O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou esta segunda-feira, dia 13, que o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos”.
“Pedimos perdão a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém”, acrescentou.
Em conferência de imprensa em Lisboa, José Ornelas disse que a situação “é uma ferida aberta que (…) dói e (…) envergonha”.
Poucas horas depois da apresentação do relatório Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, que aponta para 512 testemunhos validados de um total de 564 recebidos, o que aponta, por extrapolação, para um mínimo total de 4.815 vítimas, afirmou que o relatório “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal”.
Dirigindo-se diretamente às vítimas, José Ornelas afirmou que, nas suas vidas se atravessou “a perversidade onde não deveria estar”.
“O vosso testemunho é para nós um alerta e um pedido de ajuda a que não queremos nem podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados, a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro”, sublinhou.
Para o também bispo de Leiria, “os abusos de menores são crimes hediondos” e “quem os comete tem de assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades civis, criminais e morais daí decorrentes”.
Os abusadores têm de “reconhecer a verdade sem nada esconder, que se arrependam sinceramente, que peçam perdão a Deus e às vítimas, e que procurem uma mudança radical de vida com a ajuda de pessoas competentes, na certeza de que o caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração bondoso de Deus”, disse José Ornelas, reconhecendo que o estudo da Comissão Independente apresenta um “número muito maior” do que aquele que tinha sido apurado até agora.
Esta situação levou o presidente da CEP a pedir desculpa por a Igreja não ter sabido criar “formas eficazes de escuta e de escrutínio interno”, e por nem sempre ter “gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores”.
“Cremos, apesar de tudo, que a mudança está a acontecer e devemos isso também, e muito, aos Papas Bento XVI e Francisco, à ação dos meios de comunicação social, e à nova sensibilidade que cresce dentro da Igreja e da sociedade em geral”, reconheceu.
Porém, para o prelado, “se é certo que a Igreja não pode tolerar os abusos, que são uma total contradição da nossa identidade e do nosso modo de agir, também é verdade que a vida da Igreja em Portugal não se encerra nesta questão”, pois “há muitas pessoas e instituições eclesiais a dedicar-se aos mais frágeis, aos mais necessitados e aos mais pobres, e a realidade dos abusos não pode fazer esquecer o imenso bem, tantas vezes silencioso, de sacerdotes, religiosos/as e leigos/as empenhados em tantas situações, a quem queremos dar uma palavra de conforto e coragem”.
A CEP vai agora “analisar detalhadamente o relatório final” do estudo, procurando “encontrar os mecanismos mais eficazes e adequados para fomentar uma maior prevenção e para resolver os possíveis casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade”, com o objetivo de que a “tolerância zero” para com os casos de abusos seja uma realidade em toda a Igreja.
Apontando para a Assembleia Plenária Extraordinária da CEP já agendada para 3 de março, em Fátima, admitiu que nessa ocasião “será possível apontar medidas concretas a desenvolver”.
José Ornelas deixou ainda um agradecimento à Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, sublinhando o “trabalho técnico fundamental” feito, que “ajudará a definir, com maior rigor, uma estratégia para o futuro que procure impedir a repetição de quaisquer tipos de abusos, complementando com a ação que já tem vindo a ser desenvolvida pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis e pela Equipa de Coordenação Nacional destas comissões”.
O presidente da CEP deixou o apelo para que se continue a “dar voz ao silêncio” dos mais frágeis, contribuindo para uma cultura de transparência, não só na Igreja, mas em toda a sociedade, fazendo jus à identidade e missão da Igreja em favor da segurança e do bem das crianças, adolescentes e adultos vulneráveis”.