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Saúde

Suspeita de um AVC? Não hesite. Ligue de imediato para o 112

Estima-se que três pessoas sofram um AVC por hora em Portugal. Quanto mais rápida for a intervenção, maiores são as hipóteses de sobrevivência e recuperação

O acidente vascular cerebral (AVC) continua a ser uma das principais causas de mortalidade e morbilidade em Portugal. Estima-se que 72 pessoas sofram um AVC por dia, o que representa uma média de três casos por hora.

Ainda assim, tanto os indícios da doença como as medidas de atuação continuam a ser desconhecidos por muitos, o que provoca atrasos no tratamento e compromete a recuperação do doente.

São três os principais sintomas de um AVC, mais conhecidos por “3 F” por afetarem a face, a fala e a força muscular. Podem existir outros, sendo que, num quadro de AVC, todos eles aparecem de forma súbita.

Perante qualquer um destes sintomas, é necessário intervir rapidamente e ligar para o 112, para que os meios de emergência possam atuar e ser ativada a Via Verde. Quanto mais rápida for a intervenção, maiores são as hipóteses de sucesso do tratamento.

“O AVC é a doença vascular cerebral mais frequente. Trata-se de um evento súbito, caracterizado pela perda rápida da função neurológica, causada por uma interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro. Esta interrupção pode dever-se à obstrução de uma artéria (fenómeno isquémico) ou rompimento (fenómeno hemorrágico)”

Sociedade Portuguesa de AVC

Alterações na face
Um AVC pode provocar alterações da mímica facial, em que um lado da cara mexe-se normalmente e o outro fica paralisado, verificando-se uma assimetria. Pode ser mais percetível se pedir à pessoa para sorrir.

Alterações na fala
Uma vítima de AVC pode deixar de falar, passar a falar de uma maneira pouco percetível ou de forma incoerente e ficar desorientada.

Força muscular diminuída
A perda da força muscular acontece quase sempre apenas de um lado – o lado oposto ao da zona do cérebro afetada. Os AVC bilaterais são muito raros.

Outro sintomas
Visão turva, diplopia (ver duplo: ver duas imagens, uma em cima da outra ou uma ao lado da outra), vertigens, desequilibro ou dor de cabeça intensa são outros sinais de alerta, embora menos frequentes.

As primeiras horas após o início dos sintomas de AVC são essenciais para o socorro da vítima, pois é esta a janela temporal que garante a eficácia dos principais tratamentos. Para prevenir a doença, devem ser adotados hábitos de vida saudáveis, evitar-se o tabaco e a vida sedentária e ter especial atenção a doenças como a hipertensão, diabetes ou arritmias cardíacas.

Instituto Nacional de Emergência Médica

O que fazer em caso de suspeita de AVC?

Se estiver sozinho e tiver sintomas de AVC, ligue de imediato para o 112, e peça de seguida ajuda a um familiar ou vizinho. “Deixe a chave da porta do lado de fora para que a ajuda possa entrar. Junte a sua medicação habitual, exames e relatório médicos e deite-se de lado, ou sente-se num sofá, se não conseguir chegar à cama. Não beba nada, nem tome qualquer medicamento”, aconselha Fernando Mota Tavares, responsável pelo departamento científico da Associação Portuguesa de AVC.

Se suspeitar de um AVC noutra pessoa, contacte o 112, refira com clareza que se trata de um possível AVC e relate com precisão os sintomas. Enquanto aguarda a chegada do INEM, “veja as horas, deite a vítima de lado, com a cabeça perto do chão e tente saber se tem outras doenças e que medicação toma. Palpe o pulso durante 30 segundos, para perceber se o ritmo é regular ou irregular. Não dê, nem deixe que alguém lhe dê alguma coisa pela boca”, e tente manter a calma, recomenda ainda o especialista em Medicina Interna.

41% dos sobreviventes de um AVC ficam dependentes

Um AVC pode deixar sequelas ligeiras ou graves nos doentes, algumas reversíveis outras não, sendo a principal causa de incapacidade permanente em Portugal e de grande impacto na qualidade de vida dos doentes. Estima-se que 41% dos sobreviventes de um AVC ficam dependentes, sendo as complicações diversas, algumas mais comuns do que outras, segundo indica a Sociedade Portuguesa de AVC.

Afasia Perturbação súbita da linguagem devido a lesão neurológica. Não afeta a inteligência mas afeta a expressão e compreensão oral, e ainda a leitura e a escrita.

Disfagia Perturbação da capacidade de deglutir alimentos, líquidos ou medicamentos de uma forma segura, com o risco desse alimento ser aspirado para o sistema respiratório, causando asfixia.

Hemiparesia/Hemiplegia Paralisia parcial ou total de um lado do corpo, que afeta sobretudo a marcha assim como todos os movimentos do lado afetado.

Ataxia Distúrbio da coordenação muscular durante os movimentos voluntários. O doente tem má coordenação motora, dificuldade em tarefas básicas como escrever ou comer, marcha instável e alterações da fala.

Epilepsia Doença crónica do sistema nervoso central, caracterizada pela ocorrência de descargas elétricas anómalas. Manifesta-se através de crises convulsivas, com espasmos musculares e movimentos descoordenados, ou de crises de ausências, em que o doente fica parado, com os olhos fixos, como se estivesse desligado por alguns minutos. O AVC representa a principal causa de epilepsia diagnosticada em idade tardia.

