O médico responsável pela autópsia de Valentina, a criança de 9 anos que morreu após graves agressões, admitiu hoje ao Tribunal de Leiria que a menina poderia ter sobrevivido, “com sequelas”, se tivesse sido socorrida.
A leitura do acórdão do processo em que estão acusados de homicídio qualificado o pai e madrasta de uma menina, morta em Peniche, estava agendada para hoje, mas o coletivo de juízes pediu para ouvir o perito que efetuou a autópsia.
Sem conseguir precisar o tempo em que ocorreu a morte da criança desde que foram infligidas as agressões devido ao “estado do corpo”, o médico legista, Carlos Durão, disse que “quanto mais cedo o socorro mais possibilidade de sobrevivência”.
“Seria pouco provável, tendo em conta que houve vários focos de hemorragia, que não foi galopante, mas existem casos de pessoas que sobrevivem com sequelas cerebrais”, acrescentou ao coletivo.
Carlos Durão também não soube garantir o período de tempo em que o socorro ter-se-ia que efetuar para garantir a sobrevivência da criança, mas apontou que seria “entre minutos e uma hora ou hora e meia”. “A medicina não é uma ciência exata”, destacou o médico.
A procuradora do Ministério Público, que pediu 25 anos de prisão para os dois arguidos, acrescentou hoje às suas alegações que o depoimento do perito “esclareceu que, pelo menos, se numa hora e meia se socorresse a menor, seria possível outro resultado”. Esta resposta “parece importante relativamente à arguida Márcia”.
A leitura do acórdão está agendada para o dia 21 de abril, às 14h00 no auditório da Batalha.
Na anterior sessão de julgamento, o Ministério Público (MP) de Leiria pediu 25 anos de prisão para o pai e para a madrasta de Valentina, que morreu em 2020, em Peniche, alegadamente vítima da violência.
O MP, que acusou o pai e a madrasta de Valentina dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria, garantiu que os “arguidos a mataram”.
Além da pena máxima pedida, o MP considerou ainda que o pai deve ser condenado na pena acessória de inibição do poder paternal, não inferior a dez anos.
“Não deverão beneficiar de qualquer atenuante. O modo executante é monstruoso”, salientou.
Também o advogado do pai, Roberto Rosendo, considerou que o seu constituinte deverá ser condenado por homicídio qualificado, mas não nas alíneas do Código Penal que consideram o ato “pelo prazer de matar” e “agir com frieza de ânimo”.
Por seu lado, a advogada da arguida, Anabela Branco, defendeu que Márcia não deverá ser condenada por homicídio, mas por “omissão de auxílio”.
“A arguida sempre teve uma postura de quem teve consciência dos atos praticados e do seu resultado, e sempre mostrou consciência da sua culpa. Ficou provado que a Márcia tentou proteger a Valentina. Puxou o arguido quando lhe batia e pedia para parar”, adiantou.
A advogada considerou ainda que poderá ter sido “negligenciado o dever de garante da mãe, do pai e do próprio Estado, através da CPCJ [Comissão de Proteção de Crianças e Jovens], que sinalizou Valentina, quando esta fugiu, e depois arquivou o processo”.
“A arguida errou, porque não pediu ajuda. Já assumiu esse erro. Tentou fazer aquilo que conseguiu, o resultado não foi o que quis, mas tentou”, salientou.
Segundo o despacho de acusação, a que a agência Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança está ainda acusado de um crime de violência doméstica.
A procuradora entendeu que, apesar de ter sido o pai a provocar as lesões que levaram à morte de Valentina, na Atouguia da Baleia, a sua companheira “nada fez para impedir e não tinha nenhum impedimento”.
Segundo o relatório da autópsia citado pelo MP, a morte de Valentina “foi devido a contusão cerebral com hemorragia subaracnóidea”.
O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d’El Rei (concelho de Peniche), e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o “falso desaparecimento” da criança.
Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina “a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma”, não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.