O sono é uma função vital, indispensável ao bem-estar e à saúde. Ao contrário de uma refeição, o sono que se perde não pode ser recuperado. E quem, por sistema, dorme pouco ou mal acabará inevitavelmente por sofrer consequências.
Cansaço, obesidade, falta de concentração, fraco desempenho escolar, défice de atenção, irritabilidade, instabilidade emocional, ansiedade, falta de motivação, excitação e tremores são alguns sintomas da privação de sono.
Vários estudos indicam ainda que o sono interfere no controlo do metabolismo e da imunidade, favorecendo o aparecimento de várias patologias.
As necessidades de sono rondam, em média, sete a oito horas por noite na idade adulta, incluindo a terceira idade. O idoso, no entanto, fruto de alterações cronobiológicas, tende a dormitar de dia e acumular as horas de sono. “A diferença mais estrutural no idoso é que tem menos sono profundo”, revela José Monteiro Ferreira, pneumologista e especialista em medicina do sono.
As crianças, por sua vez, precisam de dormir mais, embora o número de horas recomendadas diminua com o crescimento. Também os adolescentes, entre os 15 e os 17 anos, passam por uma fase em que “existe transitoriamente uma necessidade espontânea, fisiológica de dormir mais”, embora seja nesta idade que é mais contrariada.
Se não consegue adormecer à noite, acorda muitas vezes durante a noite ou sente que o seu sono não foi reparador, pode precisar de ajuda.
Estatisticamente, a insónia é o distúrbio do sono mais frequente, e embora seja muitas vezes associado a questões de ordem psiquiátrica, as razões podem ser diversas.
Afeta maioritariamente a faixa etária entre os 30 e os 40 anos, e tem maior prevalência entre as mulheres.
“Pode haver fatores desencadeantes da insónia aguda, que não é mais do que um processo de adaptação a uma situação que as pessoas muitas vezes superam”, adianta José Monteiro Ferreira.
“O problema está na permanência ou perenização da insónia, em muitos casos, devido a fatores psicofisiológicos que se desenvolvem em torno da própria insónia e de alguns mitos que dizem respeito à necessidade de dormir e às horas que é preciso dormir”, sublinha.
Na verdade, quem sofre de insónia tende a cometer erros na tentativa de diminuir a ansiedade pelo facto de não dormir e temer não conseguir levantar-se no dia seguinte.
Deitar-se cedo em busca do sono é um dos erros mais comuns. Deitar-se com sono e com a sensação de sonolência é, em contrapartida uma regra básica, defende o especialista. Ir para a cama comer, ver televisão, estudar ou ler é contraproducente.
Há depois que garantir a manutenção do sono.
Se acordar a meio da noite e não consegue dormir, levante-se. “Não vale a pena ficar na cama. O melhor que tem a fazer é dispersar-se, se tiver coisas para fazer para o dia seguinte avance. Pode ainda ler, ouvir música ou ver televisão até o sono voltar”, recomenda o médico. Com isto, poderá “esbater a ansiedade de não estar a dormir e criar condições para facilitar o sono”.
Podem ainda contribuir para a insónia alterações patológicas ou fisiológicas do ritmo circadiano e relógio biológico (período de aproximadamente um dia, sobre o qual se baseia todo o ciclo biológico do corpo humano e de qualquer outro ser vivo influenciado pela luz solar).
Posso fazer uma greve de fome mas não posso fazer uma greve de sono. O sono é uma função incontornável. Criou-se a ideia de que o sono é muito inconveniente, porque era ótimo poder ter três empregos e fazer muito mais coisas”
José Monteiro Ferreira, pneumologista e especialista em medicina do sono
“O sono é um processo que não depende da nossa vontade. É programado diariamente por genes que a nível cerebral vão sucessivamente criando as condições para que surja a determinada altura do dia. Ele tem uma implantação dentro do ciclo das 24 horas e depende de vários fatores reguladores”, explica Monteiro Ferreira.
A luz ocupa lugar de destaque mas as refeições e a atividade mental e física são também relevantes. Nesta medida, o risco de insónia afeta também quem trabalha por turnos.
Em contrapartida, as pessoas de idade tendem a ter um ciclo de sono mais curto, adormecendo e acordando mais cedo.
Neste caso, “é mais fácil controlar os aspetos relacionados com o adormecimento, conseguindo um adiamento da hora do adormecer se bem que a hora que estava programada nunca deixou de o estar”, lembra José Monteiro Ferreira.