Incontinência urinária Mais comum nos doentes mais idosos, resulta muitas vezes da combinação de défices motores e défices sensoriais. A incontinência fecal é, na maior parte dos casos, transitória e está associada à imobilidade, à inatividade e à ingestão inadequada de alimentos, a défices cognitivos ou a lesão neurológica.

Alterações cognitivas Podem ser gerais (processamento mais lento da informação) ou afetar um domínio específico como a orientação, a memória, a visão ou a linguagem. Após um AVC, o doente pode perder a capacidade de fazer planos e de compreender significados, de adquirir novas aprendizagens ou de recordar ou recuperar memórias.

Alterações da sensibilidade Pode existir diminuição ou desaparecimento da sensibilidade superficial (tátil, térmica e dolorosa). Alguns doentes relatam sensações cutâneas subjetivas na ausência de estímulo (frio, calor, pressão) o que contribui para o risco de autolesões. São igualmente frequentes distúrbios do campo visual e síndromes de dor crónica (dor neuropática).

Não hesite em ligar para o 112 se verificar noutra pessoa alterações na face (boca ao lado), falta de força num braço (ou dormência), ou dificuldade na fala (ou fala arrastada). O tempo é crucial para garantir a eficácia do tratamento e recuperar a vítima, e quanto mais tempo decorrer menores serão as hipóteses de uma boa recuperação.

Fisioterapia: Intervenção precoce e motivação favorecem hipóteses de recuperação

Quanto mais precoce for a intervenção do fisioterapeuta, do terapeuta ocupacional e do terapeuta da fala, maiores serão as hipóteses de recuperação da vítima de AVC e menores serão os danos provocados pelas lesões sofridas. Uma intervenção tardia pode, em contrapartida, contribuir para situações irreversíveis ou mais difíceis de tratar, alerta Ana Paula Salomé, fisioterapeuta com experiência no tratamento de doentes com AVC em meio hospitalar.

Neste contexto, o programa de reabilitação começa ainda durante o internamento, assim que a situação do doente o permitir, isto é quando for considerado clinicamente estável pelo médico responsável.

Na maioria dos casos, os doentes apresentam uma hemiplegia, em que um lado do corpo funciona menos bem, impossibilitando o seu movimento, podendo ainda ficar afetadas a linguagem e a visão.

O papel dos terapeutas passa por ajudar o doente a conseguir movimentar-se de forma harmoniosa. Numa fase inicial, quando o doente ainda não consegue realizar determinado movimento, os técnicos fazem-no por ele, “pegando-lhe, por exemplo, no braço e levando-lhe a mão à boca para que o cérebro perceba que aquele movimento existe”.

“Vamos ainda tentar que tenha equilíbrio sentado ou em pé. Vamos treinar a posição de sentado, para depois tentar colocar o doente de pé e depois tentar que ande e isso com o menor défice possível. O nosso objetivo é que o doente consiga fazer as suas atividades da vida diária e com isso também ajudar quem cuida dele”, explica Ana Paula Salomé, frisando que a abordagem é sempre global e multidisciplinar. Independentemente do grau de incapacidade e idade do paciente, “o nosso cuidado é sempre igual, tenha a pessoa 80 ou 30 anos”.

“O objetivo da intervenção dos terapeutas é fazer com que o doente seja o mais independente e funcional possível e não seja um peso para a sociedade, porque infelizmente o AVC é uma patologia avassaladora e muito incapacitante. Nenhum AVC é igual ao outro e não existe uma fórmula rígida para abordarmos o doente”

Ana Paula Salomé, Fisioterapeuta

Os tratamentos são habitualmente demorados e devem prosseguir após a alta do doente e o regresso a casa. Alguns utentes são acompanhados em centros de reabilitação especializados como é o caso do Rovisco Pais, na Tocha, outros são seguidos em ambulatório enquanto outros encontram resposta na comunidade, em centros convencionados com o Serviços Nacional de Saúde. Para os doentes isentos, as sessões são gratuitas e alguns centros de saúde já têm nas suas equipas fisioterapeutas que acompanham doentes no domicilio. Os técnicos aproveitam estas deslocações para verificar se existem barreiras arquitetónicas e para explicar ao cuidador como levantar ou sentar o doente, dar-lhe banho ou de comer.

Ainda assim, Ana Paula Salomé admite que haverá muitos utentes sem acompanhamento pós-AVC. “A resposta nem sempre é fácil. Não existem terapeutas em número suficiente nos centros de saúde e muitas pessoas deixam-se ficar”. “E às vezes é mais fácil o doente não se mexer do que mexer-se e um doente com alteração cognitiva que ande é mais difícil de cuidar do que se ficar quieto numa cadeira”. Situações que a especialista considera ocorrerem “mais por ignorância do que propositadamente” e por se “pensar que um doente com AVC é um caso perdido”. Os doentes mais velhos, por sua vez, “não têm grandes motivos de interesse e resignam-se, muitas vezes, à situação”.

Na verdade, quanto mais motivado e empenhado estiver o paciente no processo de reabilitação, maior sucesso terá, acredita a fisioterapeuta, destacando ainda as capacidades únicas do cérebro. Quando devidamente estimulado, este “super computador” consegue “dar resposta a uma zona lesionada através de outra zona que nem está vocacionada para isso”. “O que é certo é que as células começam a trabalhar nesse sentido”, remata.

Artigo publicado originalmente na revista da saúde que acompanhou a edição do REGIÃO DE LEIRIA de 1 de março de 2018 e editado

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