É um dia especial para Hirondino Pedro. Desde o fim de abril já orientou dezenas de visitas à “Casa comum” que partilha com Sílvia Patrício no Banco das Artes Galeria. Mas, na semana passada, quinta-feira, esperava os alunos da Escola Básica da Coucinheira, na freguesia de Amor. “É a minha terra, andei quatro anos naquela escola”. Momento emocionalmente forte, mas, em boa verdade, todas as visitas que faz são assim. Pinta há quatro décadas, mas esta exposição é diferente. “É um receituário de salvação da vida”. Quer ali, e a partir dali, incutir princípios que nos retirem da “embrulhada existencial, ambiental e de valores em que estamos”.
Como conseguir numa exposição tal dimensão salvífica? “Uns valores [chegam] através da natureza, outros da potencialidade da arte e daquilo a que ela apela: o pensamento, o ver com atenção, o entender com a mente e o coração”.
“Nós sabemos o perigo, toda a gente nos avisa, e continuamos sem constituir um bloco de valores que nos possam tirar disto”, desabafa, como quem procura encontrar forças na desilusão.
Nessa missão conta com a artista plástica Sílvia Patrício para uma parceria feliz. “Reparei que ela estava a pintar uma natureza transcendente”. Vai daí convidou-a a construir “Casa comum”, um edifício que se constrói com muita pintura, escultura, instalação e desenho, cruzando nos dois pisos do Banco das Artes Galeria – o antigo Banco de Portugal de Leiria – o lado telúrico do pintor com a criação etérea da artista natural de França e estabelecida em Leiria.
“‘Casa Comum’ abre-se, numa reflexão a dois, que se faz como convite a todos, a nossa casa, a nossa terra, o nosso lugar, a nossa humanidade”, sintetiza online Sílvia Patrício sobre a exposição feita de “metáforas, analogias, histórias e algumas provocações”.
Fibonacci, “praia” e cobra
E, entretanto, chegam as crianças da Coucinheira. Invadem o espaço, bem-dispostas, interagindo com uma exposição que se toca, cheira, interroga. “O que é isto?”, questiona um aluno, apontando para uma pele de ovelha branca. “Pensava que era de urso polar”, diz, algo desiludido, mas refastelando-se nela.
Ali, no piso térreo, há água, terra, laranjas, plantas, muita pintura. E até um búzio, apelando à fascinante sequência de Fibonacci. Lá em cima há mais tributos à natureza e os quadros hipnóticos de Sílvia, além de umas desconcertantes braçadeiras de bronze e até uma… “praia” de areia, numa sala onde se mergulha em azul.
“A grande ideia desta exposição é a possibilidade da vida continuar a existir, a vida no sentido lato, não só humano”, conta Hirondino. Todos somos dependentes de todos, mas esquecemo-lo. “Na prática vivemos como humano a explorar e a destruir, sem ter noção disso”.
Esta exposição é “um contributo para mudar isso” a partir da consciência de cada visitante. Para alimentar essa pretensão, o pintor já fez mais de 30 visitas com crianças e adultos. E a todos explica que qualquer um pode ser artista. “Não é preciso cartão do ‘sindicato dos artistas’. É ter uma relação criativa e ativa com o mundo. É uma capacidade vital que tento aqui ativar”.
Entretanto, aos mais pequenos atiça-lhes os sentidos: “Que animais estão aqui?”. AS crianças da Coucinheira encontram a galinha, a raposa, o pássaro, o coelho e até uma cobra. “Cobra? Onde? Ah, não tinha pensado nisso, mas é mesmo”, surpreende-se Hirondino. “Eles reconhecem coisas que os adultos não reconhecem”, até porque “a velocidade normal dos adultos”, numa exposição, como na vida, “é a de ver montras”.
Também por isso, Hirondino apresenta aqui uma outra noção de beleza. “Hoje a beleza serve para vender produtos. Beleza é hoje uma noção criada pela indústria e pelo comércio”. Através da pintura e da instalação, serve-nos a versão de Platão. “Beleza é mais moral do que aparência. Sinto que a arte tem essa função”.
As reações que tem recebido são “muito positivas”. “As pessoas saem felizes: uns dizem que é fresca, outros chamam-lhe floresta, mas também há quem chegue ao lado mais político”.
No fim de tudo, o que levam desta “Casa comum” os alunos da Coucinheira? “Espero que fique na cabeça deles como uma coisa muito feliz. É a maneira de nos relacionarmos com as coisas: pela felicidade”.
A menina das meias verdes
“Casa comum” tem um ponto alto este domingo, dia 18 julho. A partir das 16 horas acontece a performance “A menina das meias verdes”, criada a interpretada por Inesa Markava no âmbito do projeto “Museus Imaginários”.
“Vai ser uma coisa miraculosa. O que ela faz é de uma beleza estonteante. Ela tem uma capacidade enorme de entender as peças e de o transpor com tal entendimento sensibilidade que nos abana emocionalmente. Vejo as peças melhor depois da performance dela”, admite Hirondino Pedro.
“Será um grande momento, vou participar mas prometo que não danço [risos]”, promete o pintor.
As inscrições para a performance “A menina das meias verdes” são gratuitas e podem ser feitas pelo e-mail bancodasartesgaleria@cm-leiria.pt ou telefone 244 839 619.