japão. Essa e outras experiências no oriente marcam a produção do escultor de Leiria, que se iniciou na Escola de Artes e Ofícios, então instalada no Mosteiro da Batalha.
Para a primeira obra pública que terá em Leiria, Mário Lopes inspirou-se num trabalho que viu numa viagem à China. “Tal como os jardins de pedra do Japão, onde são representadas as montanhas, o mar e outros elementos, na China encontrei um vaso em cerâmica, com pedras naturais que representavam uma montanha”.
A partir dessa imagem pensou para o Jardim da Almuinha numa “montanha estilizada”, ou seja, “um montanha a crescer num vaso”, conceito que “serve como uma luva no espaço onde vai ser integrado”.
É que o jardim onde vão ser instaladas as peças representa um ideal de paisagem inspirado no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, de onde veio a pedra para as cinco esculturas criadas nesta primeira residência artística.
Um banco que é mais do que um banco
Pode um banco ser uma obra de arte? Vítor Reis prova que sim e instiga à reflexão e à discussão a partir da pequena e pesada provocação que criou para o Jardim da Almuinha.
“Já tinha vontade de fazer um banco em pedra há algum tempo. Interessa-me esta ideia de pensar na escultura pública em espaço público. A arte precisa quase sempre de um interlocutor, é muito elitista. Gosto muito da democratização da arte e para mim esta ideia de fazer um objeto de arte que seja também um objeto utilitário, de design, é também uma maneira de facilitar esse encontro com um objeto de arte”, explicou ao REGIÃO DE LEIRIA.
Da proposta inicial à obra final houve algumas alterações. “A parte interessante da escultura é estar aberta a surpresas e a mudar de caminho a qualquer momento”.
Porque, “se fizer [apenas] aquilo que está estipulado, sou mais um trabalho das obras, perde-se a parte do confronto e do pensamento”, conclui o escultor e ceramistas das Caldas da Rainha.
Anabiose ou a possibilidade de um novo arranque
Em Biologia, anabiose é o “regresso à vida após uma interrupção das funções vitais, a qual tem mais ou menos o caráter da morte”. A definição do dicionário Priberam pode parecer confusa, mas o tempo que vivemos também é – e é exatamente esse paralelismo desejado por Filipe Curado.
“Anabiose é uma temática que comecei a trabalho no início deste ano e, coincidentemente ou não, tem um bocado a ver com o que se está a passar agora”, diz o escultor nascido em Leiria e residente na Batalha.
A obra que Filipe Curado imaginou representa “o tronco de uma árvore que pode estar morta ou a hibernar – ou a ganhar rebentos e a ganhar vida”.
É essa possibilidade de novo arranque que interessa ao artista. “Tem muito a ver com o momento que estamos a viver, não podia ser noutra altura senão agora, em 2020”.
Amálgama de natureza e construção humana
Nas traseiras do ateliê de Thierry Ferreira, em Évora de Alcobaça, nasceu nos meses de confinamento uma horta. Nesse tempo, o trabalho artístico também o levou às origens, “ao trabalho mais intimista e da matéria: a pedra”.
As duas atividades em paralelo tiveram efeito. “Senti que havia transformações em termos mentais que se aplicavam na atitude, o corpo com a matéria, que se ia revelando na própria obra”.
O exercício ganhou escala em Leiria, onde Thierry Ferreira aproveitou essa energia para transformar um bloco de calcário numa metáfora impregnada de dinâmica: “Fragmento de paisagens”.
“Vem de todo o trabalho que tenho feito até agora, mas aqui consegui conciliar uma ideia do que gostaria como relação com a natureza: algo que se revela orgânico e informe – a natureza é difícil de abarcar só numa visão – e, no meio, a relação com a paisagem construída pelo homem, mais direita”. É, vendo bem, “uma amálgama entre a natureza e a construção do homem”.