É no parque de estacionamento do estádio de Leiria que é normal encontrar Ksenia Kotova por estes dias. Ontem, tal como no dia anterior, a cidadã ucraniana voluntariou-se para ajudar a organizar os bens doados pela comunidade leiriense que têm como destino as fronteiras com a Ucrânia.
Apesar da energia que transmite enquanto trabalha, facilmente se percebe, ao olhar para Ksenia Kotova, que está exausta. Na conversa com o REGIÃO DE LEIRIA, explica porquê.
“Tenho a minha mãe em Kiev, nos arredores da cidade, e não consegue vir. A cidade está cercada [Ksenia Kotova emociona-se]. O meu coração vai rebentar. Tenho tios, primos, amigos, não está fácil. Vir aqui, ajuda. Tem que ser, tenho que fazer qualquer coisa. Ficar em casa, na cama, não resolve nada. Tenho que fazer qualquer coisa”, diz a imigrante, que escolheu Leiria para viver, tal como a irmã. Esteve na cidade do Lis durante dez anos, depois regressou ao país natal e voltou em 2019.
A mãe, já com alguma idade, permanece na capital ucraniana. Ksenia Kotova tem conseguido falar com ela “quase todos os dias” e “nos últimos dois, [o ambiente em Kiev] está mais ou menos calmo”. “Ela continua em casa e não consegue sair. Está sozinha também”, conta, enquanto os olhos voltam a ficar raiados e as lágrimas caem.
Ontem, quinta-feira, a principal preocupação de Ksenia Kotova era encontrar uma resposta para uma amiga que lhe ligou, a partir da Polónia, para onde fugiu com dois sobrinhos. “Ela só tem os passaportes deles e não tem nenhum documento que prove que é tia deles. A mãe [dos sobrinhos] ficou em Kiev e ela está a sair com eles, um com 2 anos e outro com 9. Ligou-me, porque não tem ninguém fora do país, a perguntar se podia fazer qualquer coisa, para ter a certeza que não há risco em fazer a viagem. Está a tentar arranjar bilhetes para vir da Polónia para cá”, explica.
Em conversa com elementos do executivo municipal de Leiria e a porta-voz da comunidade ucraniana, que está a fazer a ponte para muitos pedidos de ajuda, Ksenia Kotova ficou a saber que a sua amiga pode vir até Leiria com os menores. Todo o processo legal será tratado após a chegada. “Disseram-me que não há problema com a documentação e que o caso pode ser tratado cá, como outros que estão a acontecer. E vão ajudar no que for possível”, disse, manifestamente mais aliviada.
Ultrapassada esta “barreira”, Ksenia Kotova não se desconcentra. É tempo de voltar ao trabalho. Há muito para fazer. “Do fundo do meu coração, estou muito grata a toda a gente [que está a contribuir]. Vejo esta solidariedade e é muito bom. O que queremos mesmo é que a guerra pare”, salienta.