A primavera não traz apenas sol. Com ela, chegam também as alergias e para quem reage aos mais diversos tipos de pólenes é o momento para reforçar o stock de lenços de papel, pois vêm aí os espirros, o pingo no nariz e olhos vermelhos. A tosse, falta de ar, comichão, inchaço ou lesões na pele são outros sintomas comuns para quem sofre destas ou de outras alergias.
As doenças alérgicas são patologias cada vez mais comuns. Podem surgir em qualquer idade apesar das primeiras manifestações serem mais frequentes nas crianças.
Mas a que se devem as reações alérgicas? Resumidamente, é a “resposta das células do nosso sistema imunológico a substâncias que são identificadas como ‘estranhas’, e a que chamamos antigénios”, explica a imunoalergologista Emília Faria. O organismo reage com a produção de anticorpos, designados de imunoglobulina, contra substâncias que se encontram no ambiente, alimentos, medicamentos ou venenos de insetos, explica a médica.
Ainda assim, não está totalmente esclarecida a razão pela qual ocorrem as alergias. O lado genético poderá ser um dos principais fatores de risco, estando comprovado que a história de alergias na família (a chamada atopia) tem um peso relevante para o aparecimento da doença.
20%
Estima-se que 20% da população sofra de rinite, 10% de asma, 10% de eczema atópico e 5% de alergia alimentar. A prevalência das doenças alérgicas aumentou no último século, entre 10% a 20% em cada 10 anos.
Também o grau e tipo de exposição aos alergénios presentes no ambiente onde se vive são determinantes, acrescenta Emília Faria, realçando o risco de a doença alérgica poder tornar-se crónica e persistente “se a exposição a esse alergénio for intensa e muito prolongada”.
A exemplo de outros países do sul da Europa, os grãos de pólen estão presentes no ar praticamente todo o ano. Ainda assim, o pico de incidência polínica máxima ocorre na primavera e início do verão, pelo que é importante que o doente explique ao especialista o tipo de vegetação a que está mais exposto. “Este saberá valorizar o que é relevante nessa informação face ao conhecimento que tem sobre a alergenicidade da vegetação mencionada”, realça, por sua vez, Ana Todo Bom, imunoalergologista.
É um facto: as doenças alérgicas estão a aumentar em toda a Europa. Estima-se que 30 a 40% da população tenha alergia, com expressão clinica de diferentes graus de gravidade. Ainda assim, e apesar de a população estar mais informada, “nem sempre se traduz numa maior procura ou acessibilidade a cuidados médicos”, alerta Ana Todo Bom.
50%
O risco de uma criança desenvolver uma doença alérgica aumenta 50% se um dos pais for alérgico. Essa probabilidade, de acordo com alguns estudos, aproxima-se dos 70% no caso dos dois pais sofrerem de alergias. Caso seja alérgica às proteínas do leite de vaca, terá maior risco de desenvolver asma, eczema e/ou ‘bronquiolites’. Quando não existe histórico familiar, o risco de desenvolver alergia desce para menos de 5%.
O aumento de novos casos de alergia nas últimas décadas estará ainda relacionado com as alterações do estilo de vida e dos hábitos alimentares das pessoas, mas também com as mudanças climáticas e o aumento de poluição atmosférica.
Mas não só. “A diminuição das infeções a bactérias e parasitas na primeira infância, devido ao maior recurso a antibióticos e melhores condições sanitárias, poderá fazer com que o sistema imunológico desenvolva reação aos alergénios ambientais, particularmente em ambiente doméstico”, admite Emília Faria, lembrando que, “hoje, ao contrário do passado, permanecemos mais 90% do nosso tempo dentro das habitações”.
Tratamento e controlo
Evitar por completo a substância a que o doente é alérgico, o que é válido para os alimentos e medicamentos, é a forma mais eficaz de prevenção. No que toca aos alergénios aerotransportados como ácaros, fungos ou pólenes, recomendam-se medidas que visem reduzir a exposição a estes agentes, refere a especialista.
