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Sociedade

Fotógrafo de Leiria percorre caminhos entre Portugal e Espanha à procura das fronteiras do século XXI

Nos primeiros 400 quilómetros a pé pela raia, José Luís Jorge visitou um micro-estado independente até 1864, ouviu muitas histórias sobre contrabando e resistiu ao cerco de quatro cães. Chegar ao Douro é o primeiro objetivo de “Linha de Fronteira”, que o levará até à foz do Guadiana.

Em 1509, Duarte d’Armas palmilhou a fronteira entre Portugal e Espanha, desenhando, a pedido de D. Manuel I, os castelos e fortalezas portuguesas. Em 2021, José Luís Jorge está a seguir-lhe as pisadas, mas leva outra missão: perceber o que significa, afinal, essa linha política que separa os dois países ibéricos, num tempo em que vigora a livre circulação de pessoas e bens.

Há muito que o fotógrafo de Leiria ambicionava seguir este caminho, de modo a registar em fotografia as fortificações desenhadas no século XVI. “A ideia surgiu há vários anos, depois de uma pesquisa na internet em que descobri o livro de Duarte d’Armas. Fiquei empolgado com a ideia de percorrer o mesmo percurso, indo de castelo em castelo”.

Desde 27 de setembro que José Luís Jorge cumpre o plano, no sentido inverso ao realizado pelo escudeiro de D. Manuel I. Começou na foz do rio Minho e tem como destino o ponto onde o Guadiana encontra o mar. Mas tarefa será repartida por três jornadas: até ao Douro nesta primeira; na primavera fará a ligação daí ao Tejo; e depois completará o percurso até Vila Real de Santo António.

Em pouco menos de um mês já percorreu cerca de 400 quilómetros, perdeu perto de cinco quilos, teve encontros surpreendentes e também apanhou sustos para a vida.

“É preciso estar bem e fisicamente e mentalmente preparado”, desabafa José Luís Jorge ao REGIÃO DE LEIRIA por telefone, numa paragem para recuperar em Bragança.

A exigência do desafio fá-lo admirar ainda mais o autor do “Livro das Fortalezas”. “Se para mim está a ser difícil, para Duarte d’Armas então… Deve ter sido absolutamente extraordinário”, imagina, projetando para há 500 anos atrás os obstáculos encontrados.

Nestas primeiras semanas, a geografia foi o maior “adversário”. “O mais difícil penso que já fiz, na parte das serra da Peneda, Soajo, Gerês e serra Amarela. Cheguei a passar a 1.300 metros de altitude!”.

Ao longo do caminho, José Luís Jorge tem cumprido o plano inicial de passar pelos castelos ilustrados por Duarte d’Armas, fotografando-os a eles como também às belíssimas paisagens que atravessa, complementando com pequenos vídeos e entrevistas informais com quem se cruza.

“Linha de Fronteira”, como intitula a viagem que agora começou, já está repleta de motivos de interesse: o fotógrafo pisou o ponto mais setentrional de Portugal, “altamente simbólico”, Cevide, onde está o primeiro marco da divisão entre Portugal e Espanha; ouviu muitas histórias sobre o contrabando, que engordou fortunas; encontrou fortuitamente o famoso padre Fontes em Vilar de Perdizes, “um momento muito estranho e muito forte”; dormiu num antigo posto da Guarda Fiscal, em São Vicente da Raia; e visitou o Couto Misto e a sua incrível história enquanto micro-estado independente de Portugal e de Espanha até 1864.

Este conjunto de informações e experiências tem contribuído para perceber melhor o que é hoje, no século XXI, esta fronteira num tempo em que a ligação entre Portugal e Espanha se tornou radicalmente permeável. Afinal, “o que significa hoje, em comparação com os tempos anteriores a 1993, quando foi a libertação das fronteiras, viver na fronteira?”, interroga.

Depois do fim das fronteiras como antes as conhecíamos, as relações de vizinhança entre as povoações da raia conheceram “um incremento tremendo”. Nos cafés, nos mercados, no dia a dia, José Luís Jorge tem encontrado quase tantos espanhóis quanto portugueses em território nacional. “E do outro lado passa-se o mesmo”. Todos circulam “como nós vamos à Batalha ou a outro sítio à volta de Leiria”. Por ali, contam-lhe, fala-se “raiano”, uma mistura de português, galego e espanhol. “Vão uns às terras dos outros, conhecem-se todos”.

Essa realidade da raia dos tempos modernos vai continuar a alimentar esta viagem que não tem sido isenta de sustos.

“Os maiores são os cães”, exclama. No território do lobo-ibérico, “que não representa qualquer tipo de perigo para as pessoas”, os cães pastores “podem matar se entramos no perímetro deles – atacam-nos sem dó nem piedade”. E José Luís Jorge não vai esquecer o momento em que foi rodeado por quatro castro-laboreiros, “que chegam até à cintura”.

Ainda hoje está para perceber como saiu daquela situação. “Vieram direitos a mim e rodearam-me. Avancei devagarinho, a falar com eles e quando se distraíram com duas viaturas, afastei-me o suficiente”.

Sustos à parte, habituado a muitas viagens, José Luís Jorge diz que esta não é comparável a nenhuma outra que já tenha feito. Nem sequer às que fez a pé, como a subida ao Monte Quénia e a caminhada de um par de semanas no Atlas marroquino, que empreendeu nos anos 90.

“Já sabia que ia ser duro, mas não sabia que era tão duro. Mas ainda bem, porque se soubesse não tinha feito”, afirma. Continuar é, agora, quase uma questão de orgulho. “Já estou no caminho, não sou homem de desistir. Agora já levo isto quase como uma missão. Chegar ao Douro é a missão”.

“Linha de Fronteira” de José Luís Jorge pode ser acompanhada online, nesta conta de Instagram.

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