Distúrbios mais comuns
Insónia paradoxal
Uma das características do sono é a inconsciência. Mas como podemos testemunhar algo de que somos inconscientes? “Quando pelo acordar, percebemos que estivemos a dormir”, explica José Monteiro Ferreira.
Há contudo pessoas que não têm essa perceção – ainda que se comprove, através de registo de atividade cerebral com recurso a eletroencefalograma, que dormiram sete horas ou mais -, e apresentam sintomas de quem tem insónias.
Sofrem de insónia paradoxal, também conhecido como distúrbio da má perceção da quantidade de sono.
Síndrome de avanço da fase do sono
Com a idade, podem aumentar as queixas de insónia, nomeadamente na segunda metade da noite. Um distúrbio que pode estar associado ao facto de as pessoas mais velhas cochilarem mais durante o dia.
Uma intervenção ao nível da regulação do ritmo circadiano pode, neste caso, ajudar.
“Sabe-se que quanto mais luz se apanhar de manhã, na nossa manhã biológica, maior será a antecipação do sono”, adianta José Monteiro Ferreira. Ora uma pessoa de idade, que goste de se levantar e sair à rua cedo mas passe a tarde em casa num ambiente mais escuro, “fará precisamente a toma de luz ao contrário”. Recomenda-se, nestes casos, que “a pessoa saia com óculos escuros e que passe a tarde numa sala bem iluminada, preferencialmente com lâmpadas azuis, indicadas para correção do nosso relógio biológico”.
Síndrome de atraso da fase do sono
Ao contrário do avanço da fase do sono, o ciclo circadiano é mais longo e decorre de uma tendência natural para se ir atrasando durante o dia É frequente entre os jovens e traduz-se na dificuldade em adormecer à noite e em levantar-se cedo e manter-se produtivo durante a manhã.
Nem sempre é necessário intervir desde que a pessoa se adapte. O recurso à luz como regulador do ritmo cronobiológico e à melatonina podem ajudar.
Pernas inquietas
Traduz-se pela ocorrência frequente de movimentos involuntários dos membros inferiores, que interfere com o sono, fragmentando-o. Com origem no sistema neurológico central, decorre em muitos casos de alterações a nível metabólico do ferro.
“As áreas cerebrais responsáveis pelos mecanismos de coordenação dos movimentos precisam de teores altos de ferro”, sublinha José Monteiro Ferreira, sugerindo particular atenção nesta matéria aquando do diagnóstico.
Narcolepsia
A narcolepsia é um distúrbio raro que afeta, em média, quatro pessoas em cada 100 mil. Presume-se contudo que muitos casos não estejam diagnosticados.
Os narcolépticos são dominados por uma sonolência feroz que condiciona o seu dia-a-dia. Nem sempre são corretamente diagnosticados, sendo muitas vezes referenciados como sofrendo de perturbações psíquicas (ex: depressões) ou tidos como preguiçosos, sendo, por isso, estigmatizados.
Na verdade, os jovens com narcolepsia têm muitas dificuldades em estar na sala de aulas e em estudar. Quem trabalha tem dificuldade em manter horários e uma atividade profissional. Deitam-se mais cedo e acordam mais tarde do que a generalidade das pessoas.
A narcolepsia dita clássica, e cuja origem se presume genética, caracteriza-se também por momentos de cataplexia. Isto é por perda repentina da força muscular no pescoço ou nas pernas, sem perda de consciência, em situações de emoção intensa.
Em contrapartida, alguns estudos indiciam que a narcolepsia sem cataplexia poderá estar relacionada com algumas doenças virais.
Sonambulismo
O sonambulismo tem uma maior incidência na infância, desaparecendo na maioria dos casos com a idade.
Trata-se de uma situação “teoricamente benigna”, na opinião de José Monteiro Ferreira, não carecendo de medicação, intervenção ou tratamento, para além da tomada de medidas de prevenção de acidentes que garantam a segurança do sonâmbulo quando divaga durante a noite.
E pode-se ou não acordar um sonâmbulo? José Monteiro Ferreira não vê qualquer inconveniente, embora admita que possa ser muito difícil.
Artigo publicado originalmente na revista Saúde que acompanhou a edição do REGIÃO DE LEIRIA de 5 de março de 2015