Portugal é o país da Europa com a mais alta taxa de prevalência da diabetes, havendo registo de um aumento, de ano para ano, de novos casos de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), sobretudo entre a população sénior, e das suas complicações.
Distinta da diabetes mellitus tipo 1 (DM1) – doença autoimune que surge, na grande maioria dos casos na infância ou adolescência -, a DM2 está relacionada com estilos de vida pouco saudáveis e outras patologias, como a obesidade e uma má alimentação. O envelhecimento, o sedentarismo, o stress e antecedentes familiares contribuem também para o seu aparecimento, pelo que urge mudar de comportamentos e adotar hábitos saudáveis desde a infância.
Enquanto a pessoa com DM1 é, desde o diagnóstico, acompanhado em meio hospitalar, os casos de DM2 são maioritariamente seguidos nos cuidados de saúde primários. Quando têm complicações ou estão muito descompensados, são encaminhados para a consulta hospitalar.
As complicações podem ser microvasculares – afetando pequenas artérias nos rins (nefropatia com risco de insuficiência renal), nos olhos (retinopatia com risco de cegueira), ou nervos periféricos (neuropatia com risco de ulceração e amputação dos membros inferiores).
A diabetes é aliás “a primeira causa de cegueira, de insuficiência renal e de amputações não traumáticas”, alerta Amália Pereira, médica internista do Centro Hospitalar de Leiria e responsável pela consulta dos doentes com DM2.
Quanto às complicações macrovasculares, a especialista de Medicina Interna destaca o facto de a diabetes ser um dos fatores de risco mais importantes para as doenças cardiovasculares, quer do AVC quer do enfarte do miocárdio. “Os dados continuam a demonstrar que nos internamentos por AVC, existe uma prevalência muito elevada entre os doentes diabéticos”, tendência que “não conseguimos ainda diminuir”.
“Um doente bem educado e informado é um doente mais bem equilibrado. É este o conceito que temos a nível hospitalar e se conseguirmos fornecer 25% da informação e essa ficar na cabeça, conseguimos equilibrar 25% do doente. Outro tipo de doente que recebemos a nível hospitalar é o doente que não está controlado, que é acompanhado pelo seu médico de família, faz um, dois ou três medicamentos, não liga à sua doença e tem hemoglobinas glicadas (HbA1c)* elevadas”
Amália Pereira, médica de Medicina Interna no CHL
9,9%
Cerca de 10% da população adulta em Portugal têm diabetes. É o país da Europa com a mais alta taxa de prevalência da diabetes mellitus tipo 2, segundo o Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Já a Federação Internacional da Diabetes (IDF) estima em 463 milhões as pessoas adultas com diabetes em todo o mundo. Número que poderá subir para os 700 milhões em 2045.
13,3%
Estima-se que mais de um milhão de portugueses entre os 20 e os 79 anos (13,3% num universo de 7,7 milhões) tenha diabetes. Desse total, apenas 56% dos casos estarão diagnosticados. O Observatório Nacional da Diabetes estima ainda em dois milhões o número de pessoas com risco elevado de desenvolver a doença no futuro.
8%
O Perfil Local de Saúde do ACES PL relativo a 2018 situa em cerca de 8% a prevalência da diabetes entre os utentes inscritos nos centros de saúde de Leiria, Batalha, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós. A doença e complicações associadas terão motivado nesse ano 218 internamentos na área do ACES PL, de um total de 23.772.
ABC da doença
Diabetes Mellitus A DM é uma doença metabólica crónica, hereditária ou adquirida, que se caracteriza por uma produção insuficiente de insulina ou por uma incapacidade do corpo em utilizá-la (insulinorresistência) com consequente aumento do nível de açúcar no sangue (hiperglicemia).
A DM tipo 2 surge habitualmente na idade adulta, mas aparece em idades cada vez mais precoces. Pode ser assintomática durante anos e ser apenas diagnosticada devido a complicações. A DM tipo 1 é autoimune e caracteriza-se pela destruição das células produtoras de insulina do pâncreas pelo sistema de defesa do organismo. Ocorre geralmente em crianças ou jovens e surge de forma repentina.