O uso combinado de diferentes medicamentos pode, por sua vez, ser necessário para controlar doenças inflamatórias crónicas como asma, rinite, sinusite ou eczema atópico.
O Litoral Centro de Portugal é a zona da Península Ibérica com maior concentração de ácaros por metro quadrado, de acordo com um estudo epidemiológico realizado ao pó das habitações em Portugal e Espanha
A imunoterapia, que contempla o recurso a vacinas, é outra alternativa considerada eficaz em casos selecionados de doentes com asma, rinite e/ou eczema atópico. “Consiste na administração de alergénicos em doses controladas, para contrariar a evolução da doença alérgica, sendo particularmente eficaz na asma, rinite, conjuntivite e, mais recentemente, nalguns casos de alergia alimentar”, esclarece Emília Faria.
A culpa é dos alergénios
Ácaros e fungos
Apesar do seu ínfimo tamanho, os ácaros do pó da casa são a principal causa de doenças alérgicas como asma, rinite e eczema, particularmente nos países ocidentais e industrializados. Em Portugal, são os principais responsáveis da doença alérgica respiratória nas regiões do litoral onde “o clima temperado e a humidade relativa alta favorecem o crescimento de ácaros e fungos durante todo o ano com um pico, em geral, em outubro”. São animais de dimensões microscópicas, de várias espécies, e vivem no pó que se acumula em alcatifas, tapetes, cobertores, almofadas, colchões, tapetes e bonecos de peluche, nomeadamente em casas húmidas, pouco arejadas e com baixa exposição solar. Já os fungos existem no ambiente interior e exterior e os seus esporos libertam-se em grande quantidade em dias ventosos e secos, explica Emília Faria.
Pólenes
É das ervas, árvores e arbustos que surgem os pólenes, o segundo grupo de alergénios mais frequente. Em Portugal, as gramíneas (que se encontram nos fenos, ervas daninhas e relvados), a erva parietária (alfavaca de cobra) e os pólenes de árvore (principalmente oliveira e plátano) lideram a lista dos principais focos de alergia. Os picos de alergia ocorrem habitualmente entre março e julho, “mas dependem, em grande medida, das condições climatéricas e da quantidade e tipo de árvores e ervas da região onde vivemos”. “Nem todas as pessoas têm manifestações de alergia aos pólenes na mesma altura, porque os picos polínicos são diferentes de planta para planta ao longo do ano”, acrescenta a especialista.
Alimentos
O leite de vaca, ovos, amendoins, trigo, soja e peixe são os principais alimentos responsáveis de alergia alimentar em idade pediátrica. Já nos adultos, a “culpa” maior é dos frutos e vegetais frescos, frutos secos, peixe, crustáceos, ovo e produtos láteos, por ordem decrescente. Segundo Emília Faria, registou-se, nos últimos anos, um aumento preocupante de casos de alergia a frutas e vegetais, nomeadamente nos países do sul da Europa. A este fenómeno estará associado um maior uso de aditivos e conservantes na dieta alimentar em idades mais precoces. Estudos recentes atribuem ainda às substâncias químicas naturais ou aditivos “cerca de 0,23% da alergia alimentar em adultos”.
Medicamentos e látex
“Os antibióticos derivados da penicilina e os anti-inflamatórios não esteroides como a aspirina são os dois principais grupos de fármacos que induzem reações com maior frequência e que poderão ser graves”, alerta a imunoalergologista. Embora com menos frequência, podem também ocorrer reações durante uma anestesia geral, devido a alergia ao látex ou agentes anestésicos. Em caso de suspeita, e de modo a minimizar quaisquer riscos futuros, deve ser contactado um especialista em Imunoalergologia.
Outros alergénios
Os gatos, cães, coelhos e cavalos estão entre os animais domésticos que induzem mais casos de alergia. Mas não só. Os locais de trabalho também podem ser zonas de risco. Na indústria da panificação e pastelaria, os cereais, farinhas e fermentos podem, por exemplo, provocar asma nos padeiros, enquanto as proteínas animais podem originar alergias respiratórias em veterinários e trabalhadores de laboratório, ou as bactérias Bacillus subtilus em quem trabalha na indústria dos detergentes. A inalação de partículas de látex (proteína de origem vegetal utilizada, por exemplo, na manufatura das luvas de borracha) tem originado um aumento de casos de asma ocupacional entre profissionais de saúde.
