Três militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), um dos quais já aposentado, vão ser julgados em Leiria por falsificação de documento, abuso de poder e burla qualificada, crimes alegadamente cometidos no posto territorial de Caldas da Rainha.
Os factos remontam a fevereiro de 2014, envolvem pai (que no ano seguinte teve direito à aposentação) e filho, e outro militar que exercia funções de comandante de posto em substituição, e prendem-se com a suposta falsificação da escala de serviço, para fazer com que um acidente de viação sofrido por um deles fosse considerado em serviço.
Segundo o despacho de acusação consultado pela agência Lusa, no dia 9 de fevereiro de 2014, um militar, apesar de ter sido escalado pelo comandante, não se apresentou no posto da GNR pelas 9 horas. O comandante em exercício não comunicou a situação ao Comando Territorial de Leiria.
Nesse dia, o militar teve, cerca das 12 horas, um acidente de viação na Autoestrada 24, na zona de Castro Daire (Viseu), no qual sofreu ferimentos, referiu o Ministério Público (MP).
O militar deu conhecimento do acidente ao pai e ao comandante, sendo que todos “combinaram entre si alterar a escala no livro de relatório diário” do posto, para que passasse a estar escalado para o serviço de patrulha entre as 14 horas e as 18 horas e este serviço “passasse a constar como tendo sido efetuado” entre as 16 horas e as 22 horas.
O MP referiu que, assim, faziam “crer e acreditar” ao Estado, neste caso Ministério da Administração Interna e GNR, e à ofendida Caixa Geral de Aposentações (CGA), que o militar “se encontraria no percurso desde a sua residência” até ao posto de Caldas da Rainha, o seu local de trabalho, quando teve o acidente.
“Por via da atuação levada a cabo pelos arguidos”, com idades entre os 40 e 66 anos, o acidente de viação sofrido pelo militar foi qualificado como ocorrido em serviço, tendo os tratamentos médicos, no valor de 2.299,39 euros, sido pagos pela GNR a quatro centros hospitalares e a uma clínica.
Já a CGA, na sequência das lesões sofridas pelo militar, atribuiu a este “uma incapacidade permanente parcial, com desvalorização de 10%”, após parecer de uma junta médica em outubro de 2016.
“Por via do agravamento das lesões corporais”, aquele “conseguiu que viesse a ser conferida uma incapacidade permanente parcial, com desvalorização de 12%”, segundo parecer de junta médica em junho de 2021, pelo que a pensão anual foi revista de 1.267,93 euros para 1.521,51 euros. Já o capital de remição pago pela CGA passou de 20.116,98 euros para 22.871,34 euros.
“Os factos praticados pelos arguidos (…) são particularmente graves, uma vez que os mesmos violaram a fidelidade reclamada pelas suas patentes e qualidades militares da GNR”, sustentou o MP, considerando ainda que violaram “as regras e exigências de cumprir e fazer cumprir a lei”.
Para o MP, a personalidade dos arguidos manifestada nos factos e os elevados graus de culpa “colidem com os fins institucionais de cargos públicos, de onde resulta a incompatibilidade absoluta entre as ações praticadas e a sua manutenção no exercício de funções públicas, bem como de qualquer outro cargo público, cujo exercício pressuponha a observância e o respeito daqueles deveres, por inexistência de condições de dignidade, probidade e confiança”.
Por isso, além dos crimes imputados, o MP pediu que seja aplicada aos arguidos a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas e a medida de segurança de interdição, além de que sejam perdidas a favor do Estado as quantias de 2.299,39 euros (tratamentos médicos) e 29.721,97 euros (da CGA), correspondentes às vantagens obtidas por aqueles.
Questionado pela Lusa, o Comando Territorial de Leiria da GNR adiantou hoje que “os processos disciplinares dos militares em questão encontram-se suspensos, aguardando o termo do processo judicial em curso”.
“Relativamente às funções desempenhadas, um dos militares encontra-se em funções administrativas, sendo que o outro militar está atualmente em licença especial para desempenho de funções fora da Guarda”, acrescentou.
O julgamento, por um coletivo de juízes do Tribunal Judicial de Leiria, ainda não está marcado.