Mais de 40 voluntários da região de Leiria integraram uma caravana humanitária que partiu na passada sexta-feira, dia 11, de São Jorge, Porto de Mós, rumo à Polónia e a Roménia. Entregar mais de 100 mil euros em material médico na Cáritas Internacional, na Polónia, e recolher refugiados é o objetivo desta missão.
A esta comitiva composta por 23 veículos, juntou-se um autocarro do Fundão, e uma carrinha em Vilar Formoso. São, no total, mais de 70 voluntários, de norte a sul do país, a maioria da região de Leiria. Dois deles são Rita Cerejo e o marido Nuno Rebocho, de Porto de Mós.
A chegada à Polónia decorreu no domingo passado e o cenário encontrado na segunda-feira, dia 14, em Katovice, era quase de ficção. “Os centros onde as pessoas estão, as estações de comboio, só fazem lembrar aquelas coisas que vemos em filmes e que, felizmente, nunca tivemos à nossa porta”, conta Rita ao REGIÃO DE LEIRIA.
A advogada e deputada municipal em Porto de Mós é uma das voluntárias que seguiu para a Polónia, sendo que outra parte da caravana, com seis carrinhas, teve como destino a cidade de Siret, na Roménia e está já de regresso a Portugal, com 32 refugiados.
Entretanto, o autocarro disponibilizado pela Câmara Municipal do Fundão, chega esta quarta-feira àquele concelho, com 45 cidadãos ucranianos. Outros 48 refugiados embarcaram ontem, terça-feira, num autocarro cedido pela Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), que se juntou mais tarde e deverá chegar a Leiria este sábado, 19.
Na Polónia, estão ainda cerca de 30 voluntários, Rita e o marido incluídos, para fazer o transporte de mais pessoas, a maioria não prevista.
De acordo com Rita Cerejo, foi necessário alugar dois autocarros na Polónia para conseguir ajudar um grupo de 88 pessoas escondidas num bunker, na Ucrânia. Os voluntários já não contavam com a vinda destes refugiados, porque, apesar de estarem inicialmente sinalizados, “não estavam a conseguir sair do bunker”.
Num total de cerca de 150 pessoas escondidas naquele abrigo, apenas 88 conseguiram sair e passar a fronteira, chegando a Chelm, na Polónia, conta Rita, explicando que “do que eles nos tinham reportado, havia pessoas com deficiência e não conseguiram transportá-las. Depois havia também várias pessoas sem documentos”.
Segundo o mesmo relato, replicado pela voluntária de Porto de Mós, mães, crianças e idosos estariam escondidos no abrigo “desde o início dos bombardeamentos”, e atualmente com os “recursos a esgotar”.
Apesar disso, realça, aqueles refugiados chegaram a Chelm “relativamente bem”, “sem problemas de saúde” visíveis, tendo sido depois transportados para um abrigo em Lublin, de forma a poderem descansar e serem recolhidos pelos autocarros.
Estas 88 pessoas, adianta, não têm família em Portugal. Vão, portanto, ser acolhidas pelo centro de apoio a refugiados do Fundão. A equipa está a aguardar confirmação para saber qual a capacidade do centro.
“Os que não ficarem lá, temos já uma série de alojamentos onde eles podem ficar. Há instituições que se juntaram e alugaram apartamentos ou moradias” para o devido efeito, acrescenta.
Rita Cerejo conta ainda que o início da viagem de regresso a Portugal está previsto para o final desta quinta-feira, com paragens em Varsóvia e Cracóvia, para recolher mais pessoas.
Nesta missão, embarcou também o presidente da Junta de Freguesia de Fátima, Humberto Silva, que fez questão de assinalar que “é o Humberto que vai”.
O que “mais lhe toca o coração” são as crianças. Está-lhe gravada a imagem dos homens que vão combater e se despedem dos filhos pequenos e das esposas, nesta guerra. Quando surgiu a possibilidade de fazer algo pelos cidadãos ucranianos decidiu que era hora de pôr pés ao caminho e entregar ajuda humanitária no terreno.
A decisão foi fácil. Conversou com os filhos, com a companheira e avisa que “daqui a um mês, se tiver condições”, vai lá outra vez.
Foram quatro as carrinhas a sair de Fátima, com 10 voluntários, no âmbito da “Missão Ucrânia 2022” liderada pela Associação Serviço e Socorro Voluntário de São Jorge. Na bagagem, foi uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e alguns terços para entregar.
