“Jorge Estrela – Esboço de uma biografia” é o mote da exposição sobre a vida e obra do historiador de arte Jorge Estrela, que abre portas ao público na segunda-feira, na sala de exposições de longa duração do Museu de Leiria.
A mostra, que revela aspetos menos conhecidos do também também pintor, ilustrador, designer e micólogo, desaparecido em 2015, desenvolve-se por dez núcleos onde pinturas, fotografias, objetos e vídeos dão a conhecer o percurso e a produção do homem que nasceu em 1944 em Angra do Heroísmo mas que, a partir de uma ligação familiar, desenvolveu uma relação íntima com Leiria.
“Esta é uma primeira abordagem, porque Jorge Estrela tem tantos pontos interessantes a explorar que, nesta fase, só conseguimos fazer um esboço”, assume à agência Lusa o museólogo responsável pela exposição, Ricardo Estevam Pereira, a propósito do título escolhido para a exposição.
No Museu de Leiria, a partir de segunda-feira, mostra-se “uma obra surpreendente” de pintura e também o legado na história da arte – Estrela estudou pintura holandesa do século XVII na Sorbonne, durante a década em que viveu em França, até ao fim da ditadura em Portugal. Mas também se revela o gosto pela geometria, banda desenhada, cinema de animação, jogos de tabuleiro, vinhos, gastronomia, poesia e natureza. Neste particular, destacam-se os cogumelos, matéria sobre a qual era um dos maiores especialistas nacionais, tendo estado na fundação da Sociedade Micológica Portuguesa.
A investigação levou a equipa do Museu de Leiria a pesquisar milhares de documentos. Na exposição estará sobretudo a obra visual, mas a produção escrita não é esquecida e surgirá no catálogo, avança Ricardo Estevam Pereira.
“Esta é a primeira leitura de todo esse material. Muito do que ele escreveu ficou na gaveta. Ele era um homem extremamente exigente na investigação e era muito difícil que desse um trabalho com acabado e perfeito. Vamos ter ainda muitas surpresas relativamente a Jorge Estrela”, antecipa o museólogo.
Apesar de “profundamente culto” – a sua obra reflete “toda a liberdade da Paris dos anos 60” -, Estrela esteve sempre “apaixonado e com os pés no território de Leiria”, mostrando que “se pode ser universalista mas não tem de se ser ‘bota de elástico’ para manter a ligação à terra e à história”.
Para o museólogo, “grande parte da vida dele é perceber como estas ‘peças’ tão diferentes conseguem encaixar” e “essa é uma das grandes lições que quisemos mostrar nesta exposição”.
Estevam Pereira destaca o facto de a exposição acontecer por iniciativa do Museu de Leiria, do qual “ele é uma das figuras tutelares”.
“Deve-se muito ao esforço dele e à sua capacidade de persuasão o restauro de toda a vasta coleção de pintura do museu”, até aí “um conjunto de telas castanhas, algumas rasgadas e desconjuntadas, sem leitura quase”, que o historiador de arte lutou para que fosse salvo. “Ele não só estudou todas essas obras como teve capacidade de intervenção para convencer a Câmara de Leiria a fazer um grande investimento no restauro”, que preservou “peças de grande relevo”, como pintura flamenga do século XVI até Baltazar Gomes Figueira, sublinha.
Para o museólogo, essa é uma das grandes marcas da personalidade, que se revela, por exemplo, no empenho para salvar um mercado histórico de Leiria da destruição, o Mercado de Santana – bem como o espólio do monumento que o antecedeu, o Convento de Sant’Ana -, na exposição “O saque da cidade de Leiria”, de 1977, que questionava o caminho do urbanismo na cidade, ou na insistência para se continuarem a produzir vinhos à moda tradicional, com castas antigas, como o palhete.
“Ele não é aquele combatente agressivo e negativo. É alguém com grande capacidade de diálogo que conseguiu salvar todo este património”, realça o arquiteto, para quem a exposição e o percurso de vida de Jorge Estrela são o exemplo de que “vale a pena questionar, vale a pena agir”.
Retrospetivamente, percebe-se que Estrela, que “sempre se apresentou como pintor”, “conseguiu muita coisa nesta cidade”.
“A sociedade mudou porque houve homens como este que intervieram, de forma política e diplomática”. E se não atingiu tudo o que pretendia ao longo dos 70 anos de vida, “conseguiu muita coisa e isso é algo que vale a pena passar para as novas gerações: vale a pena ousar porque alguma coisa ficará”.
“O objetivo final é conhecermos o homem. Ele conseguiu passar a sua mensagem, não é alguém fechado a lutar contra o mundo. Ele quer mudar o mundo e de alguma forma conseguiu-o”, concluiu.
Com Lusa