Mas de onde vêm os pólenes
Alfavaca de cobra
. Nome comum: Alfavaca-de-cobra, erva-das-paredes, erva-das-muralhas, erva-de-nossa-senhora, erva-fura-paredes
. Alergenicidade: Elevada
. Biologia/Ecologia: Planta herbácea ruderal, muito comum em fissuras de rochas, paredes velhas, muros, ruínas e outros locais nitrificados.
. Período de polinização: No inverno e primavera sobretudo, sendo possívelcoletar pólen de Parietaria durante todo o ano. Porém, com frequências máximas em abril e maio.
Artemisia
. Nome comum: Dente-de-leão, girassol, absinto, artemísia-comum, erva-de-são-joão, erva de fogo
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Uma das plantas formadoras de semente mais importante, no número de espécies, diversidade de morfologia, habitat, formas vitais e sistemas de dispersão de frutos.
. Período de polinização: Ao longo de todo o ano, mas com picos mais acentuados nos meses de maio a junho a Sul, e em julho a Norte.
Azeda
. Nome comum: Azedas, vinagreira, labaça, labaçol, acetosela
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Planta herbácea, subcosmopolita, subnitrófila, na sua maioria ruderal, muito comum nas pastagens, culturas de sequeiro das peniplanícies alentejanas, areais marítimos ou do interior, campos abandonados, margens de caminhos, de cursos de água, etc. Nas zonas urbanas, é frequente em baldios, em espaços verdes, pequenas hortas e quintais de habitações.
. Período de polinização: Ao longo de todo o ano, embora a maioria das observações decorra de fevereiro a junho.
Carvalho
. Nome comum: Azinheira, azinho, sobreiro, chaparro, sobro, carvalho, car-valho-vermelho, albarinho, alvarinho
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Planta predominantemente arbórea. O carvalho-ver-melho distribui-se particularmente nas regiões entre Douro e Minho e na Beira Litoral, a azinheira é muito abundante em Portugal e o sobreiro, muito comum em todo o país, é mais frequente no Sul, sendo frequentemente associado à azinheira e carvalho-cerquinho.
. Período de polinização: Março a julho, apresentando um ritmo bianual reprodutivo.
Bétula
. Nome comum: Vidoeiro, Bétula (Betula), Amieiro (Alnus)
. Alergenicidade: Elevada
. Biologia/Ecologia: É uma família que agrupa mais de uma centena de espécies que se distribuem basicamente nas regiões temperadas do hemisfério norte.
. Período de polinização: Betula de abril a maio; Alnus de janeiro a março.
Castanheiro
. Nome comum: Castanheiro
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Árvore muito abundante no interior Norte e Centro de Portugal, e raro no Sul, de folha caduca, cujo fruto (ouriço) contém a castanha.
. Período de polinização: Maio a agosto
Cipreste
. Nome comum: Ciprestes
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Árvores ou arbustos resinosos, com folhas simples, aciculares ou em forma de escama.
. Período de polinização: Finais de dezembro a março.
Erva-de-orelha
. Nome comum: Tanchagem, corrijó, erva-de-orelha, carrijó, chantage, chinchagem
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Quase todas herbáceas e de pequeno porte, ruderais e frequentes nos relvados e bermas de caminhos, campos de cultivo abandonados, areais, etc., em sítios húmidos, dentro e fora dos centros urbanos.
. Período de polinização: Sobretudo durante a primavera mas, é nos meses de abril e maio que são observadas as maiores concentrações. O pólen é observável durante quase todo o ano, excetuando nos meses de novembro a fevereiro.