Apesar de terem partido “em missão de paz” , levaram também equipamentos de proteção individual, adquiridos pela Junta e empresas que apoiaram a missão humanitária. Lanternas de visão noturna, botas de biqueira de aço, joelheiras, óculos de proteção, colchonetes e cobertores para “quem está no interior na Ucrânia” foram outros artigos entregues.
Também José Ferreira, ex-presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós, juntou-se à iniciativa, integrando a comitiva que foi para a Roménia.
Já com metade do percurso de regresso cumprido, conta ao REGIÃO DE LEIRIA que a viagem está a correr “muito bem” e que o mais difícil da missão foi mesmo o trajeto inverso. “Para fazermos 450 km, demorámos mais de nove horas, atravessando montanhas e zonas com neves. Não foi fácil”, salienta.
Durante a noite desta quinta-feira, a caravana parou para pernoitar em Ulm, na Alemanha, e o acolhimento impressionou o ex-autarca: “Chegámos a Ulm era quase uma da manhã, e estava tudo preparado para acolher os refugiados em habitações. Tínhamos arroz e pato quentinho. Pagaram-nos, inclusive, estadia num hotel”.
José Ferreira conta chegar a Porto de Mós esta sexta-feira, por volta das 19 horas. Mas antes disso, a caravana irá parar em outros pontos do país, para deixar refugiados.
No total, avança Rita Cerejo, a caravana humanitária criada no âmbito da “Missão Ucrânia 2022” irá resgatar 260 refugiados.
Cenário de desespero e “ficção”
Para Rita Cerejo, esta missão tem sido um misto de emoções, desde o cenário “quase apocalítico” que encontra nos centros de refugiados e estações de comboios, à realização pessoal por ver o sorriso dos refugiados, que revelam sentir-se seguros na companhia do grupo e “contentes, porque vão sair dali”.
São várias as situações que deixam o coração da voluntária apertado, mas tem conseguido controlar as emoções. “Não nos podemos permitir exteriorizar certos tipos de emoções, porque as pessoas precisam de ver em nós um sorriso e sentir-se seguras”, diz.
Para a advogada, a “ficha só vai cair” quando começarem a deixar as pessoas nos destinos e recordarem tudo o que viram e aconteceu.
José Ferreira também presenciou algumas coisas inimagináveis em Siret, cidade bastante próxima da Ucrânia. Uma delas foi o processo complexo de saída do povo ucraniano do país natal.
O aspeto dos militares ucranianos também mexeu com José Ferreira, sobretudo pelo facto de ser evidente que estavam a “passar por algumas dificuldades”. O desespero no olhar de muitos e a desconfianças dos refugiados que acolheu foram outros aspetos marcantes para o ex-autarca, nesta viagem.
Trata-se, conclui, de uma missão “altamente gratificante para compreender o desespero da condição que o ser humano tem de passar em períodos históricos, nos quais somos governados por pessoas que não deviam governar nada”.
Do coração de Leiria para a Polónia
Também o casal Ana Ferreira e Pedro Almeida voltou a partir para Varsóvia, esta segunda-feira, dia 14, cinco dias depois de terem voltado da Polónia. Foram, desta vez, numa caravana humanitária com um autocarro e 10 carrinhas de nove lugares, repletas de bens alimentares, artigos para crianças e medicamentos.
Quatro destas carrinhas levam material angariado pela campanha SOS Ucrânia, em Leiria. O casal chegou esta quarta-feira a Przemysl, na Polónia, e de acordo com o planeado, estariam hoje a recolher 107 refugiados.
Quanto à chegada, está prevista para este fim de semana e até terça-feira, 15, Ana ainda não sabia qual o destino exato destes refugiados.
Na zona Oeste do distrito, houve também autarcas, vereadores e outros funcionários públicos que deixaram os trabalhos e partiram para onde a ajuda é hoje mais necessária. Ricardo Duque, presidente da Junta de Freguesia de Gaeiras, José Pereira, vereador do Município de Óbidos, com o pelouro das Migrações e Ação Social, Sandrina Patriarca, presidente da Junta de Freguesia de Olho Marinho, Silvana Santo António, colaboradora na Junta de Gaeiras e três voluntários completaram oito mil quilómetros em seis dias, tendo regressado no passado dia 11, na companhia de 11 crianças e seis mulheres ucranianas.
Em Alcobaça, não partiram voluntários, mas foram enviados na terça-feira, 15, dois camiões com 40 toneladas de produtos, angariados no âmbito da campanha desenvolvida no concelho.
Com Lucília Oliveira
(Notícia atualizada às 15h25, de 17 de março de 2020, com declarações de Rita Cerejo e José Ferreira, bem como ponto de situação da viagem)