A ex-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) Ana Abrunhosa afirma, no processo sobre eventuais irregularidades na reconstrução de casas de Pedrógão Grande, que o Fundo Revita só podia apoiar a reconstrução de habitações permanentes.
“Saliento que a CCDRC, e eu própria, sempre considerámos que o Fundo Revita só podia apoiar a reconstrução/reabilitação de habitações permanentes”, diz Ana Abrunhosa, atual ministra da Coesão Territorial, no depoimento escrito no âmbito do processo que está em julgamento no Tribunal Judicial de Leiria.
O Revita é um fundo de apoio às populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017. Agrega a recolha de donativos em dinheiro, em espécie de bens móveis ou em serviços.
A sua Comissão Técnica integra elementos designados pelos presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera, Figueiró do Vinhos e Pedrógão Grande, três elementos da CCDRC e dois da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.
Já do Conselho de Gestão fazem parte um representante do Instituto da Segurança Social (que preside), um outro designado por aqueles municípios e um representante indicado pelas instituições particulares de solidariedade social e associações humanitárias de bombeiros do distrito de Leiria.
Segundo Ana Abrunhosa, a CCDRC recebia dos municípios os formulários dos pedidos de apoio para reconstrução de habitações, que analisava documentalmente. Seguidamente, as autarquias “procediam à apreciação e prévia validação dos pedidos de apoio que submetiam à Comissão Técnica”.
“Era no âmbito desta comissão que os processos eram analisados” e, quando validados, remetidos ao Conselho de Gestão para aprovação, explica.
Referindo nunca ter participado na análise de processos nem em reuniões dos órgãos do Fundo Revita, a agora ministra da Coesão Territorial sustenta que a participação da CCDRC na Comissão Técnica, assim como as interações desenvolvidas com os municípios, “assentaram sempre no pressuposto de que os apoios só se destinavam à reconstrução ou reabilitação de habitações permanentes”.
A ex-presidente da CCDRC adianta não ter conhecimento se alguma vez foi equacionada, no âmbito do Revita, a concessão de apoios para reconstrução de casas não permanentes, esclarecendo que a Lei do Orçamento do Estado para 2018 “aprovou um mecanismo de apoio (…) para a reconstrução de habitações não permanentes afetadas” pelos fogos de 2017, “mediante a concessão de empréstimos aos municípios, através do Fundo de Apoio Municipal”.
Por outro lado, a governante declara-se convicta de que caso os membros da Comissão Técnica tivessem conhecimento de que estariam a aprovar candidaturas que não diziam respeito a habitações permanentes os elementos da CCDRC “apresentariam uma posição desfavorável à concessão do apoio”.
De acordo com a testemunha, a responsabilidade de verificar a elegibilidade de uma candidatura “competia aos municípios”, nos termos do regulamento do Fundo Revita.
Quanto ao protocolo entre Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e Instituto da Segurança Social, para, entre outros, apoiar a reconstrução e apetrechamento de casas afetadas pelos incêndios, salienta que a parceria FCG/UMP “aderiu aos mesmos critérios e condições de elegibilidade do Fundo Revita” e que “não estaria disposta a financiar a recuperação” de habitações não permanentes.
Sobre os contactos que estabeleceu com a parceria, Ana Abrunhosa refere que “assentaram sempre no pressuposto de que as habitações carenciadas de financiamento eram habitações permanentes e que já estavam verificadas e validadas pela autarquia”, admitindo que se sentiria enganada se as habitações constantes das listas enviadas pela CCDRC àquela parceria não fossem todas habitações permanentes.
“A confirmar-se que se trata de habitações não permanentes sinto-me profundamente constrangida por ter induzido em erro, involuntariamente, instituições com enorme credibilidade e trabalho de excelência nas áreas sociais”, acrescenta.
Já em esclarecimentos posteriores enviados ao Tribunal e na sequência da pergunta sobre como se aferia se as habitações eram permanentes ou tinham outra tipologia, a ministra explica que “competia às autarquias locais (municípios e freguesias) avalizar essas situações, dado o seu conhecimento anterior ao incêndio”, e “tendo como pano de fundo o regulamento aprovado pelo Conselho de Gestão”.
Ana Abrunhosa sublinha ainda estar certa de que todas as habitações permanentes em Pedrógão Grande foram apoiadas, embora existam algumas com apoio concedido por reconstruir devido à suspensão determinada pelo Conselho de Gestão, “para as situações que ainda decorrem no foro judicial”.
O julgamento das alegadas irregularidades na reconstrução das casas em Pedrógão Grande após os incêndios de junho de 2017 começou em 26 de outubro de 2020, sendo retomado em 9 de setembro.
O processo conta com 28 arguidos, incluindo o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, e o ex-vereador deste município Bruno Gomes. Estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.