Durante décadas, Almada Negreiros (1893-1970) estudou pinturas primitivas portuguesas, mergulhando em complexos estudos geométricos a partir das mesmas. Entre elas, os famosos “Painéis de São Vicente”, que o artista defendeu terem sido encomendadas, com outras obras, para uma das paredes da Capela do Fundador, no Mosteiro da Batalha.
Ora, 70 anos depois da divulgação dessa polémica tese, o retábulo imaginado por Almada vai pela primeira vez poder ser visto ao vivo no local que ele acreditava ser o destino, numa instalação que abre ao público este domingo, 20 de dezembro, integrada numa exposição com curadoria de Simão Palmeirim.
“É uma proposta radical e polémica”, reconhece o investigador que, com Pedro Freitas, tem estudado a geometria na obra plástica do artista. A exposição “Almada Negreiros e o Mosteiro da Batalha – quinze pinturas primitivas num retábulo imaginado” é o resultado do encontro de Simão Palmeirim com o diretor do Mosteiro da Batalha há meia dúzia de anos.
“Pensámos que seria muitíssimo interessante obter reproduções das pinturas que o Almada congregava num só retábulo e colocar essas reproduções na parede específica em que ele pensou”.
Múltiplos contactos e parcerias com entidades depois, a ideia ganha agora forma, dando vida a uma “instalação extraordinária”, com mais de dez metros de altura. Em simultâneo são apresentados desenhos, maquetes e estudos, grande parte inéditos, assinados pelo próprio Almada Negreiros.
A teoria defendida por Almada está longe de ser bem aceite. A tese vigente vai noutro sentido, mas a Simão Palmeirim não interessa demonstrar se é válida ou inválida, até porque “os painéis já são polémicos o suficiente”.
Na Capela do Fundador procura-se, sobretudo, “celebrar as manifestações artísticas do próprio Almada neste contexto”, revelando “um extraordinário número de obras de arte muitíssimo específicas, que decorrem de uma investigação pessoal de décadas sobre o tema”, nota o investigador:
“Estou a trabalhar a obra de um modernista. A preocupação é celebrar essa obra, explicá-la, torná-la mais acessível e visível”.
Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro da Batalha, deseja que a exposição ajude a “compreender melhor” Almada Negreiros. O caráter pedagógico da iniciativa é realçado pela oportunidade de permitir “apreciar os ‘Painéis de S. Vicente’ e mais nove pinturas primitivas, em tamanho natural”, que compõem, no conjunto, a proposta de Almada, bem como obras inéditas, “num espaço que é obra-prima do gótico europeu”, assim associada a um modernista reputado.
“É aliciante sob todos os pontos de vista, até porque nos remete para a intemporalidade da arte e do pensamento artístico”.
A exposição será complementada com a publicação de um estudo sobre Almada, de Simão Palmeirim e Pedro Freitas, e estará patente até ao final de 2021, desejando o Mosteiro da Batalha atrair visitas de escolas secundárias e superiores, no âmbito do serviço educativo.