A pneumologista Maria João Canotilho, do Centro Hospitalar de Leiria, defende um rastreio na sociedade portuguesa à doença genética Alfa 1-antitripsina, à semelhança do que já fazem alguns países no norte da Europa.
Assinala-se hoje o Dia Europeu de Consciencialização para o Défice de Alfa-1 Antitripsina, uma doença rara que tem impacto ao nível dos pulmões e do fígado.
Maria João Canotilho afirmou à agência Lusa que a doença ainda está “subdiagnosticada” e defendeu, por isso, a realização precoce de testes, à semelhança do que já sucedeu em alguns países nórdicos.
“Todos os doentes, pelo menos uma vez na vida, devem ter uma medição de alfa1, tal como medem o colesterol. Se calhar, dever-se-ia começar a pensar em programas de rastreio e, por exemplo, ao fazer o teste do pezinho, incluir este”, sugeriu a pneumologista.
Segundo Maria João Canotilho, “os únicos países que têm casos e que fizeram rastreio em quase toda a população foram os países nórdicos e a Irlanda”.
“Estamos com a plataforma registo a começar, mas não fazemos ideia do número de casos ainda. Sabemos, teoricamente, que na Península Ibérica temos a mutação ‘S’, que é muito prevalente. Existem muitas ‘S’ e ‘Z’, mas existem outras tantas [mutações] raras”, acrescentou.
A Alfa 1-antitripsina é uma proteína produzida pelo fígado, que “aumenta quando há uma agressão” no organismo.
“É o balanço com outras proteínas que faz com que os fenómenos de reparação do pulmão ocorram naturalmente”, explicou a especialista, exemplificando com a sua ação numa constipação ou pneumonia.
Quando existe uma alteração genética – que é hereditária – a proteína pode não ser produzida em quantidade suficiente, pelo que a Alfa-1 deixa de conseguir proteger os pulmões de possíveis danos, podendo provocar patologias graves, como o enfisema pulmonar, adiantou Maria João Canotilho.
A pneumologista salientou que se trata de uma deficiência “codominante, ou seja, é o gene que é passado pela mãe e pelo pai”. Por isso, sempre que há um diagnóstico, imediatamente o teste é efetuado aos pais, filhos e irmãos.
Silvino Ferreira, 80 anos, sofre deste défice há cerca de 14 anos. O militar de carreira aposentado contou à Lusa que frequentes constipações com uma duração elevada levaram-no a recorrer a vários médicos.
Uma especialista no setor privado desconfiou do défice Alfa-1 e, após vários exames, os resultados confirmaram o problema genético, relatou o doente.
Passou a ser seguido no hospital dos Covões, em Coimbra, onde lhe disseram que fumava ou já tinha sido fumador.
“Nunca fui, mas quando era militar todos fumavam à minha volta. Fui durante muitos anos fumador passivo”, adiantou Silvino Ferreira.
Atualmente, a ser seguido no Centro Hospitalar de Leiria, o ex-militar está a realizar um tratamento inovador, através de uma terapêutica injetável semanal.
Segundo explicou Maria João Canotilho, este fármaco visa “elevar os níveis séricos e, assim, reconstituir a defesa pulmonar”.
Neste momento, há 15 pacientes a realizar esta terapêutica em Leiria.
“Tenho-me sentido razoavelmente bem. Às vezes, sinto cansaço, mas procuro ter hábitos saudáveis. Faço ginásio e caminhadas”, revelou, lamentando que após o rastreio à sua família direta, a deficiência Alfa-1 tenha sido detetada num dos seus filhos.
No hospital de Santo André, em Leiria, estão a ser acompanhados em consulta 52 pacientes, dos quais 33 diagnosticados com o défice Alfa-1 antitripsina devido à presença de doença pulmonar e 19 familiares de primeiro grau identificados pela equipa médica através de rastreio.
“Os doentes são maioritariamente do sexo masculino (61.5%). Ao longo dos anos, o número tem aumentado, mas a condição permanece subdiagnosticada por múltiplas razões. Existe ainda uma falta de conhecimento generalizado, o que faz com que entre o surgimento dos sintomas e o diagnóstico se estime que exista um hiato de cerca de oito anos”, alertou a pneumologista.
Em Ourém, distrito de Santarém, e Leiria existem duas mutações identificadas e que foram denominadas de Mutação de Ourém e de Mutação de Leiria (esta última ainda em processo de publicação), afirmou Maria João Canotilho.
“Há mais de 120 mutações conhecidas, umas mais importantes, outras menos. Mas todas podem condicionar estas alterações a nível pulmonar ou hepático”, esclareceu ainda, ao apontar a ‘Z’ como a “mutação mais frequente”.