“Acho que não corresponde nada”. Este é o desabafo de Vítor Gaspar que pode ser ouvido no vídeo que ontem registou uma descarga poluente no rio Lis, na zona da Galeota, Vieira de Leiria.
As imagens fazem lembrar uma descarga registada em agosto de 2019 no mesmo local, também captada em vídeo. Então como agora, problemas no funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (Etar) do Coimbrão, estão na origem da descarga.
O desabafo de Vítor Gaspar surge em reação a um cartaz aí colocado e que apela a que, caso a situação verificada no local não corresponda à da imagem, a empresa responsável pela Etar, – que rejeita no local os efluentes já tratados – seja alertada pelos transeuntes.
“Acho que não corresponde nada”, afirma Vítor Gaspar confrontado com o efluente castanho escuro e a espuma que corria para o rio.
Os relatos de descargas com cor acastanhada são frequentes e a empresa assegura que são normais. Desta feita, todavia, admite que se tratou de uma situação anormal. E que ainda não está resolvida.
Ao REGIÃO DE LEIRIA, a Águas do Centro Litoral (AdCL), responsável pela Etar do Coimbrão, reconhece que se tratou de uma descarga “anormal”. E tal como sucedido no verão de 2019, suscitada por problemas no funcionamento da Etar.
A “descarga anormal”, assume a empresa, foi ontem comunicada à Agência Portuguesa do Ambiente. A “ocorrência”, estima a AdCL, terá tido lugar entre as sete e as nove horas da manhã.
“A situação resulta de um desequilíbrio na biomassa do reator biológico que, apresentou um crescimento exponencial de microrganismos filamentosos que dificultam a sedimentação das lamas na decantação, originando episódios esporádicos de bulking no tratamento biológico”, refere a AdCL.
O bulking é “um fenómeno responsável pela dificuldade de sedimentação das lamas formadas”, explica Tânia Frazão, autora de uma tese de mestrado sobre a matéria, apresentada no Instituto Superior Técnico, em 2015.
A situação, todavia, não está ultrapassada. E de acordo com a explicação da empresa, o tempo frio não está a ajudar. Embora “pontual”, este fenómeno “mantém-se, já que a recuperação deste desequilíbrio resulta de um processo com alguma inércia, que é dificultado pelas baixas temperaturas dos últimos dias, que não favorecem a recuperação, potenciando o crescimento de microrganismos filamentosos”, explica ao REGIÃO DE LEIRIA a AdCL.
A empresa assegura que a Etar continua a efetuar o tratamento de efluentes “embora com limitações”. E garante estar tomar medidas para “para minimizar os impactes” da situação: “foram, e estão a ser, adotadas todas as medidas possíveis ao nível do processo de tratamento da ETAR e, adicionalmente, alterada a gestão dos circuitos hidráulicos, por forma a reduzir o caudal descarregado para o meio recetor, sempre que se verifica alguma degradação da qualidade do efluente tratado”.
Os problemas na Etar não são novos. No verão de 2019, uma descarga similar suscitou amplas reações e pedidos de explicação. Autarquias, partidos e deputados na Assembleia da República procuraram esclarecimentos sobre a matéria.
Entre as mais recentes ações levadas a cabo sobre o problema, conta-se a iniciativa de deputados do PS que, em setembro de 2020, questionaram o governo sobre “crimes ambientais praticados, reiteradamente, na ETAR norte”.
Em novembro, o Ministério da Administração Interna revelou apenas “ter registo de uma denúncia, efetuada no âmbito do domínio hídrico, relativamente a uma descarga da ETAR Norte (Coimbrão), no ano de 2019, a qual deu origem a um processo crime”.
Cartaz apela à identificação de descargas
A própria empresa tomou a iniciativa de solicitar a colaboração de quem passa pelo local para que alerte no caso de surgir uma descarga anormal. No local, como se pode constatar no vídeo, existe um cartaz que faz esse apelo.
São exibidas “duas imagens reais, a primeira de uma fotografia com a descarga normal da ETAR e uma outra com alterações” que a empresa assegura serem “situações pontuais”.
“O cartaz foi colocado em meados de setembro de 2020, com um objetivo de apelar à participação de todos em prol do ambiente, mas também com um objetivo pedagógico”, adianta a AdCL.
A descarga de ontem, quarta-feira foi, assegura a empresa, “reportada através do número que consta no cartaz”. Para além da vigilância, o cartaz lembra o que a empresa tem vindo a argumentar: “a cor do efluente da descarga da ETAR do Coimbrão resulta dos lixiviados de aterro que chegam e são tratados na ETAR, apresentando sempre, uma coloração acastanhada”.