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Como a pandemia mudou o que acontece em palco e o que se vê da plateia

Aumentaram as distâncias, diminuíram os lugares, a máscara entrou em cena: a relação entre artistas e espectadores sofreu um abalo em 2020, afetando a forma de atuar em palco e de assistir na plateia.

O novo cenário dos espetáculos em 2020: lugares afastados, plateias reduzidas e público de máscara. Aqui num concerto realizado em setembro no Museu de Leiria Foto: Gil de Lemos/CML

Fechada numa bolha de plástico gigante, Carolina Ventura é Sophia na mais recente peça do Leirena Teatro. “O globo de Sophia” é boa metáfora para o tempo que vivemos: é arte apresentada numa redoma protetora, dispositivo cénico fundamental para o espetáculo mas também para que nem público nem artistas corram risco de contágio com Covid-19.

Além da bolha do Leirena, a pandemia trouxe máscaras, lugares separados, lotações cortadas a metade (ou mais), reservas obrigatórias de bilhetes, horários deslocados do habitual. Em nome da saúde pública, artistas e público adaptam-se às novas condições. Mas, a somar a todo o brutal impacto económico no setor da cultura, até que ponto as limitações condicionam a performance e a fruição do espetáculo?

Para Carolina, o globo no interior do qual representa “facilita bastante e transmite muito uma sensação de segurança”, permitindo apresentar o espetáculo em jardins infantis e salas. “Pode abrir bastantes caminhos nesta fase estranha”, acredita a atriz. Do palco, perante público com máscara, Carolina sente falta de retorno, porque “há uma barreira na comunicação público-palco”. Além disso, com a redução do número de lugares “sentimos que a sala está vazia”.

Mas a atriz do Leirena realça que, mesmo nas condições atuais, “as salas vão enchendo”. “As pessoas estão à procura de manter o contacto, querem estar presentes, perceber o que está a acontecer”.

Já o músico Marciano Silva teve poucas oportunidades de atuar e experimentar a nova realidade. Numa delas, levou à Ilha, em Pombal, o projeto mARCIANO. “Foi tudo muito mais ‘frio’, faltou o ‘calor’, as pessoas estão de máscara e um bocadinho mais reservadas”.

Ele, que gosta de sair do palco e cantar entre o público, até nisso se viu limitado. E foi tudo a correr: “Não há o convívio do costume, não se bebe um copo. É tudo de fugida: acabou o concerto e de repente já estava a sair. Antigamente era até às tantas, às vezes até de mais… [risos]”.

A dança mudou pouco com a pandemia. Há menos espetáculos e menos público, mas Margarida Gonçalves, do Conservatório Internacional Annarella Sanchez, agradece o esforço para “manter o ballet vivo”.

A bailarina participou na recente grande produção da companhia, “O lago dos cisnes”, e tanto nos ensaios como em palco foi possível “manter tudo dentro do mais normal possível”. Em alguns ensaios há máscaras, noutros não, há limitações nos balneários e trabalham em grupos mais pequenos. Mas, uma vez em palco, “o ambiente foi o mesmo, obviamente com os procedimentos de segurança dentro do Teatro [José Lúcio da Silva]”.

Com menos pessoas na plateia “não há tanta emoção, mas mesmo com as restrições conseguimos dar um bom espetáculo e as pessoas gostaram e apoiaram-nos”, recorda Margarida sobre o espetáculo do mês passado. Nos bastidores, com um elenco numeroso, “estavam sempre a avisar-nos que tínhamos de ter máscara. Mas conseguimos manter a disciplina”.

Agitados são os dias no Orfeão de Leiria, conservatório que movimenta 700 alunos de várias idades, muitos deles ansiosos por voltar a atuar. A atenção é redobrada: no regresso às aulas, em setembro, todos voltaram “super rigorosos nas regras”, mas com o tempo “vão descontraindo um bocadinho”.

“Não temos tido problemas. Estamos atentos e às vezes algum desce as escadas com a mão no corrimão e chamamos a atenção a um ou outro aluno, mas estamos atentos”, conta o diretor pedagógico, Mário Teixeira.

A maioria dos alunos são crianças mas “estão a levar a coisa a sério”.

O Orfeão fez um esforço grande para manter a atividade, porque “uma escola de artes é muito especial”. Há alunos do pré-escolar ao Conservatório Sénior, que está “a meio gás”.

Por ter elementos com mais idade, o coro adulto está suspenso e os outros coros – atividade musical em que o risco é maior – ensaiam de máscara, em grupos pequenos ou dispersos pela plateia do auditório.

O conservatório destacou até um professor para a área audiovisual, de modo a permitir gravar as audições e enviar aos pais. “Tem sido uma aprendizagem. Até costumamos dizer que a seguir vamos abrir um estúdio e fazer casamentos e batizados”, brinca Mário Teixeira.

Obrigado a adaptar o festival Música em Leiria, o Orfeão faz um saldo positivo dos concertos realizados. “Sentimos segurança. Nota-se que tudo é mais ‘frio’, porque antes ficávamos a falar um bocadinho no fim, mas agora não é possível”, nota o diretor pedagógico.

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