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Sociedade

Casas recuperadas dos incêndios de Pedrógão Grande a caminho da Bienal de Veneza

Projeto “In Conflict” foi desenvolvido pelo ateliê depA architects que propõe como caso de estudo a habitação e as suas implicações sociais.

Casa destruída pelo fogo de Pedrógão Grande em 2017
Joaquim Dâmaso

A exposição do projeto “In Conflict”, que representará Portugal na Bienal de Veneza de Arquitetura, vai percorrer sete processos que marcaram a história da arquitetura do país, nas últimas cinco décadas, com foco na habitação e na dimensão de interesse público desta disciplina.

Um desses processos é a reconstrução de sete casas destruídas pelos incêndios de 2017, em Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria.

Mais do que falar dos edifícios dos casos escolhidos, noticiados pelos media desde os anos 1970 até à atualidade, pela sua componente social ou polémica, os curadores do projeto selecionado – atelier depA architects, um coletivo do Porto – quiseram abordar os processos e narrativas que representam, sublinharam.

Os curadores João Crisóstomo, Carlos Azevedo, Luís Sobral, sócios fundadores do atelier portuense, e Miguel Santos, curador-adjunto do projeto, centraram também o contributo para a Bienal de Arquitetura de Veneza na necessidade de debate das questões da habitação e da arquitetura de uma forma transversal, abrangendo várias áreas da sociedade.

“Partimos do princípio de que, para vivermos em comunidade, para nos entendermos, e para realçar as vantagens do Estado democrático, temos de assumir que as ideias têm de ser debatidas e deve haver espaço para o seu confronto. Esta é a resposta direta à pergunta do curador da Bienal”, disse Luís Sobral sobre a designação do projeto, “In Conflict”, cuja tradução que consideram mais certa, em português é “em confronto”.

Hashim Sarkis, curador-geral da 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza – marcada para os dias 22 de maio a 21 de novembro de 2021 – lançou, como guia para os participantes desta edição, o tema “How we will live together” (“Como vamos viver juntos”, em tradução livre).

O coletivo depA architects foi um dos cinco ateliers convidados, pela Direção-Geral das Artes, organizadora da representação nacional, para o concurso, acabando por vencer, com um projeto que inclui uma exposição, que será apresentada em Veneza, no Palazzo Giustinian Lolin, a partir de 22 de maio, e nove debates, divididos entre Lisboa, Porto e Veneza, o primeiro a acontecer este domingo, em formato ‘online’, sobre estratégias de habitação na capital.

Para a exposição, cujo ponto de partida é a habitação, os curadores realizaram uma pesquisa que se centra em quase 50 anos da história recente do país, e passa por sete casos emblemáticos, com palco em diversas localidades portuguesas, desde as grandes metrópoles de Lisboa e do Porto, até ao interior do distrito de Leiria, e às regiões do Alentejo e do Algarve.

O chamado bairro dos “Índios da Meia Praia”, no concelho de Lagos, no Algarve, ligado ao projeto do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), de habitação destinada às populações desfavorecidas, o Bairro do Aleixo, no Porto, demolido, mas deixando ainda vivo o problema social da população deslocada, o projeto “Cinco dedos”, em Chelas, Lisboa, do arquiteto Victor Figueiredo, o projeto de reconversão urbana dos estaleiros da Margueira, em Almada, dos arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, a nova Aldeia da Luz, no concelho de Mourão, Alentejo, a Ilha da Bela Vista, no Porto, e a reconstrução de sete casas destruídas pelos incêndios de 2017, em Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria, completam os sete processos escolhidos pelo coletivo.

“Traçando essa arqueologia, permitiu-nos ver que, se por um lado, os desafios que Portugal enfrentou em 1974 e 1975 eram ímpares, por outro lado, a realidade que vivemos não está assim tão distante”, disse à Lusa o curador Miguel Santos.

O coletivo concluiu que as soluções promovidas no início do regime democrático, em Portugal, e o que lhes aconteceu, ao longo do tempo, deu origem a uma radiografia destes processos, fornecendo pistas para várias conclusões.

“O país tinha, nessa altura, graves falências habitacionais”, disse Miguel Santos, acrescentando que, com este trabalho, foi possível “perceber porque é que alguns desses problemas persistem, e, assim, tornar a discussão sobre eles mais informada”, com o objetivo de criar soluções.

Sobre o tema da habitação, o curador Luís Sobral considera que “há uma vantagem clara nesta visão ampla que a curadoria propõe, que é a vontade de pensar os problemas de forma transversal”.

“O tema da habitação é aquele que propomos como caso de estudo, mas não surge isolado. Não nos interessa só falar no projeto arquitetónico, mas de todo o processo, das suas implicações sociais, a forma como a sociedade os vê e perceciona”, salientou, dando o exemplo da nova Aldeia da Luz, no Alentejo: “Não nos interessa só falar no projeto arquitetónico, mas de todo o processo que levou à extinção de uma aldeia e à sua trasladação, as transformações territoriais que a construção de uma grande barragem impôs, ou a desertificação que não conseguiu inverter”.

No seu entender, existe uma tendência, no debate público, “para isolar os problemas, pela urgência ou pelo seu imediatismo, mas quando se olha para eles de forma mais abrangente, conseguem-se extrair soluções”, vincou, defendendo a importância de “pensar o território de uma forma mais vasta, mais abrangente”.

Por seu turno, Carlos Azevedo explicou que, justamente por estas razões, preferem designar por “processos” estes sete contextos, em vez de “casos”, porque não lhes interessa só a obra acabada: “São importantes os agentes externos, e toda a viagem que levou à sua concretização, ou ‘desconcretização’”, resume.

“Esta pertinência vamos mostrá-la no eco que têm na imprensa. Todos eles foram amplamente noticiados, e muitas vezes de forma contraditória, e diferente, por diversos governos, e vários tempos, que nos mostram o impacto da arquitetura na sociedade civil”.

O curador João Crisóstomo também reforçou a ideia de processo devido ao facto de todos estes contextos que escolheram para mostrar na exposição “In Conflict”, de forma menos convencional, através de recortes da imprensa, serem “algo inacabado, permanentemente em curso”.

Devido à pandemia covid-19, a 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza, que deveria ter acontecido entre agosto e novembro de 2020, foi adiada para este ano, e, consequentemente, a 59.ª Bienal de Arte passou para 2022, como anunciou a organização.

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