Passados mais de três meses do início do conflito na Ucrânia, os casos de integração de deslocados na região são díspares. Enquanto há quem já tenha habitação própria e emprego, há quem permaneça em centros de acolhimento temporários sem previsão de habitação.
E se para uns a intenção é recomeçar a vida por cá, para outros o regresso não sai do pensamento. É o caso de Yuliia Sopolieva, que está alojada com o filho de 8 anos no centro de acolhimento temporário de Monte Redondo, desde 26 de março.
Em conversa com o REGIÃO DE LEIRIA, conta que é “difícil viver durante muito tempo com várias mulheres e num espaço pequeno”. Apesar de estar grata pelo apoio, pensa em regressar desde o início. E diz que agora é o momento ideal, porque a cidade está segura, a casa onde vivia mantém-se intacta, os hospitais e o comércio estão a funcionar.
Há água, gás e eletricidade, e acredita que em breve a internet será restaurada. Quem confirma a situação em Irpin são os pais de Yuliia Sopolieva, que voltaram há três semanas para a cidade.
Até à viagem de regresso, que deverá acontecer nos próximos dias, Yuliia está a trabalhar na Panidor, em Monte Redondo, para juntar dinheiro para pagar os bilhetes de avião. E é com grande entusiasmo que fala de como vai poder voltar a costurar roupas para homens, mulheres e crianças, a partir de casa. Quanto ao filho, está igualmente feliz.
Por Monte Redondo, ficam, entre outros cidadãos ucranianos, Alecsandra Reshtoha e Oksana Rohmail. Ambas de Kharkiv, estavam também instaladas no centro de acolhimento temporário daquela localidade e conseguiram habitação em frente ao centro escolar da freguesia, no início de maio.
Para Alecsandra Reshtoha, 33 anos, o apartamento, apesar de pequeno, é suficiente para as suas necessidades e as dos filhos, de 4 e 8 anos. Diz que nunca teve tanto apoio: “Costumava fazer as coisas sozinha. Vim para cá e tivemos direito a comida, dormida, muita atenção e amor. É um grande apoio, porque perdemos tudo”, frisa.
Conta que abandonou Kharkiv quando os aviões começaram a sobrevoar a zona onde viviam. Por lá ficou o marido, mas estão em contacto todos os dias. Não só para matar saudades e saber notícias um do outro, mas também pelo facto de gerirem um negócio online em conjunto: a marca de roupa “Bright Berries”.
Esta marca é a principal fonte de rendimento de Alecsandra, uma vez que trabalha apenas algumas horas por dia na escola de Monte Redondo. Como sabe falar inglês, ajuda os professores a comunicar com as crianças ucranianas, de forma a facilitar a integração, que não tem sido fácil. “As nossas crianças estão muito perdidas porque não compreendem o que é que precisam de fazer” e os horários são “muito diferentes”, explica.
Grávida de quatro meses, assume que está a ser difícil tanto a nível psicológico como físico. Mas os elementos da Junta de Freguesia têm ajudado no transporte para as consultas e sabe que assim que tiver o bebé, o marido poderá vir para Portugal.
Algo que também a conforta por estes dias é a presença de uma família ucraniana na porta ao lado. Trata-se de Oksana Rohmail, que veio para Leiria com os sogros, o filho, a irmã do marido e o respetivo filho.
Oksana, o sogro e a cunhada trabalham na Panidor, todos no mesmo turno e no total pagam 600 euros de renda mensal. “Estamos muito felizes. É um ótimo país. As pessoas são muito generosas. Sinto-me como na Ucrânia”, confessa.
Quanto à guerra, Oksana acredita que não vá parar este ano. “A situação está perigosa no meu país. Muitas pessoas não têm emprego, não há combustíveis nem comida nos supermercados. Os edifícios foram destruídos. Não sei como é que as pessoas que ficaram na Ucrânia conseguem viver, comer, estudar…”, relata com alguma emoção.
Apesar de não ter família nem amigos em Portugal, está grata pela ajuda que tem recebido em Portugal e não se sente sozinha.
Alecsandra e Oksana fazem parte do grupo de 26 pessoas – de um total de 40 que estavam no centro de acolhimento de Monte Redondo – com habitação atribuída. Todas as crianças encontram-se na escola e boa parte das famílias já tem emprego. O objetivo, adianta Céline Gaspar, presidente da União de Freguesias de Monte Redondo e Carreira, é “desmantelar o centro o mais tardar até 15 de junho”.
Os deslocados em Monte Redondo também frequentam aulas de português nas instalações da Junta de Freguesia. Antes tinham aulas no centro de acolhimento com uma voluntária ucraniana.
Dificuldades em Leiria
No centro de acolhimento temporário instalado no Estádio de Leiria, a integração caminha a passos mais lentos. Segunda Ana Valentim, vereadora da Câmara com o pelouro da Ação Social, no dia 24 estavam 50 pessoas no estádio e 14 no bairro da Secil, na Maceira. Destes 50, há um agregado que está no estádio desde março.
Nenhum dos agregados familiares tem já habitação própria. Apenas 19 famílias estão em habitações de transição, apoiadas pelas autarquias, empresas e privados, explica.
Quanto a emprego, estão 20 pessoas inseridas em diversas áreas, nomeadamente informática, confeção de roupa, estética, restauração, construção, apanha de fruta, publicidade, serviços de limpeza.
De acordo com a vereadora, as dificuldades sentidas prendem-se com a necessidade de definir “um projeto de vida, que passa pelo emprego, habitação e educação”. Ou seja, com as crianças nas escolas, é importante que os progenitores consigam casa e emprego perto dos estabelecimentos de ensino. Outros obstáculos são a inexistência de habitação social em Leiria para acolher os deslocados e o atual preço elevado dos imóveis.
Estava previsto o acolhimento de 15 pessoas nas instalações do Seminário de Leiria, enquanto habitação de transição, mas o espaço está ainda “a sofrer obras de melhoria por parte de uma empresa local”, adianta Ana Valentim.