Nos últimos meses, 12 escolas de Leiria receberam o projeto “A Música dá Trabalho” com o qual a Omnichord alargou horizontes sobre o entendimento da música: dos alunos, de professores e funcionários das escolas, dos pais e também dos próprios mentores do projeto. A última paragem do projeto foi na sede de Agrupamento de Escolas dos Marrazes, onde o responsável da Omnichord, Hugo Ferreira fez o balanço final.
Como foi a aventura de “A Música dá Trabalho”?
Fomos apaixonados e ambiciosos como é habitual, porque propusemos isto para uma dúzia de escolas e não antecipávamos todo o trabalho e toda a envolvência que implicava. Deixar Marrazes para o fim tem um sabor especial por várias razões: começámos com Surma e acabamos com os First Breath After Coma – que são talvez os dois símbolos maiores da Omnichord -, uma banda que tem elementos a voltarem à sua antiga escola – e acabamos também numa escola onde existe uma figura absolutamente essencial, o mediador cultura, neste caso a Patrícia Martins, coautora do livro [“A Música Dá Trabalho”]. E, curiosamente, o artista o artista em residência nesta escola no âmbito do Plano Nacional das Artes é autor da ilustração do livro. Chegamos ao fim do projeto numa escola que teve um contexto difícil ao longo dos anos mas conseguiu, sobretudo pela cultura, ultrapassar todas as barreiras que enfrentava e tornar-se numa das escolas mais multiculturais de Leiria. Basta entrar pelo portão e notámos que a arte e a cultura têm uma presença muito forte nos Marrazes.
Como tem sido a receção nas escolas?
Tem ultrapassado as expectativas. Isto atingiu mais de 5.500 alunos, um número muito considerável, e de várias faixas etárias. No início até julgávamos que nas primárias não ia resultar tão bem – e resulta perfeitamente bem, da primária ao secundária. Foi também muito importante a validação não só dos alunos como também do corpo docente e dos auxiliares – e também dos artistas envolvidos. Alguns deles, não estando ligados à Omnichord, estão ligados a Leiria, e voltaram às suas escolas. E houve momentos absolutamente épicos. Há vários fatores aqui que se conjugam: depois de dois anos em que quase não houve nada, esta abertura em que os alunos podem ver tudo a ser montado, compreender as várias funções e podem divertir-se a compreender o que os está a divertir, acabou por ser quase a ‘cereja no topo do bolo’. Por tudo isto, esta atividade há quatro anos atrás resultaria bem; agora resulta muito melhor.
Como perceberam o projeto os alunos mais novos?
Tinha muitas dúvidas sobre o efeito nas escolas primárias, mas esses alunos têm mais tempo para absorver as personagens e para perceber o que cada um faz e escolher o que gostavam de ser entre estas profissões. Depois estão mais desligados das novas tecnologias: enquanto os mais velhos estão sempre a querer tirar o momento para o Instagram ou a gravar tudo, na primária absorvem mais o concerto em si. Mas os mais velhos muitas vezes estão a estudar Artes ou Economia e também é importante para eles perceberem que, realmente, também podem fazer parte deste ecossistema. Tem sido muito curioso: em algumas escolas, logo pela manhã alguns alunos logo se voluntariam ou para tocar algum instrumento nos ensaios ou até para ajudar: hoje tivemos dois ajudantes assistentes de palco, que estiveram a ligar os cabos connosco e a montar tudo. É também uma aprendizagem que levam para casa. Até pelos pais, temos noção que os miúdos passam um dia na escola de que tão cedo não esquecem.
O que pode resultar daqui? Uma geração de futuros músicos ou de profissionais de outras atividades relacionadas?
Podem. A questão da capacitação é importante, mas não é primordial. Se estes 5.500 alunos ficarem com uma noção mais aproximada de que a música tem valor; de que quando ouvem no telemóvel uma canção, há muita profissão atrás disso; que quando vão a um concerto e lhes pedem dinheiro para um bilhete, eles perceberem que têm de dar porque há muita gente a trabalhar atrás daquilo tudo; essa sensibilização – deles e também dos pais -, vai ajudar a desmistificar a lógica do ‘basta eu ir cantar e tocar umas músicas e está tudo bem’. É muito mais importante ajudarmos a perceberem o real valor da cultura e que nada é gratuito e de borla, do que conseguirmos arranjar 34 assistentes de palco e 47 músicos. Alguns vão sê-lo e é inevitável, mas até é importante para os próprios pais que quando um filho quer seguir uma área cultural dizem ‘isso não vai dar nada’: isto é importante para olharem de outra forma. Fica sobretudo a consciencialização, tanto dos pais como das comunidades escolares.
Qual é o próximo passo? Para onde vai este projeto?
Esta aprendizagem faz-nos perceber que provavelmente poderemos ir para outros territórios, eventualmente com artistas locais. Neste momento ainda estamos a fechar esta dúzia de sítios. Vamos reunir a documentação para fazer uma curta-metragem, pela Casota Collective. Achamos que este pode ser um projeto-bandeira com continuidade, até porque está tanta coisa investida – um palco, um PA, todo o material feito para o livro e todas as dinâmicas que se foram aprimorando escola a escola. Podemos pegar na ideia e fazer noutro sítio? Vamos! É perguntar ‘Que banda há aí’? Pegamos nela e fazemos. A partir de agora vamos procurar outras paragens e outras escolas, já com a noção que funciona desde a primária ao secundário.