Um dos técnicos que assinou o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), que avaliou os incêndios na região Centro em junho de 2017, afirmou esta terça-feira, dia 6, que Portugal não tinha técnicos especializados de apoio à decisão.
O investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Paulo Fernandes, adiantou ao coletivo de juízes do Tribunal de Leiria que para haver antecipação no combate ao incêndio é necessário “um conhecimento especializado”, que virá “de cima para baixo e quem recebe a informação cumpre-a”.
No entanto, à data do incêndio de Pedrógão Grande, “Portugal não tinha um único técnico especializado para apoio à decisão”.
“Aquilo que um comandante de bombeiros pode fazer localmente depende muito dos meios que tem e esse tipo de conhecimento [especializado] não se espera que um comandante local tenha. Há pessoas especializadas em incêndios, que depois traduzem essa informação”, reforçou.
Paulo Fernandes constatou ainda que a janela de oportunidade para combater o fogo de Pedrógão Grande era pequena. “Qualquer incêndio necessita de cerca de 20 minutos para atingir o máximo, fizemos simulações para aquelas condições e até o fogo ficar fora do controlo poderia ser menos tempo. Talvez até sete minutos. O fogo estava a crescer e a ganhar intensidade e depois ficou fora da capacidade, por muitos meios terrestres ou pesados”, admitiu.
O especialista adiantou ainda que o “planeamento do despacho de meios” é feito “ao nível distrital ou nacional e está fora do âmbito local”.
Paulo Fernandes afirmou também que a deteção do incêndio de Regadas foi tardia. “A resposta foi bastante rápida, em cinco minutos, mas a torre de vigia mais próxima não estava ativa”, pelo que o alerta só foi dado “quando as pessoas da aldeia viram o fogo e a resposta quando foi feita já se tinha perdido a janela de oportunidade”.
Questionado sobre se a gestão de combustível teve alguma influência na propagação do incêndio, o investigador sublinhou que “tendo em conta as características do incêndio e cruzando isso com a informação científica que relaciona a distância de segurança das chamas e o vento” respondeu que “não”.
“As distâncias de [gestão de combustível] são calculadas para um equipamento de proteção individual, não para o cidadão comum. São distâncias muito insuficientes para as pessoas que iam naquela estrada”, afirmou.
Face à pergunta se “a gestão de dez metros é inócua perante este incêndio”, Paulo Fernandes concordou, explicando que a distância estabelecida “não é para proteger as pessoas”, pelo que “não pode passar pela cabeça que as distâncias teriam algum efeito na proteção da vida humana”.
Paulo Fernandes defendeu ainda que o Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios é “muito burocrático” e que não é “um verdadeiro plano de prevenção de incêndios”.
“São diagnósticos, um mapa de risco e de perigo. Em termos de impacto real no desfecho do incêndio acabam por ser pouco relevantes”, constatou.
Presente no tribunal, Marc Castellnou Ribau, que também integrou a CTI, lembrou as condições atmosféricas da data, ao referir que “ninguém previa que a progressão do incêndio desse um salto de um quilómetro para 12 quilómetros por hora”.
“Levou meses a entender isto e fizemo-lo sem a pressão do momento”, declarou.
Nestes incêndios, o Ministério Público (MP) contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
A CTI foi criada pela Assembleia da República na sequência dos incêndios florestais ocorridos nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã de 17 a 24 de junho de 2017. A sua missão foi fazer uma avaliação independente sobre estes fogos.
Estão a ser julgados por crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns graves, mais 11 pessoas, incluindo o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, dois funcionários da EDP, três elementos da Ascendi e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.
Os presidentes das Câmaras de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente, também foram acusados.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.