São uma grande incógnita para os mais novos, aqueles “donuts” forrados a tecido colorido que descansam em cima da mesa da Galeria Manuel Artur Santos, construídos por Júlia e Carlos.
O etnógrafo de Leiria que dá nome ao espaço expositivo do Mercado de Santana ficaria orgulhoso com o que, por estes dias, está a acontecer no espaço a que dá nome: até domingo ali ensina-se a fazer rodilhas, peça tradicionalmente usada por mulheres e por homens no trabalho no campo e em tarefas com ir buscar água.
No âmbito da AR&PA – Bienal Ibérica de Património Cultural, artesãos dos ranchos do concelho de Leiria estão a ensinar como fazer bonitas rodilhas, uma arte que se vai perdendo no tempo.
“Eu já não as fazia há 30 e tal anos”, desabafou esta manhã Júlia Pimentel, do Rancho dos Parceiros, “escalada” para ser a primeira a ensinar os segredos da rodilha.
Com restos de trapos e peças de roupa usada, Júlia e também Carlos Domingues, do Rancho Juventude Amigos dos Conqueiros, construíram várias peças sob o olhar tímido, rápido mas curioso de alunos que visitaram a bienal esta quinta-feira, no arranque do certame.
“Isto está em desuso. As pessoas não sabem o que é, nem a utilidade e muito menos como são feitas”, conta o também dirigente da Associação Folclórica da Região de Leiria – Alta Estremadura, instituição que, por isso mesmo, decidiu participar na bienal ensinando como construir rodilhas.
Se muitos adultos as desconhecem, para as crianças são verdadeiro um enigma. “Explicamos que eram para levar a cantarinha à fonte e eles perguntam: ‘À fonte para quê?’. E temos de explicar que antigamente não havia água canalizada como hoje temos”, conta Carlos Domingues.
Utilizadas em todo o país, as rodilhas ajudavam a transportar à cabeça ou ao ombro cântaros com água e outro vasilhame, como poceiros com uvas ou outros produtos agrícolas.
No trabalho no campo, optava-se pelas mais simples, geralmente negras, enquanto as mais elaboradas e coloridas eram reservadas para momentos mais sociais, explica Carlos Domingues. “Quando se ia à fonte usavam-se as rodilhas mais bonitas, porque se encontrava a comadre no caminho. Havia um brio maior”.
As mulheres usavam-nas à cabeça, para equilibrar cântaros e cestos, nas frequentes idas à fonte ou às feiras, por exemplo. Já os homens – que “eram uns malandros e não iam à fonte!”, recorda, divertida, Júlia Pimentel -, recorriam às para amortecer a carga de produtos agrícolas ao ombro.
E hoje, que utilidade podem ter? “Ainda podem ser usadas à cabeça, mas são mais para decorar as paredes em casa ou como base para tachos”, diz Carlos Domingues.
Até domingo, artesãs dos ranchos da Bidoeira de Cima, dos Parceiros e dos Barreiros vão estar na Galeria Manuel Artur Santos a ensinar quem quiser aprender a fazer rodilhas: na sexta-feira, dia 15, às 10 horas, 11h30, 14 horas e 15h30; sábado e domingo às 10 e às 15 horas.
A participação nas oficinas é gratuita e, além de rodilhas, a Bienal Ibérica de Património Cultural convida a trabalhar o barro com artesãos da Bajouca, aprender com a SAMP mais sobre instrumentos como o bombardino e a trompa, construir brinquedos ópticos, pintar azulejos ou experimentar arqueologia.
Mais informações sobre as oficinas e todo o programa da bienal estão disponíveis aqui.