O ex-presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) afirmou na terça-feira, 7 de julho, que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro não verificou “no local” quais as habitações danificadas pelos incêndios de 2017, em Pedrógão Grande.
“Percebe-se pela leitura da auditoria do Tribunal de Contas que a comissão técnica do Fundo Revita não realizou um trabalho ‘in loco’ aos processos, não foi visitar os locais e verificar a parte documental que lhe era presente”, afirmou Victor Reis.
O arquiteto falava na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à atuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior, onde considerou que o afastamento do IHRU e a coordenação da CCDR “é uma das origens para a situação a que se chegou”.
“É uma situação muito complicada de gerir, colocando os processos nas mãos de uma entidade cuja vocação não é lidar com reconstrução de casas, com reconstrução de obras públicas e isto não é uma crítica, tem a ver com competências. Foi criada uma situação completamente nova que, para quem estava na CCDR, foi um problema sério”, apontou.
Victor Reis referia-se à aplicação de um novo regulamento, o Fundo Revita, que permitia que o domicílio fiscal pudesse ser “um elemento probatório de uma habitação permanente, quando ainda por cima não é exigido que o fosse à data do incêndio”.
“Há casos de pessoas que tinham domicílio fiscal em Lisboa, a casa foi atingida pelo incêndio, mudaram o domicílio fiscal para Pedrógão Grande, obtiveram o apoio e mudaram a casa, mas após ter sido concluído voltaram a mudar o domicílio fiscal para Lisboa”, revelou.
Segundo o responsável, esta situação tornou-se num “alçapão que permite fazer um truque”, em que “nem todos tiveram conhecimento desta artimanha que estava no regulamento”.
A comissão pretende averiguar a atribuição indevida de apoios em três concelhos, mas o responsável indicou que “não há nem em Castanheira de Pera nem em Figueiró dos Vinhos o que há em Pedrógão Grande”, onde há pressupostos que foram “amplamente violados”.
“Há casas em ruína e ao abandono que foram tratadas como primeira habitação, casas de segunda habitação que foram tratadas como primeira habitação, casas que foram tratadas como se tivessem sido danificadas pelo incêndio”, mencionou.
Já em maio de 2019, o responsável tinha afirmado numa comissão parlamentar de Agricultura e Mar, requerida pelo CDS-PP, que existiam 46 situações de irregularidades no processo de reconstrução de casas em Pedrógão Grande.
Apesar de algumas dúvidas dos grupos parlamentares, sobretudo do PS, Victor Reis afirmou que a maior parte dos casos de irregularidades “são situações propositadas”.
“Há várias passagens da acusação do Ministério Público onde é dito que há uma clara intenção por parte do presidente da câmara e do vereador de, concertadamente, criarem uma situação de fraude que conduziu à burla e muitas destas pessoas ao engano”, frisou.
Na visão do arquiteto, trata-se de uma questão de “equidade” em que a algumas pessoas “foi dito que podem mudar o domicílio fiscal para ter um tratamento e omitido a outros”.
Victor Reis ocupou o cargo de presidente do IHRU entre 2012 e 2017, tendo acompanhado a fase inicial do processo de reconstrução de casas afetadas pelo incêndio de 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande.
Segundo o responsável, a única participação do IHRU no processo aconteceu durante seis dias, logo após os incêndios, para fazer o “levantamento de tudo o que o que tinha a ver com construções habitacionais”, com a indicação de que seria necessário regressar ao terreno para completar o levantamento.
Já em relação ao seu papel na denúncia desta situação, Victor Reis esclareceu que “dedicou a vida profissional às questões da habitação e reabilitação urbana” e que a questão de Pedrógão Grande o tocou particularmente por ser a sua segunda terra, tendo recebido várias denúncias.
“Isto não tem a ver com ideologias nem com cores, tem a ver com um estado de direito democrático”, sublinhou.
O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, e destruiu cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.