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Cultura

Caminhada no polje relembra ligação e afinidade entre Minde e Mira de Aire

Local foi escolhido pela simbologia do trabalho de ligação entre duas comunidades marcadas por alguma rivalidade, mas também por muitos aspetos sociais e culturais comuns.

Uma caminhada pelo polje de Minde abriu os últimos dias do Festival Materiais Diversos, evento que encerrou hoje, ao fim da tarde, com um concerto de Surma, mudado, “por razões meteorológicas”, do coreto para o Cineteatro Rogério Venâncio.

A decorrer desde 5 de outubro, com a primeira semana centrada no concelho do Cartaxo e a segunda no de Alcanena, ambos no distrito de Santarém, o Festival Materiais Diversos (FMD) abriu a programação do último fim de semana com uma caminhada orientada pela associação Movimento Mira-Minde pelo polje situado entre as povoações de Minde (Alcanena, Santarém) e Mira d’Aire (Porto de Mós, Leiria).

A escolha da grande depressão cársica que se localiza entre as povoações de Mira d’Aire e Minde (que, no inverno, forma frequentemente um lago) para uma caminhada entre duas povoações de freguesias, concelhos e distritos diferentes foi escolhida pela simbologia do trabalho de ligação entre duas comunidades marcadas por alguma rivalidade, mas também por muitos aspetos sociais e culturais comuns, e pelo entrosamento com a filosofia do festival.

“[A Materiais Diversos] trabalha muito o território, as pessoas, as culturas locais, e nós, estando aqui, foi como dois caminhantes que vão fazer um caminho no mesmo percurso e se encontram e começam a conversar”, disse à Lusa Miguel Tristão, do Movimento Mira-Minde.

Foto: Maria João Soares / Materiais Diversos

A ligação ao festival, acabando por integrar a sua programação com a visita ao polje e a conversa “O que é isso da transição?”, surge “naturalmente” – num ano em que o movimento se começou a consolidar e em que o festival assumiu um formato que investe na “desaceleração”, oferecendo a artistas e espectadores “tempo para (se) experimentar” – e convida a “um entendimento diferente do tempo e do que são os encontros”, como sublinhou a associação Materiais Diversos, que promove o FMD.

“Existe toda uma dinâmica cultural que vibra aqui, no meio destas serras (Aire e Candeeiros e Santo António), e que acaba por fazer parte da vida das pessoas e a Materiais Diversos acaba por conjugar bem com isso”, afirmou, salientando o facto de este território possuir uma língua própria, o minderico, as mantas, um movimento associativo “fortíssimo”, várias escolas de música e um festival de jazz já com longa tradição, a que se junta desde 2009 o FMD.

Miguel Tristão explicou o surgimento do movimento com o fim de um modelo económico – o da industrialização têxtil, que trouxe riqueza e desenvolvimento, mas que se “esgotou” e deixou um passivo por resolver e um território sem atratividade para fixar os jovens ou atrair novos habitantes.

“O que nos traz o futuro é uma pergunta que deve surgir naturalmente na cabeça de todas as pessoas em todos os lugares, mas aqui, com o fim do ciclo industrial, a pergunta começou a surgir mais alto”, referiu. A pergunta, acrescentou, acabou mesmo por juntar duas terras vizinhas – uma, Mira, “filha” da outra, Minde -, que “uma linha divisória puramente administrativa” acabou por repartir, causando “muita entropia”, agravada pelas regras impostas com a criação do Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros.

O movimento adotou um modelo sociocrático, envolvendo as pessoas na tomada de decisões, e tem procurado sentar à mesma mesa todas as entidades envolvidas no território, com o objetivo de “criar dinâmicas, fazer acontecer, convidando à “apresentação de ideias”, a “um exercício de imaginação” para se “encontrar um futuro junto”.

Nessa procura “do que se poderá fazer” surgiram algumas ideias no sentido da “valorização dos territórios e invenção de novas atividades económicas ou a captação de algumas que estejam alinhadas com o desenvolvimento perspetivado em conjunto”, afirmou Miguel Tristão.

Foto: Maria João Soares / Materiais Diversos

A “mata”, nome comummente dado aos terrenos do polje, acabou por ser o espaço que concentrou mais ações neste arranque do movimento, com a marcação de caminhos que unem as duas povoações e a identificação de espaços que fazem parte da memória coletiva, como o rio que marca a fronteira, que de um lado é “poio” e do outro é “pena”, ou o “regatinho”.

A caminhada não esqueceu os resquícios da era industrial, com a passagem por uma antiga fábrica de curtumes, desventrada, com o que resta de uma caldeira, e com material poluente que alguém um dia terá de retirar e descontaminar, legado que, findo o lucro, foi deixado ao município, segundo Miguel Tristão.

“Se calhar, a solução para nós passa por haver uma maior reaproximação à natureza ou um reaproveitamento das características endógenas do nosso sítio, uma recuperação da nossa cultura pré-industrial, mas sem que voltemos às dificuldades da vida antiga, porque […] todos estes fluxos tecnológicos e económicos também nos trouxeram qualidade de vida”, disse.

O Mira-Minde insere-se no movimento internacional da Transição, que preconiza “não o corte de modelos”, mas sim a mudança de um sistema para o outro através do envolvimento das pessoas, por se identificarem com causas, processo que é facilitado pelas novas tecnologias.

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