Hanna, 45 anos, e Vyacheslav, 16 anos, são os primeiros refugiados da Ucrânia a chegar ao Centro de Acolhimento Temporário de Leiria, que disponibilizou 54 camas, para já, nos camarotes do Estádio Municipal de Leiria.
Ao chegarem ao piso dos camarotes, Hanna e Vyacheslav têm o olhar um pouco perdido. Falam apenas ucraniano e russo. Nas mãos, trazem uma mochila e sacos. Tudo o que têm. As lágrimas enchem os olhos de Hanna, que soube recentemente que também está infetada com covid-19.
“O mais importante é salvar a minha vida e a do meu filho”, afirmou à agência Lusa Hanna, através das palavras de Natalya, mulher de origem russa a viver em Leiria, que tem estado envolvida na ajuda aos ucranianos e que serve de intérprete.
Mãe e filho viviam em Boyarka, a cerca de 20 quilómetros de Kiev. No primeiro dia da invasão da Rússia, pelas 5 horas, registaram-se duas explosões. Os alarmes de carros dispararam. “Foi aterrador”.
Segundo contou, na sua cidade houve gasolineiras e armazéns de cosméticos destruídos. “O ar e a água ficaram contaminados”, adiantou, ao referir que a sua cidade fica no meio de outras que têm sido atacadas, perto do aeroporto militar Vasylkov.
O filho, por ter problemas cognitivos, não ficou a combater e insistiu com a mãe, no dia 26, que tinham de fugir. Hanna estava a fazer o almoço e largou tudo. Pegaram numa mala de viagem e numa mochila com os principais bens.
Chegaram a Kiev à boleia de um comboio, que já estava em andamento, quando os dois acenaram insistentemente para o maquinista parar.
Na capital, outro comboio levava refugiados para a Polónia, mas as três carruagens eram pequenas para tantos. “Começaram a disparar e não queriam que os ucranianos entrassem. Insisti e disseram-me que teria de escolher entre entrar o meu filho ou a nossa mala”, relatou.
Hanna não pensou um segundo. Ela e o filho fizeram a viagem de cerca de 17 horas no chão do comboio, à porta da casa de banho. “Num espaço para quatro pessoas estavam 17”, recordou.
Foi na Polónia que um grupo de voluntários lhe disse que poderiam vir para Portugal. “Voluntários de Porto de Mós [distrito de Leiria] pagaram o bilhete de avião. Não conheço as pessoas e quando não tiver covid quero agradecer-lhes pessoalmente. No meio disto tudo, tivemos muita sorte. Custa acreditar que alguém sem nos conhecer nos ajude a vir para Portugal, sem ter de pagar um cêntimo”, disse Hanna, ainda a refazer-se de todas as emoções que tem vivido.
O pai, de 74 anos, e uma amiga, com dois filhos, ficaram na Polónia. “Disseram-nos que os vão colocar na lista para virem nos autocarros que vêm para Portugal”, acrescentou.
Hanna afirmou ainda que uma das piores coisas da guerra foi o facto de o julgamento do atropelamento da mãe ter sido suspenso. A cabeleireira adiantou que a mãe terá sido atropelada por uma “pessoa com cargo importante” e que foi absolvido. Depois de ter interposto recurso, Hanna acreditava que “seria feita justiça”, na sessão que estava agendada para o dia 3 de março. “Foi uma situação muito difícil de ultrapassar e ajudaria a trazer tranquilidade”, confessou.
Na Ucrânia, ficou ainda uma casa recentemente comprada e que estava a ser alvo de obras. “É indiferente com quem estás ou onde estás. O importante é salvar a vida”, sublinhou.
Ainda sem pensar muito no futuro, Hanna pretende ter o seu espaço, trabalhar e o filho poder continuar o curso de cozinha.
Por ter covid-19, a Câmara de Leiria rapidamente montou um quarto para que pudesse cumprir os sete dias de isolamento, ficando com uma casa de banho só para si. Na porta ao lado fica a viver o filho.
A gratidão por tudo é muita e assim que lhe disseram que o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, estava a caminho, pediu: “Quero tirar uma fotografia com ele”. E assim fez.
O autarca disse à Lusa que este é um “trabalho que permite a integração junto da comunidade ucraniana em Leiria e dos leirienses”, pelo que está a ser desenvolvido de forma multidisciplinar, “com os funcionários do município, com o associativismo, com os profissionais ligados à área da saúde e da psicologia e técnicos da educação”.
“Numa fase posterior, iremos encontrar um sistema de apadrinhamento, quer com empresas quer com particulares, para que esta pessoas possam ter uma perspetiva de vida que implique o regresso ao mundo do trabalho e a possibilidade de poderem voltar aos estudos e seguirem as suas vidas aqui em Leiria” ou mais tarde regressarem.
Além do alojamento, o estádio permite realizar a higiene e as refeições.
Gonçalo Lopes anunciou ainda que na terça-feira devem chegar mais 18 refugiados, que vêm integrados na caravana que levou bens para a fronteira da Hungria e que teve o envolvimento do Município. “Este é um processo muito exigente do ponto de vista de proximidade. Não pode ser tratado como é o envio de bens para a Ucrânia. Não estamos a falar de uma palete de mercadoria. Estamos a falar de pessoas, cada uma com as suas necessidades e características”, sublinhou.