Trabalhos de arqueologia realizados por especialistas do Laboratório de Arqueociências da Direção-Geral do Património Cultural permitiram identificar a presença do abutre-barbudo, há 29 mil anos, no Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo, em Leiria.
De acordo com resultados dos trabalhos de arqueologia, publicados na ‘Scientific Reports’ da edição de hoje da revista Nature, o abutre-barbudo (Gypaetus barbatus) terá vivido no Abrigo do Lagar Velho na mesma época de grupos de caçadores do Paleolítico Superior, nomeadamente há 29 mil anos.
A descoberta decorre dos trabalhos de arqueologia que continuam a ser realizados pelas especialistas Ana Cristina Araújo e Ana Maria Costa, da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), em colaboração com Joan Daura e Montserrat Sanz, da Universidade de Barcelona, em torno do local onde foi sepultada uma criança do Paleolítico Superior, que faleceu no decurso do seu quinto ano de vida.
Conhecida internacionalmente como o Menino do Lapedo, esta é a primeira e ainda única sepultura do Paleolítico Superior a ser identificada em Portugal.
De acordo com as especialistas da DGPC, a identificação da presença do abutre-barbudo, mais conhecido por quebra-ossos, foi feita através de fezes fossilizadas (coprólitos), tendo-se verificado que os coprólitos são “extremamente numerosos em toda a sequência sedimentar, incluindo em níveis com ocupação humana paleolítica”.
“Neste artigo é pela primeira vez descrito o excremento fossilizado de abutre-barbudo e proposto um novo morfotipo que poderá ser, a partir de agora, utilizado pelos investigadores de todo o mundo para a identificação desta ave no registo arqueológico. A caracterização dos coprólitos foi realizada a partir de estudos comparativos com excrementos de especímenes atuais e a partir de análises morfométricas e composição química”, explicaram as especialistas.
Para além da importância da identificação da presença destas aves no local há 29 mil anos, “as fezes fossilizadas são por si só importantes elementos de informação”.
“Estes dois excrementos são verdadeiras cápsulas de informação: o pólen ali armazenado, por exemplo, permite determinar quais as plantas (entre árvores, arbustos e ervas) que caracterizavam aquele espaço (a paisagem envolvente); as plantas, por sua vez, espelham condições climáticas específicas”, indicaram ainda Ana Cristina Araújo e Ana Maria Costa.
No entender das especialistas da DGPC, “conhecer os cenários ambientais é fundamental para compreender as opções/estratégias de sobrevivência das comunidades humanas e da sua relação com os animais, nomeadamente o abutre-barbudo, hoje extinto em Portugal e em grande parte da Europa”.
O artigo hoje publicado envolveu especialistas do Laboratório de Arqueociências da DGPC, assim como da Universidade de Barcelona, tendo as investigações contado com o apoio e colaboração do Município e Museu de Leiria, do Parque Nacional de Ordesa e Monte Perdido, do Centro de Rescate y Cría de Quebrantahuesos (CRIAH) e da Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos (FCQ).