Um dirigente de uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) de Leiria acusado do crime de falsas declarações, por alegadamente ter conseguido que uma pessoa fosse vacinada contra a Covid-19 apesar de não ser prioritária, não vai a julgamento.
“Assim, face a todo o exposto, decido não pronunciar o arguido (…) pela prática do crime de falsas declarações que lhe foi imputada, ou de qualquer outro crime, ordenando o oportuno arquivamento dos autos”, lê-se na decisão instrutória do Juízo de Instrução Criminal de Leiria.
O caso remonta a 20 janeiro, no âmbito da primeira fase do processo de vacinação contra a covid-19 do grupo prioritário “profissionais e residentes em lares e instituições similares”, segundo o despacho de acusação.
O Ministério Público (MP) referiu que uma equipa de profissionais de saúde do Agrupamento de Centros de Saúde Pinhal Litoral deslocou-se ao Lar de São Cristóvão, afeto ao Centro Social Paroquial da Caranguejeira, no concelho de Leiria, munida da lista dos nomes – utentes e profissionais – elegíveis para a vacinação, previamente fornecida pela IPSS.
No ato da inoculação, uma auxiliar declinou, tendo a equipa de enfermagem necessitado de encontrar um substituto.
O MP relata que o tesoureiro da IPSS, que acompanhava o ato vacinal, “desejoso que estava de agradar” a um benemérito da instituição, viu “na recusa da funcionária uma oportunidade” de o incluir no grupo.
De acordo com o despacho de acusação, o benemérito já teria feito saber ao dirigente “o quanto tinha receio de ser contaminado e como gostaria de, quanto antes, ser vacinado”.
O MP explicou que o tesoureiro “declarou à chefe da equipa de enfermagem que havia uma pessoa pertencente à direção, habitual frequentador do espaço, que chamaria de imediato, e que não constava da lista por lapso”.
O despacho de acusação assinalou, porém, que o benemérito não pertencia aos órgãos sociais da IPSS, “como não estava sequer, desde há largos meses”, autorizado a circular no lar devido ao plano de contingência do Centro Social Paroquial, além de que, com as normas em vigor à data, “não cumpria qualquer critério de elegibilidade para vacinação prioritária”.
O juiz de instrução criminal considerou que, “como já resultava da prova produzida no inquérito e ficou ainda mais explícito perante aquela produzida na instrução”, só a chefe da equipa de enfermagem e o arguido “têm conhecimento direto da(s) conversas(s) entre eles mantida, que conduziu à chamada” do benemérito para ser inoculado.
Enquanto a primeira “sustenta a versão dessa conversa que consta da acusação”, o arguido “nega terminantemente (…), deixando claro que o mesmo era benemérito da instituição e não membro da direção”.
Na decisão instrutória, que cita outros testemunhos, o juiz escreveu que “não se vislumbra, desde logo, que outra prova possa encontrar-se que permita melhor esclarecimento da questão”.
“Em segundo lugar, extrai-se do exposto que a versão do arguido se mostra plausível e suportada por indícios complementares que reforçam a sua credibilidade”, adiantou.
O despacho acrescentou que, “finalmente, conclui-se não poder afirmar-se que a versão” da chefe de enfermagem, que “suporta a acusação, se impõe, para além de uma dúvida razoável, face à contrária apresentada pelo arguido”.
Notando que “é a quem acusa que se impõe sustentar-se em indícios suficientes”, o magistrado judicial referiu ainda que perante um “impasse probatório, perante um ‘non liquet’ [não está claro] quanto à prevalência indiciária de uma de duas versões antagónicas, é imperativo que se considerem insuficientes os indícios recolhidos”.