Se tem um alojamento ou um posto de trabalho e está a disponibilizar a vaga para um deslocado ucraniano, a sua oferta é preciosa. Mas deve fazê-la da forma mais clara possível.
Nas últimas semanas foram muitos os ucranianos que procuraram na região um refúgio para fugir da guerra. Acolhidos em instalações provisórias ou em casa de amigos, é agora tempo de encontrar um espaço que identifiquem como seu. No entanto, a procura e as poucas ofertas existentes não estão a dar a resposta digna às necessidades identificadas.
Yuliya Hryhoryeva, porta-voz da comunidade ucraniana, que desde a primeira hora tem respondido a todas as solicitações, 24 horas por dia, dá exemplos.
“Recebemos uma oferta de um apartamento. O dono vive no Algarve mas a casa não tem água nem luz e só o proprietário é que pode tratar desse pedido. Outra casa estava disponível mas não tinha mobília, nem eletrodomésticos. Não podemos mudar as pessoas sem as mínimas condições”, explica.
Outro exemplo, dá conta de uma família que foi acolhida numa habitação numa freguesia do concelho de Leiria, onde um cidadão ucraniano tinha trabalhado há vários anos. “A permanência na casa durou poucos dias, não chegou a uma semana, porque a pessoa pensou melhor e ligou a dizer que afinal já não tinha emprego e a pessoa tinha que ir embora. A pessoa foi desesperada ter connosco ao Estádio e lá arranjámos espaço”, explica.
Com capacidade para 54 camas, a lotação do estádio está preenchida.
A maior parte das famílias acolhidas pretende ficar na cidade de Leiria, diz Yuliya Hryhoryeva, “até porque já estão a criar alguns laços e mudar é sempre difícil – eles já fizeram uma mudança radical”, mas a falta de habitações dificulta (muito) o processo. Se a procura, nos últimos meses, já não conseguia responder à oferta, com a guerra, a situação agravou.
“Telefonam-me muitas pessoas e não posso dizer que há muitas ofertas, não há. Vão aparecendo algumas casas. Ligou-me uma pessoa e ofereceu um espaço, não muito espaçoso, mas que dá para uma família de uma mãe e duas crianças. Talvez consiga arranjar também um emprego mas ainda não é certo. E depois os refugiados ficam um bocado com receio do compromisso, com medo de não poder voltar atrás”, explica.
Quer para quem está disposto a oferecer alojamento, quer para quem procura, a responsável apela que as “condições sejam bem claras”, que visitem as habitações, conheçam os espaços e definam todos os pormenores.
“Digam logo de início todas as condições: se querem pedir renda ou não, qual o valor, por quanto tempo disponibilizam a casa, se há ou não eletrodomésticos e mobília, se as despesas de água, luz e gás estão incluídas. Tem que ser tudo falado. Assim todos sabem desde o início com o que podem contar”, afirma. Lembra ainda que quando alguém aceita receber na sua casa um deslocado, a morada dessa pessoa fica registada nesse local, o “que também é uma responsabilidade”.
“As pessoas mostraram-se desde início muito disponíveis para ajudar, e só podemos agradecer, mas é preciso perceber como é que as coisas funcionam e que há pessoas que podem ficar só dois meses e outras muito mais tempo. Algumas a pagar as despesas, outras nem por isso. Daí que seja importante estar tudo bem esclarecido logo desde início, quer por parte de quem está a ajudar, quer por parte de quem vai receber essa ajuda”, acrescenta.
O mesmo se aplica às ofertas de emprego.
Atualmente, os deslocados acolhidos em Leiria estão a frequentar um curso intensivo de língua portuguesa, financiado, através pelo Centro de Emprego de Leiria.
Maioritariamente mulheres em idade ativa, como na maioria dos casos que o país tem recebido, as pessoas do grupo que está no Centro de Acolhimento Temporário têm formação em economia, ensino ou cabeleireiro/estética. Gostariam, de preferência de trabalhar na sua área de formação e experiência mas, “conscientes das dificuldades em arranjar um emprego”, também se mostram disponíveis para trabalhar em outras áreas profissionais.
Contudo, em boa parte das soluções que estão a ser disponibilizadas, quando a oferta é fora da zona central da cidade de Leiria, o transporte funciona como um “travão”. Sem carro ou transportes públicos, a capacidade de deslocação dos deslocados fica mais condicionada.
“Tivemos uma oferta numa empresa na zona de Fátima para dez pessoas, numa empresa na área da costura, mas não há transportes públicos para lá, nem possibilidade de acolher pessoas na localidade. Desta forma não é possível aceitar essa oferta”, afirma Yuliya Hryhoryeva.
Depois, “um ordenado mínimo, porque em muitos casos é só uma pessoa a trabalhar, não é suficiente para pagar uma renda na cidade de Leiria, alimentação e outras despesas, temos também que ter noção disso. Não vale a pena aceitar uma proposta se vai criar mais problemas. Todos temos consciência disso”, refere.
Ainda assim, a porta-voz realça que “ninguém deve ter receio de contratar um ucraniano”. “Quem trabalha com ucranianos que vivem cá há muitos anos, sabem que são bem formados, educados, pessoas cultas e é uma grande valia para qualquer empregador. A língua aprende-se, quem quer entender, entende”, diz.
Apesar do processo de integração não decorrer de forma tão célere e desejável, como noutros pontos da região, Yuliya Hryhoryeva mantém confiança de que tudo se vai resolver.
As ajudas – com oferta de habitação, emprego ou bens – devem ser comunicadas às entidades oficiais (autarquias, Segurança Social, IEFP,…) e à própria Yuliya, de modo que o processo siga todos os passos recomendados e se consiga validar a integração destes refugiados da forma mais correta.
A região continua a receber muitos refugiados, em casa de familiares ou amigos, que muitas vezes passam despercebidos e que apesar de conseguirem acolher numa primeira fase estas pessoas, depois a situação pode complicar-se.
O registo no SEF, a pedir o título provisório de deslocado, deve ser um primeiro passo, de forma a puderem receber a documentação necessária e usufruir dos números de segurança social e NIF.
Quanto ao “resto”, Yuliya diz “tudo se arranja, a ajuda tem sido imensa” e as famílias, mesmo depois de integradas, continuam a ser acompanhadas por voluntários da autarquia e da comunidade ucraniana residente em Leiria.