Há uma nova associação em Portugal dedicada a programadores profissionais ligados a espaços ou projetos de cariz municipal. Recentemente criada, a Espaço Público conta com um leiriense entre os fundadores: José Pires, que assume também a função de presidente da assembleia geral.
O diretor artístico e financeiro do Teatro José Lúcio da Silva (TJLS) explicou por escrito ao REGIÃO DE LEIRIA os motivos que levaram à criação da associação e o que significa o envolvimento no novo projeto.
O que é a associação Espaço Público?
A Espaço Público é uma associação profissional criada por iniciativa de cerca de trinta programadores culturais com atividade exercida no âmbito de espaços ou projetos de programação de índole municipal. O conjunto de fundadores é integrado por profissionais provenientes de praticamente todos os distritos do território nacional, de norte a dul, do interior ao litoral e ilhas, concedendo assim à associação uma vasta representação geográfica. A participação destes profissionais é pessoal e não institucional. No caso concreto, sou eu e não o TJLS, embora eu seja associado e membro fundador da associação devido à experiência acumulada ao longo destes quase vinte anos na direção artística e financeira da entidade Teatro José Lúcio da Silva.
Qual a importância da criação de uma associação com estas características?
Reconhecendo o papel e o histórico do exercício da profissão, a Espaço Público visa, assim, a defesa e a promoção do estatuto profissional do programador, enquadrado numa prática assente em conhecimentos teóricos e sobretudo práticos e em princípios artísticos, éticos e deontológicos, procurando assegurar o exercício condigno e profícuo da sua atividade. Colateralmente, a Espaço Público pretende contribuir para a formação dos profissionais (através da realização de cursos, jornadas, conferências e debates), para a produção e divulgação de artigos e documentos sobre programação cultural e para um aumento do conhecimento sobre a atividade do programador, promovendo ações de esclarecimento e formativas junto da sociedade civil.
Quais são as prioridades da associação?
A Espaço Público parte do conceito de mediação como uma das ideias-chave que podem sintetizar o ofício-missão de programador cultural. Uma mediação desempenhada no cruzamento das esferas cultural, social, estético-criativa, comunicacional, económica e política e operando a dois níveis, ou assumindo duas funções: como canal entre o campo da produção artística e o da receção cultural (os públicos) e como facilitador ou intérprete nas relações entre as comunidades artísticas e as entidades tutelares dos espaços ou projetos. Este exercício da mediação é tido como alimento de uma busca de sentido, de coerência ou de identidade para o conjunto das propostas que definem uma determinada temporada de um equipamento ou projeto de programação. Busca essa que está intimamente relacionada com objetivos de serviço público enquanto garante de qualidade, ecletismo e democraticidade do acesso, e articulando-se numa dialética produtiva com as especificidades e agentes de cada território.
José Pires está há quase duas décadas à frente do Teatro José Lúcio da Silva e agora ajuda a lançar a associação de programadores
A Espaço Público já tomou alguma iniciativa?
Uma das primeiras ações da Espaço Público, paralela ao processo da sua formalização jurídica, foi uma intervenção construtiva, e cremos que profícua, no âmbito da regulamentação da Rede de Teatros e Cine-Teatros Portugueses (RTCP), aproveitando a experiência dos seus elementos e o seu conhecimento do sector e do território, assente, em muitos casos, numa atividade profissional de mais de dez anos. Procurou-se afirmar a ideia de que a atual rede de infra-estruturas municipais, com funcionamento até agora assegurado apenas pelas autarquias, deve ser uma ferramenta essencialmente dedicada a garantir o direito e o acesso à cultura e à criação artística, à divulgação e à circulação das artes performativas, à itinerância do repertório criado, à diminuição das assimetrias regionais e à contemporaneidade das produções artísticas nacionais e internacionais. Foi igualmente assinalada no mesmo contexto a necessidade de, através da implementação de uma política de investimento em conteúdos e em programação de qualidade, se estimular a definição e estabilização de modelos de organização e de boas práticas de gestão, além da necessidade de definição das carreiras profissionais ligadas aos equipamentos públicos de programação cultural. A Espaço Público, cujos associados contribuem decisivamente para os processos de afirmação dos municípios como territórios individuais de cultura, assume-se também como interlocutor disponível e colaborante das instituições do Estado e parceira natural das estruturas de criação e de produção das várias partes do território português, pugnando pela melhoria das condições de financiamento da criação e pela defesa de todas as profissões ligadas à produção artística. Nesse sentido, defenderá a participação ativa dos programadores nas políticas de planeamento cultural ao nível de cada município e do país (promovendo a existência de planos estratégicos municipais e nacional).
O estatuto de programador cultural é suficientemente valorizado em Portugal?
Eu diria, ou melhor dizendo, digo que sim. Todos nós nas nossas profissões, temos de acreditar no nosso trabalho e que somos muito melhores do que aquilo que os outros nos fazem crer! A valorização do trabalho deve em primeiro lugar ser aferida por nós, quando fazemos o que achamos que está certo e, só depois virá a valorização, reconhecimento e eventualmente gratidão de terceiros, se conseguirmos fazer sentir nestes o resultado do nosso trabalho. Note-se que, nos últimos 25 anos os autarcas locais contribuíram, decididamente, para que o país tivesse uma rede de espaços convencionais e não convencionais (embora uns espaços mais capacitados que outros, quer a nível técnico quer a nível de recursos humanos) que só agora será reconhecida pelo estado central com a formalização da criação da RTCP. Este acontecimento, embora de adesão voluntária à RTCP é a prova – ainda que tardia, também é certo – do reconhecimento e da valorização do programador cultural. O eco do trabalho de programador cultural é imaterial, mas não invisível, como o é, o de todos os trabalhadores de bastidores. Cabe assim aos órgãos de comunicação social com mais sensibilidade para o trabalho imaterial, ecoar este e todo o trabalho imaterial.
O que significa para o José Pires integrar e estar na fundação da Espaço Público?
Para mim, os responsáveis de outros teatros não são vistos como concorrentes nem parceiros mas antes sentidos como colegas. O trabalho de cada um é e só pode ser diferente dos outros, por estar diretamente ligado ao território, com a especificidade das suas populações, dos agentes culturais locais que são os principais embaixadores e dinamizadores da cultura de proximidade e, claro, pelos orçamentos. Poder contribuir com a experiência vivida em Leiria foi gratificante, culminando na integração uma equipa de ajuda mútua, que nos conforta e valoriza. Ainda para mais quando na reunião da comissão instaladora se é nomeado para fazer parte do grupo de trabalho de redação do estatutos e escolhido para integrar os membros fundadores, desde a formalização da escritura pública até à condução da eleição ao cargo desempenhado na Espaço Público, de presidente da assembleia geral. Obrigado Leiria.