Depois de mais de três anos de investigação, o Ministério Público (MP) decidiu pelo arquivamento de uma queixa-crime apresentada por um munícipe da Marinha Grande que apontava responsabilidades a várias entidades públicas e privadas pelo fogo que, em 2017, consumiu cerca de 86% do Pinhal de Leiria.
A entidade responsável pela mancha florestal atingida pelas chamas, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), estava no centro da queixa que contou com posteriores aditamentos que pretendiam que fossem apuradas igualmente responsabilidades da Câmara da Marinha Grande e EDP, nomeadamente no que se refere ao cumprimento de diversas obrigações legais.
A denúncia apontava a ausência de limpeza de várias partes do Pinhal, no período anterior ao incêndio de outubro de 2017, como tendo contribuído decisivamente para o impacto devastador do fogo. Foi igualmente apontada a falta de operações de limpeza por parte do município e da EDP, nos prazos e moldes previstos no âmbito do Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) da Marinha Grande.
Num recente aditamento, efetuado em abril, o autor da queixa reforça os argumentos que sustentam que o Pinhal de Leiria estava votado ao abandono, contestando a tese entretanto veiculada publicamente por elementos do ICNF, de que os ventos fortes que se sentiam no dia do incêndio tivessem sido o fator decisivo para o impacto das chamas.
A queixa do munícipe já não era solitária neste processo, atendendo que, entretanto, cinco proprietários florestais se juntaram ao caso, com uma denúncia autónoma, contra incertos, reclamando prejuízos de 1,5 milhões de euros, consequência de 230 hectares de floresta que arderam na sequência do fogo no Pinhal.
O Ministério Público não entendeu, todavia, dar provimento à denúncia, afastando que tenha ficado demonstrada a existência dos crimes aí considerados: administração danosa, dano qualificado, omissão de auxílio e ofensa à integridade física negligente.
Em síntese, o MP considera não ser possível assacar ao ICNF a prática do crime de administração danosa, porquanto o instituto não é uma empresa pública. Aqueles a quem incumbia a conservação e gestão do Pinhal de Leiria (também conhecido como Pinhal do Reio ou Mata Nacional de Leiria), de entre os quais, em primeira linha, os dirigentes do ICNF, e ou quem aja sob as suas ordens e instruções, não são legalmente passíveis de ser agentes deste crime, aponta o despacho de arquivamento.
E porquê? Entre outros argumentos, porque seria necessário existir dolo direto. Ora, adianta o MP, o Pinhal representava uma receita considerável e o fogo implicou, por sua vez, uma elevada perda patrimonial. Um facto que, argumenta, afasta qualquer intencionalidade nas ações do ICNF no sentido de contribuir para os impactos do fogo.
MP não encontrou provas sobre denúncia de comandante
O crime de dano qualificado também não foi considerado sustentado, admitindo o MP que, quanto muito, este crime poderia ser assacado ao autor do incêndio, investigado num outro inquérito.
Recorde-se que este fogo conheceu, por parte da justiça, uma decisão em novembro de 2019. A mulher acusada de ter sido a autora de uma queimada, cujo reacendimento terá contribuído para os incêndios de outubro de 2017 no Pinhal de Leiria, foi absolvida pelo Tribunal de Alcobaça.
O eventual crime de omissão de auxílio também foi afastado. Em causa estava a alegada falta de mobilização de meios, por parte do ICNF, para o combate das chamas que consumiram o Pinhal.
Esta foi uma situação que chegou a ser denunciada pelo comandante dos Bombeiros Voluntários da Marinha Grande, numa carta aberta escrita em outubro de 2017, ao ministro da Agricultura. No entanto, o Ministério Público considerou não terem sido reunidas provas que o sustentem.
Já quanto ao eventual crime de ofensa à integridade física negligente, nomeadamente quanto aos ferimentos sofridos por bombeiros que combateram as chamas, o Ministério Público considera que não é possível sustentar que a atuação dos responsáveis pela conservação da Mata Nacional de Leiria, que se vêm a suceder ao longo dos anos e sujeitos a políticas ambientais politicamente impostas, causasse, ainda que negligentemente, tal resultado.
O autor da queixa alvo do recente arquivamento, admite vir a recorrer à figura de intervenção hierárquica e que, na prática, implica que o caso volte a ser analisado, desta feita por um outro magistrado do Ministério Público, hierarquicamente superior.