Fatores de risco A DM2 está associada ao excesso de peso e obesidade, erros alimentares (ingestão de açúcar e gordura), sedentarismo, stress, história familiar de diabetes e envelhecimento. Admite-se que a DM1 possa estar relacionada com fatores genéticos e ambientais, mas as causas continuam desconhecidas.
Sintomas Os sintomas são semelhantes nos dois tipos de diabetes: sede anormal (polidipsia), micção frequente (poliúria), perda de peso apesar do aumento de apetite (polifagia), cansaço e falta de energia, visão turva, prurido (comichão) intenso.
Situações agudas Hipoglicemias e coma diabético.
Tratamento Uma alimentação equilibrada, prática regular de exercício físico, perda de peso, e toma de antidiabéticos orais e, em certos casos, de insulina ajudam a controlar a DM2 e prevenir complicações. Os doentes com DM1 precisam de ter os mesmos cuidados no que toca à alimentação e atividade física, sendo contudo obrigados à administração diária de insulina e autocontrolo da glicemia várias vezes ao dia.
70%
Até 70% dos casos de diabetes tipo 2 poderiam ser prevenidos ou retardados com adoção de hábitos de vida mais saudáveis: alimentação equilibrada, exercício físico regular, controlo do peso e da glicemia.
4%
A diabetes é responsável por mais de 4% das mortes nas mulheres e mais de 3% das mortes nos homens. Anualmente, morrem em Portugal cerca de 2.200 a 2.300 mulheres e cerca de 1.600 a 1.900 homens por diabetes.
39,6%
O excesso de peso e obesidade estão entres os principais fatores de risco para a diabetes. Segundo o primeiro estudo nacional de prevalência da diabetes, cerca de 90% da população com diabetes têm excesso de peso (49,2%) ou obesidade (39,6%).
Aposta no tratamento integrado
A importância do tratamento precoce da diabetes, que requer uma intervenção multidisciplinar e integrada, levou o Centro Hospitalar de Leiria (CHL) a criar uma Unidade Integrada da Diabetes, que interage com a Unidade Coordenadora Funcional da Diabetes do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral (ACES PL). Objetivo? Implementar procedimentos similares em todos os serviços de modo a acompanhar e cuidar da pessoa com diabetes da mesma maneira.
Para o efeito, foram designados elos de médicos e enfermeiros nos vários serviços, desde a Endocrinologia à Medicina Interna, Pediatria, Oftalmologia, Pediatria, Cirurgia Geral, Ortopedia, Nutrição, Urologia, Fisiatria e Cardiologia.
“Quando o doente chega, é logo avaliado, ouvido para saber o que sabe sobre a diabetes e o que se pode ensinar, de forma a otimizar os seus conhecimentos. Um doente bem educado e informado é um doente mais bem equilibrado. É este o conceito que temos a nível hospitalar e se conseguirmos fornecer 25% da informação e essa ficar na cabeça, conseguimos equilibrar 25% do doente”, explica Amália Pereira.
E o que é mais difícil? Educar os jovens ou os idosos? “São populações diferentes. Nos jovens é difícil pô-los a fazer os esquemas terapêuticos que pretendemos e a contagem de equivalentes (olhar para o que vão comer e calcular a dose de insulina que têm de administrar em função da quantidade de hidratos de carbono que vão ingerir). Mas daqui uns anos, se for bem controlado é como se fosse uma pessoa não diabética, é uma rotina, é como usar óculos”.
Já no caso dos idosos com mais de 70 anos, importa sobretudo que “não tenham baixas de açúcar (hipoglicemias), que comam seis vezes por dia e pouco de cada vez, que comam às 23 horas e não estejam mais de oito horas sem comer – o que é difícil porque se deitam às 19”.
Artigo publicado originalmente na Revista da Saúde 2018 do REGIÃO DE LEIRIA e editado