Eucalipto
. Nome comum: Eucalipto, calipto, murta
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Espécie vegetal com larga extensão em quase todo o país. Utilizada como ornamental e árvore de sombra. Existem 600 espécies de Eucalyptus
. Período de polinização: Novembro a junho (Frequência máxima entre maio e junho)
Gramíneas
. Nome comum: Grama, espiguilha, fleo, festuca, relva, cereais (cevada, centeio, aveia, milho, trigo)
. Alergenicidade: Elevada
. Biologia/Ecologia: Distribuição cosmopolita. Fazem parte integrante da paisagem mediterrânica, onde constituem o elemento dominante da vegetação herbácea do bosque e das pastagens semi-naturais do montado. São muito abundantes em qualquer habitat em redor da cidade, formando parte dos pastos, comunidades de plantas infestantes de campos de cultivos, etc. Nas zonas urbanas são abundantes nos locais não urbanizados e nos cursos de água.
. Período de polinização: Durante quase todo o ano, preferencialmente de janeiro até julho. Contudo a maioria das espécies floresce de março a junho.
Oliveira
. Nome comum: Oliveira
. Alergenicidade: Elevada
. Biologia/Ecologia: Há numerosas variedades cultivadas, mas o seu ancestral pode ser encontrado na região mediterrânica.
. Período de polinização: Maio a junho (finais da primavera).
Palmeira
. Nome comum: Palmeiras
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Chamaerops humilis L. é a única espécie autóctone da Europa continental, sendo frequente no território algarvio. Exclusivamente mediterrânica.
. Período de polinização: Abril a início de outubro
Pinheiro
. Nome comum: Cedros, pinheiros, abetos
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Plantas arbóreas, que podem desenvolver-se em terrenos ‘degradados’, arenosos, xistosos ou calcáreos. Espécies espontâneas ou cultivadas.
. Período de polinização: Durante todo o ano embora o período principal ocorra entre março e maio.
Plátano
. Nome comum: Plátano, plátano de sombra
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Planta arbórea, utilizada como árvore de sombra ornamental, frequentemente em parques, praças, jardins, passeios, ruas, margens de estradas e de cursos de água, sobretudo em solos um tanto profundos e frescos, onde se encontra naturalizada. A presença do pólen no ar fora da estação polinica é causada por reflutuações do pólen depositado na própria planta ou em obstáculos perto da planta. As concentrações deste tipo polínico aumentam de forma brusca, passando, em poucos dias, de zero grãos por m3 de ar para várias centenas. Apesar da sua pequena dimensão, o pólen não se afasta muito das fontes produtoras depositando-se rapidamente no solo com a distância.
. Período de polinização: Março e abril.
Quenopódio
. Nome comum: Quenopódio, amaranto, bredo, caruru, erva-fedegosa, fedegosa, beterraba, espinafre
. Alergenicidade: Moderada
. Biologia/Ecologia: Anual e muito variável, encontra-se normalmente em baldios, margens de caminhos, muros, comunidades de infestantes dos campos de cultivo.
. Período de polinização: Abril a início de outubro
Salgueiro
. Nome comum: Salgueiro, salgueiro-branco
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: São plantas típicas das margens de cursos de água, zonas húmidas, solos aluviais e substratos arenosos ou areno-argilosos.
. Período de polinização: Durante o inverno e primavera, entre dezembro e março.
Funcho
. Nome comum: Funcho, cenoura, coentros, salsa
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Ocorre de forma expontânea ou cultivada por todo o país. Podendo-se encontrar em praticamente todos os “habitats”.
. Período de polinização: Julho a outubro
Urtiga
. Nome comum: Urtiga, urtigão, urtiga-maior, urtiga-menor
. Alergenicidade: Baixa
. Biologia/Ecologia: Plantas herbáceas ruderais e nitrófilas, muito comuns nos campos de cultivo, bermas de caminhos, lugares incultos e outros locais nitrificados.
. Período de polinização: O seu pólen pode encontrar-se no ar durante quase todo o ano, mas é coletado preferencialmente durante o inverno e primavera.
Fonte: SPAIC – Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica
Artigo publicado originalmente no Diretório de Saúde 2016 do RL. Nesta e noutras edições da revista que o REGIÃO DE LEIRIA publica anualmente, pode encontrar esclarecimentos de especialistas sobre diversos temas de saúde